
O Papa Francisco com a escritora Edith Bruck, neste sábado, 20. Foto © Vatican News.
“Eu li a sua entrevista, que conta o horror que a senhora e a sua família viveram durante o tempo da perseguição nazi, e fiquei muito impressionado. Por isso, pedi para poder encontrar-me com a senhora e visitá-la em sua casa.” Foi com estas palavras que o Papa se dirigiu à escritora judia húngara Edith Bruck, com quase 90 anos, que reside em Roma e que Francisco fez questão de visitar em sua casa, neste sábado à tarde.
O Papa referia-se à entrevista que Bruck concedeu em Janeiro à jornalista Francesca Romana de’ Angelis, do L’Osservatore Romano, por ocasião do Dia da Memória das Vítimas da Shoah. O encontro contou com a presença do director do jornal, Andrea Monda.
A escritora judia, nascida na Hungria, vive há seis décadas em Itália e tem dedicado a sua vida a testemunhar o que viveu, através dos livros. Foram dois desconhecidos, conta o Vatican News, cuja última voz ela recolheu no campo de concentração de Bergen-Belsen, que lhe pediram para fazê-lo: “Relate tudo, eles não acreditarão em si, mas se sobreviver, conte, também por nós.”
Desde aí, Edith tem cumprido. Mas mantém um olhar de esperança sobre a realidade, mesmo quando fala dos momentos mais sombrios, do abismo do horror em que, quando criança, foi mergulhada, perdendo grande parte da sua família: nunca deixa de fixar o seu olhar em algo belo e bom, em alguma pitada de humanidade que lhe permitiu continuar a viver e a ter esperança.
Ao descrever a vida no gueto depois de ter sido arrancada juntamente com os seus pais e irmãos da casa na aldeia rural onde vivia, Edith fala de um não judeu que dá de presente uma carroça cheia de mantimentos para ajudar os perseguidos. Ao falar do seu tempo de trabalho em Dachau a cavar trincheiras, recorda-se de um soldado alemão que lhe atira a sua marmita para lavar, “mas no fundo ele tinha deixado uma pouco de marmelada para mim”.
E enquanto descreve o seu trabalho nas cozinhas para os oficiais, aparece a figura do cozinheiro, que lhe perguntou qual era o seu nome e ao ouvir a resposta de Edith, com voz trémula, respondeu: “Tenho uma filha da sua idade”. Dizendo isto, “tirou um pente do bolso e olhando para a minha cabeça com os cabelos que estavam crescendo, deu-me de presente. Foi a sensação de encontrar um ser humano à minha frente, depois de tanto tempo. Fiquei comovida com aquele gesto que era vida e esperança.”
Alguns gestos são suficientes para salvar o mundo, conclui Edith Bruck, que agora recebeu em sua casa o bispo de Roma durante uma hora, como diz o comunicado do director da Sala de Imprensa da Santa Sé. No texto, Matteo Bruni escreve que a conversa “percorreu os momentos de luz constelados com a experiência do inferno dos campos de concentração e evocou os medos e esperanças para o tempo em que vivemos, enfatizando o valor da memória e o papel dos idosos no seu cultivo e na sua transmissão aos mais jovens”.
Ao despedir-se, o Papa disse a Edith Bruck: “Vim aqui para lhe agradecer pelo seu testemunho e para prestar homenagem ao povo mártir da loucura do populismo nazi. E com sinceridade lhe repito as palavras que proferi, do meu coração, no Yad Vashem [Memorial da Shoah, em Jerusalém] e que repito perante todas as pessoas que, como a senhora, sofreram tanto por causa disto: perdão Senhor, em nome da humanidade.”