Papa Francisco: 10 anos por periferias e margens

| 11 Mar 2023

O Papa Francisco numa das audiências na Praça de São Pedro, Vaticano, em 2022. Foto © Tony Neves.

O Papa Francisco numa das audiências na Praça de São Pedro, Vaticano, em 2022. Foto © Tony Neves.

 

Estou deslumbrado com estas Quedas do Iguaçu, a sentir-me ensopado pela humidade que toma conta deste ar, mas, sobretudo, estou a rever na memória o filme A Missão e a olhar para onde começa a Argentina do Papa Francisco. Este é um lugar Laudato Si’, cheio de Missão, um espaço simbólico ideal para fazer o balanço de dez anos proféticos deste Papa que nos anima e mobiliza como Igreja.

Lufada de ar fresco

Francisco chegou a Roma há dez anos com o passaporte de Jorge Bergoglio. E, quer queiramos quer não, está a fazer uma revolução imparável na Igreja, como tão bem mostra o livro de António Marujo e Joaquim Franco. Ninguém é igual a ninguém, mas Francisco dá toques de enorme originalidade. Nota-se uma lufada de ar fresco nos documentos pontifícios, nas escolhas de visitas, nas assembleias sinodais sobre a família, a Amazónia e os jovens, na ousada reforma da Cúria, nas entrevistas e outros escritos, nas linhas de combate aos abusos, na opção clara pelos migrantes, refugiados, perseguidos e outros descartados sem vez e sem voz, na sua visão sobre economia, política e sociedade contra a globalização da indiferença, nas opções de focagem pastoral, na valorização do ecumenismo e diálogo inter-religioso, na simplicidade e alegria do seu ser e atuar.

São dez anos de uma respiração eclesial diferente, com uma aposta clara na sinodalidade (como sinal de abertura à inspiração do Espírito) e no combate sem tréguas a tudo quanto desfigura o rosto da Igreja. Dá uma colaboração gigante na construção de uma Igreja credível, encurtando distâncias entre o dizer e o fazer. Está a provar ao mundo que a Igreja faz falta à humanidade, tentando acreditá-la dentro e fora de portas.

Viagens cirúrgicas

Paulo VI ousou sair de Itália, João Paulo II universalizou as viagens apostólicas, Bento XVI deu continuidade e o Papa Francisco já lá vai com 40 saídas ao encontro das periferias e das margens da história. As suas opções de voo dão corpo ao primeirear de que fala na Alegria do Evangelho, o seu primeiro programa de missão.

papa em encontro ecumenico durante a viagem ao bahrein Foto Vatican Media

O Papa em encontro ecuménico durante a viagem ao Bahrein. Foto © Vatican Media.

O diálogo e a fraternidade são os grandes caminhos universais para a paz e a justiça. Só assim se podem compreender viagens ao Bahrein, ao Cazaquistão, à Tailândia, ao Iraque, ao Japão, a Marrocos, aos Emiratos Árabes Unidos, a Myanmar, ao Bangladesh, ao Egipto, à Geórgia, ao Azerbaijão, ao Sri Lanka, à Terra Santa, à Turquia, bem como a última, à RD Congo e ao Sudão do Sul. Só mesmo a aposta no diálogo entre povos, culturas e religiões pode justificar tais visitas que mostram que, para o Papa Francisco, o mundo é um espaço sem fronteiras e a fraternidade é uma palavra-chave.

A força dos documentos pontifícios

O Papa Francisco tem ajudado o mundo e a Igreja e olhar para a Alegria do Evangelho, a Alegria do Amor, a Alegria da Ecologia, a Alegria das Bem-Aventuranças… Há uma convicção profunda de que sem justiça não há felicidade. 

A Alegria do Evangelho (2013) foi recebida, na Igreja e fora dela, como algo de muito original, se atendermos ao facto de ser um documento programático, como exortação apostólica que é. É nova nos conteúdos, nas focagens e no estilo. Põe a nu uma série de ladrões que é urgente combater! Diz: ‘Não deixemos que nos roubem a alegria da Evangelização (n.º 83); Não deixemos que nos roubem a esperança (n.º 86); Não deixemos que nos roubem a comunidade (n.º 92); Não deixemos que nos roubem o Evangelho (n.º 97); Não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno (n.º101); Não deixemos que nos roubem a força missionária (n.º 109)’. É preciso combater, de alma e coração, quem nos faz estes ‘assaltos’! ‘Primeirear’, ou seja, ‘tomar a iniciativa’ deve ser uma das imagens de marca dos missionários hoje (n.º24). Nós somos convidados por Francisco (e, antes dele, por Cristo) a sermos “Igreja em saída”, na rua, a partilhar a sorte a má sorte de todos, sobretudo dos pobres, mesmo sujando as mãos (n.º 20).

O Papa Francisco na das cerimónia de beatificação do Papa João Paulo I, na Praça de São Pedro, Vaticano, em 4 de setembro de 2022. Foto © Tony Neves.

O Papa Francisco na das cerimónia de beatificação do Papa João Paulo I, na Praça de São Pedro, Vaticano, em 4 de setembro de 2022. Foto © Tony Neves.

 

Ecologia Integral e Fraternidade Universal

Na Laudato Si’ (2015), documento social do Papa Francisco, é apresentado o conceito de ‘ecologia integral’, pois há que amar os pobres e respeitar a natureza, a nossa casa comum. Tudo está interligado, estamos na mesma barca a enfrentar a mesma tempestade e, ou nos salvamos juntos, ou morremos todos afogados. O filme A Carta, recentemente realizado, mostra os efeitos dramáticos das alterações climáticas na vidas dos mais pobres e faz um apelo a uma conversão ecológica global, combatendo a poluição, ajudando os mais frágeis e escolhendo um estilo de vida mais simples e mais fraterno.

A Fratelli Tutti (2020) resulta da convicção profunda do Papa Francisco da importância decisiva da Fraternidade Humana, depois de ter assinado o documento de Abu Dhabi. 

O futuro no planeta jovem

Vindo dum continente muito jovem, mas onde os jovens têm o futuro seriamente comprometido, é normal a sua opção clara pelas novas gerações. Na Jornada Mundial da Juventude 2016 (Cracóvia), o Papa pediu aos jovens que abandonassem o comodismo fácil do sofá. Disse: “Este tempo aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar para suplentes. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca.”

Em Lisboa, a JMJ pretende ser a mais ecológica de sempre e, para tal, existe o simbólico gabinete ‘Diálogo/Proximidade’, com o objetivo claro de ajudar toda a organização a assegurar que a JMJ aplica os valores gravados na Laudato Si’ e na Fratelli Tutti.

Gestos que apontam para o futuro

Papa Francisco, durante a Oração pela Humanidade, na Praça de São Pedro.

Papa Francisco, durante a Oração pela Humanidade, na Praça de São Pedro. Foto da transmissão vídeo.

Viver em Santa Marta, lavar os pés a reclusas, deslocar-se num carro simples, rezar sozinho à chuva pelo fim da pandemia, fazer a primeira viagem a Lampedusa para chorar aqueles por quem ninguém chora, beijar os pés dos líderes desavindos do Sudão do Sul, deixar-se entrevistar, aprofundar os encontros de Assis, gritar que a guerra é sempre uma derrota para a humanidade, apostar numa educação e numa economia que não matem, chorar na oração pelas vítimas na Ucrânia… fazem dele um homem sem medo de expor o peito às balas, vindas de fora ou de dentro da Igreja.

O futuro da Igreja e da humanidade está na sinodalidade, este caminhar juntos, em atitude de escuta e diálogo aberto, na mesma direção, empurrados e inspirados pelo Espírito Santo que sopra quando quer, como quer e onde quer. Por isso, todos os tempos, lugares e pessoas são decisivos para a construção do mundo e da Igreja do amanhã.

Tony Neves é padre católico e trabalha em Roma como assistente geral dos Missionários do Espírito Santo (CSSp, Espiritanos), congregação de que é membro.

 

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Em Lisboa

Servas de N. Sra. de Fátima dinamizam “Conversas JMJ”

O Luiza Andaluz Centro de Conhecimento, ligado á congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima, acolhe na próxima quinta-feira, 30 de março, a primeira de três sessões do ciclo de “Conversas JMJ”. Esta primeira conversa, que decorrerá na Casa de São Mamede, em Lisboa, pelas 21h30, tem como título “Maria – mulheres de hoje” e será dedicada ao papel da mulher na sociedade atual.

Entre o argueiro e a trave

Entre o argueiro e a trave novidade

E o Papa Francisco tem sido muito claro ao dizer-nos que as situações graves não podem ser tratadas de ânimo leve. “Nunca serão suficientes as nossas palavras de arrependimento e consolação para as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja. (Opinião de Guilherme d’Oliveira Martins).

ONU pede veto da lei contra homossexuais no Uganda, Igreja em silêncio

Prevista pena de morte

ONU pede veto da lei contra homossexuais no Uganda, Igreja em silêncio

Uma nova legislação aprovada pelo Parlamento ugandês esta semana prevê penas de até 20 anos de prisão para quem apoie “atividades homossexuais” e pena de morte caso haja abusos de crianças ou pessoas vulneráveis associados à homossexualidade. O alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, já pediu ao presidente do país africano que não promulgue esta “nova lei draconiana”, mas os bispos do país, católicos e anglicanos, permanecem em silêncio.

Corpo Nacional de Escutas suspende alegado abusador de menores

Após reunião com Comissão Independente

Corpo Nacional de Escutas suspende alegado abusador de menores

O Corpo Nacional de Escutas (CNE) suspendeu preventivamente um elemento suspeito da prática de abusos sexuais de menores, depois de ter recebido da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica a informação de sete situações de alegados abusos que não eram do conhecimento da organização. Em comunicado divulgado esta sexta-feira, 24 de março, o CNE adianta que “está atualmente a decorrer o processo interno de averiguação, para decisão em sede de processo disciplinar e outras medidas consideradas pertinentes”.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This