
“Rejeitemos a lógica das armas e invertamos o rumo”, pediu o Papa no primeiro discurso da viagem ao Bahrein. Foto © Vatican Media.
Já começou aquela que promete ser “uma viagem interessante”, e da qual podem surgir “boas notícias”. As palavras são do Papa aos jornalistas que o acompanharam no voo de cinco horas até ao Bahrein. À chegada, e apesar do problema no joelho, Francisco não descansou. Empenhado em tornar a sua previsão realidade, aproveitou aquele que foi o primeiro discurso da sua 39ª viagem apostólica para lançar um forte apelo ao fim da guerra, ao cuidado com a casa comum, à abolição da pena de morte, e ainda à defesa da liberdade religiosa e da igualdade para todos.
O avião pousou em Awali, no centro do reino do Bahrein, às 16h36 locais (mais três horas que em Portugal). Depois de um breve encontro privado com a família Real e de saudar o Grande Imã de Al Azhar, Francisco rumou ao Palácio Real Sakhir, onde proferiu a sua primeira alocução. Os dias que irá passar no Bahrein, começou por explicar, “marcam uma etapa preciosa no percurso de amizade que tem vindo a intensificar-se, nos últimos anos, com vários líderes religiosos islâmicos: um caminho fraterno que, sob o olhar do Céu, quer favorecer a paz na Terra”.
Apesar desse percurso, “assistimos, preocupados, ao crescimento em larga escala da indiferença e da suspeição mútua, à extensão de rivalidades e contraposições que se esperavam superadas, a populismos, extremismos e imperialismos que põem em perigo a segurança de todos”, alertou Francisco, para logo a seguir lançar um pedido: “rejeitemos a lógica das armas e invertamos o rumo, transformando as enormes despesas militares em investimentos para combater a fome, a falta de cuidados da saúde e da educação”.
Neste que é o seu regresso à Península Arábica, após a visita de 2019 a Abu Dhabi, o Papa dirigiu “um pensamento especial e sentido ao Iémen, martirizado por uma guerra esquecida que, como qualquer guerra, não leva a nenhuma vitória, mas apenas a amargas derrotas para todos”.
“Tenho no coração a tristeza por tantas situações de conflito”, confidenciou, implorando: “Calem-se as armas, comprometamo-nos por toda a parte e de verdade em prol da paz!”.
Garantir “antes de tudo o direito à vida”
Perante as autoridades, representantes da sociedade civil e o corpo diplomático, Francisco pediu depois outro compromisso, desta feita em relação à “questão ambiental”. “Quantos ecossistemas devastados, quantos mares poluídos pela ganância insaciável do homem, cuja conta se deve pagar depois! Não nos cansemos de trabalhar em prol desta dramática pendência, realizando opções concretas e previdentes, pensando nas gerações mais jovens, antes que seja demasiado tarde e se comprometa o seu futuro”, apelou.
E, recordando que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 27) terá lugar “dentro de poucos dias”, pediu que esta “constitua um passo em frente no referido sentido”.
Na sua alocução, Francisco deixou ainda votos de que a liberdade religiosa, reconhecida no Bahrein, “se torne plena, não se limitando à liberdade de culto”, e que a “igual dignidade e paridade de oportunidades sejam reconhecidas concretamente a todo o grupo e a toda a pessoa”. Elogiando a tradição de tolerância no país, o Papa citou a constituição do mesmo, que proíbe a discriminação com base na religião, como um compromisso declarado que precisa de ser colocado em prática.
Depois, numa alusão clara à pena de morte, Francisco disse que o governo deve garantir antes de tudo o direito à vida, “incluindo para aqueles que estão a ser punidos, cujas vidas não devem ser tiradas”.
O Instituto de Direitos e Democracia do Bahrein e a Human Rights Watch documentaram um “aumento dramático” no número de sentenças de morte proferidas desde 2011 no país, com 26 pessoas atualmente no corredor da morte, metade por atividades políticas. De acordo com aquelas organizações, alguns foram condenados após “julgamentos manifestamente injustos baseados única ou principalmente em confissões supostamente coagidas por meio de tortura e maus-tratos”.
No período que antecedeu a visita, o grupo de direitos do Bahrein divulgou uma carta de parentes de alguns desses presos no corredor da morte, implorando a Francisco para levantar a questão e visitar a prisão de Jau, onde se encontram muitos detidos políticos. A visita não está no programa, mas a questão já foi levantada.
“Demasiado trabalho desumano”

Assinalando que o Reino do Bahrein regista uma das taxas de imigração mais elevadas do mundo e onde “metade da população residente é estrangeira”, trabalhando para o progresso do país, Francisco lembrou também que “nos nossos dias, há ainda muita falta de trabalho e demasiado trabalho desumano: isto acarreta não só graves riscos de instabilidade social, mas representa um atentado à dignidade humana”.
O Papa instou depois o Bahrein a continuar a ser um “farol na promoção em toda a área dos direitos e condições melhores para os trabalhadores, as mulheres e os jovens, garantindo ao mesmo tempo respeito e solicitude por quantos se sentem mais à margem da sociedade, como os emigrantes e os reclusos”, até porque “o desenvolvimento verdadeiro, humano, integral mede-se sobretudo pela atenção que lhes é prestada”, sublinhou.
Em suma e inspirado por um dos símbolos do país, a árvore da vida (“uma majestosa acácia, que, há séculos, sobrevive numa zona deserta, onde a chuva é muito escassa”), Francisco convidou todos a distribuir, “nos desertos áridos da convivência humana, a água da fraternidade”. “Não deixemos evaporar-se a possibilidade do encontro entre civilizações, religiões e culturas, não permitamos que sequem as raízes do humano!”, insistiu.
Cordial, mas sem fugir a algumas das questões sociais mais prementes no mundo e particularmente controversas no Bahrein, o Papa mostrou-se totalmente disponível para continuar o percurso de amizade que o levou até ali: “Trabalhemos juntos, trabalhemos em prol do todo, em prol da esperança! Estou aqui, na terra da árvore da vida, como semeador de paz, para viver dias de encontro”,
Um programa preenchido
A agenda para esta sexta-feira, 4 de novembro, inicia-se às 10h00 locais (07h00 em Lisboa), com a participação do Papa na conclusão do “Fórum do Bahrein para o Diálogo: Oriente e Ocidente para a Coexistência Humana”, onde irá proferir o seu segundo discurso.
Francisco terá depois um encontro privado com o Grande Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb, a partir das 16h00 locais, e em seguida uma reunião com os membros do Conselho dos Anciãos Muçulmanos (Muslim Council of Elders), às 16h30, na Mesquita do Sakhir Royal Palace.
O dia terminará com um encontro ecuménico e oração pela paz, na Catedral de Nossa Senhora da Arábia, a partir das 17h45 locais.
O programa completo pode ser consultado no site oficial da viagem apostólica, onde alguns dos momentos serão transmitidos em direto.