
Ciganos no Bairro dos Formarigos (Bragança): o Papa diz que é importante “omunicar encontrando as pessoas onde estão e como são.” Foto Catarina Marcelino, cedida pela autora.
É fundamental que o jornalismo que hoje se faz saia das redações e conte histórias que ajudem a compreender os fenómenos sociais mais graves e a destacar “as energias positivas que se geram nas bases da sociedade”. É esse o apelo do Papa Francisco na mensagem para o próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, divulgada neste sábado, 23, véspera do dia litúrgico de São Francisco de Sales, padroeiro dos jornalistas.
“Ir e ver” é o tema deste ano, inspirado no início do evangelho segundo João, em que se conta o modo como alguns discípulos encontraram Jesus. O tema é explicado no subtítulo: “Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são.”
Dirigindo-se a diferentes formas de expressão comunicativa, o Papa começa por focar o jornalismo e os media, hoje. Denuncia o risco de um nivelamento de jornais e noticiários de televisão, rádio e websites que são substancialmente iguais uns aos outros; lamenta a perda de espaço e qualidade de géneros como a entrevista e a reportagem perante uma informação pré-fabricada, “oficial”, autorreferencial, que “cada vez menos consegue captar a verdade das coisas e a vida concreta das pessoas, e já não é capaz de individuar os fenómenos sociais mais graves nem as energias positivas que se libertam da base da sociedade”.
A mensagem refere-se, depois, à “crise editorial” que, cada vez mais, conduz àquilo que se costuma chamar o jornalismo sentado, ou seja, que não vai para o terreno. Este fenómeno, alerta Francisco, “corre o risco de levar a uma informação construída nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem ‘gastar a sola dos sapatos’, sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações”.
Estas tendências não impedem o reconhecimento da dignidade do jornalismo que “requer a capacidade de ir onde mais ninguém vai: mover-se com desejo de ver”. E levam o Papa Francisco a “agradecer a coragem e determinação de tantos profissionais (jornalistas, operadores de câmara, editores, cineastas que trabalham muitas vezes sob grandes riscos)”, nomeadamente quando dão a conhecer “a difícil condição das minorias perseguidas em várias partes do mundo”, “abusos e injustiças contra os pobres e contra a criação”, “muitas guerras esquecidas”. E conclui: “seria uma perda não só para a informação, mas também para toda a sociedade e para a democracia, se faltassem estas vozes: um empobrecimento para a nossa humanidade”.
Relativamente à internet, Francisco reconhece que “pode multiplicar a capacidade de relato e partilha: muitos mais olhos abertos sobre o mundo, um fluxo contínuo de imagens e testemunhos”. “Entretanto – adianta – foram-se tornando evidentes, para todos, os riscos duma comunicação social não verificável” e com notícias e imagens facilmente manipuláveis. A consciência crítica “impele-nos, não a demonizar o instrumento, mas a uma maior capacidade de discernimento e a um sentido de responsabilidade mais maduro, seja quando se difundem seja quando se recebem conteúdos”.
A pandemia de covid 19 é um desafio da atualidade e um convite a ‘ir e ver’. Porém, alerta a mensagem, “há o risco de narrar a pandemia ou qualquer outra crise só com os olhos do mundo mais rico, de manter uma ‘dupla contabilidade’”. Um exemplo que dá é o das vacinas e dos cuidados médicos em geral: “Quem nos contará a expetativa de cura nas aldeias mais pobres da Ásia, América Latina e África?”, pergunta.
Francisco chama ainda a atenção de todos, em particular dos crentes, para dimensões da comunicação que são, por vezes pouco valorizadas e que surgem de forma eloquente na vida e testemunho de Jesus: “Aos primeiros discípulos que querem conhecer Jesus, depois do seu Batismo no rio Jordão, Ele responde: ‘Vinde e vereis’, convidando-os a permanecer em relação com Ele”. Assim, a verdade da pregação de Jesus, mas sobretudo “a eficácia daquilo que dizia, [que] era inseparável do seu olhar, das suas atitudes e até dos seus silêncios” permitem compreender “o intenso fascínio de Jesus sobre quem O encontrava”. “A palavra só é eficaz, se se ‘vê’, se te envolve numa experiência, num diálogo”, acrescenta o documento.
Por tudo isto é que o Papa sublinha uma mensagem na qual tem vindo a insistir e a pôr em prática no seu pontificado: “Na comunicação, nada pode jamais substituir, de todo, o ver pessoalmente. Algumas coisas só se podem aprender, experimentando-as. Na verdade, não se comunica só com as palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos”.
O texto papal termina com uma oração que resume a mensagem:
Senhor, ensinai-nos a sair de nós mesmos,
e partir à procura da verdade.
Ensinai-nos a ir e ver,
ensinai-nos a ouvir,
a não cultivar preconceitos,
a não tirar conclusões precipitadas.
Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém,
a reservar tempo para compreender,
a prestar atenção ao essencial,
a não nos distrairmos com o supérfluo,
a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade.
Concedei-nos a graça de reconhecer as vossas moradas no mundo
e a honestidade de contar o que vimos.