
Sé de Setúbal. Foto © Diocese de Setúbal.
Quem é cristão católico e tem consciência da verdadeira missão da Igreja, não deixa de reconhecer que por ação do Espírito Santo, discernida com inteligência e sabedoria pelo Papa Francisco que a acolheu, e com lúcida coragem, incentivou toda a Igreja Católica, com igual discernimento e sem qualquer receio, a fazer uma revisão de vida em ordem à refontalização de aspetos fundamentais da sua forma de estar no mundo de hoje.
Para que não se perca o tempo, já irremediavelmente perdido, o Papa tem pedido, insistentemente, que ninguém se dispense nem seja excluído deste processo de avaliação do que está a acontecer na Igreja para que se saiba se está a ser fiel ao mandato que recebeu de Jesus Cristo. Que sejam também apresentadas propostas transformadoras, em sintonia com o Evangelho e o pensamento social cristão, para que a Igreja, com coragem, e sem outras motivações ideológicas que possam estar até em contradição com o essencial do cristianismo, assuma a sua primordial missão. Ela é a de levar a felicitante Boa Notícia de que Deus é Amor e que a todas e a todos ama, sem exceção alguma, e no amor de uns para com os outros, particularmente os “mais pequeninos”, esse amor seja bem visível. Para isso é preciso ter a plena convicção de que ser cristão católico não é apenas, nem sobretudo, pertencer a uma religião, mas seguir, sem hesitações de qualquer ordem, a pessoa de Jesus Cristo, na sua dimensão humana e divina. Seguir Jesus Cristo é, mesmo com as nossas contingências humanas, procurar proceder como Ele.
Os participantes no Concílio Vaticano II [1962-65], influenciados pela presença do Espírito Santo, procuraram, em grande parte, fazer com que o seguimento de Jesus fosse aplicável com uma leitura permanente dos sinais dos tempos. Encontro uma síntese dessa preocupação numa das mais referidas, mas não ainda assumida por todas e por todos os as católicas e católicos, na seguinte afirmação: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.” E ao mesmo tempo, esse seguimento deve reconhecer, sem quaisquer tipos de dúvidas, que a Igreja “é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.” Se a Igreja não se reconhecer assim, não serve para nada.
Confesso que, no processo sinodal em curso, estou na posição de um otimista realista. Temo que as transformações mais urgentes não cheguem a acontecer, bem como que haja filtrações, por parte das comissões diocesanas, aos contributos dados pelos que aderiram ao desafio de Francisco. Receio, ainda, que se Francisco vier a acolher as propostas, ou pelo menos algumas, que saírem do Sínodo, possam enfrentar resistências a vários níveis. Porém, estou já a ter alguns laivos de menos pessimismo, dada a maravilhosa experiência que estou a viver, ao ter optado por fazer a minha caminhada sinodal com um grupo constituído, essencialmente, por não-crentes. Outro motivo ainda mais impulsionador foi conhecer as conclusões que resultaram da reflexão dos diocesanos de Setúbal. Não esperava que fossem levantadas questões tão pertinentes e algumas bastante controversas. Felicito a comissão diocesana, que teve a responsabilidade de fazer tão competente síntese das reflexões efetuadas, pela integridade demonstrada na isenção que é nítida no corajoso acolhimento de todos os contributos.
Acredito que o mesmo está a acontecer com as restantes dioceses. Caso contrário, o trabalho das mesmas não passará de um embuste.
Nenhuma comissão diocesana está no direito de roubar a esperança aos que querem uma Igreja mais inclusiva e em permanente saída.
Eugénio Fonseca é presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado.