Paraísos fiscais roubam-nos o futuro e devem acabar já, pedem os jovens d’A Economia de Francisco

| 22 Nov 2020

A carta-compromisso, o discurso do Papa, as intervenções de diferentes convidados ou os testemunhos do que os jovens andam a fazer pelo mundo coincidem: este modelo económico e financeiro não serve, é preciso refazer (quase) tudo. Na carta-compromisso final do encontro A Economia de Francesco, que terminou sábado após três dias de debates em Assis e atravéws de vídeo, várias dessas ideias ficaram expressas. “Pedimos muito, mas se pedíssemos menos não seria suficiente”, dizem os dois mil participantes. 

 

O encontro A Economia de Francesco (o nome foi mantido em italiano, pela referência a Francisco de Assis, que servia de inspiração à iniciativa) terminou neste sábado, 21 de Novembro, com uma carta-compromisso que defende o direito ao trabalho digno, respeito pelos pobres, investimento na educação, apoio à sustentabilidade, igualdade de oportunidades e o fim de paraísos fiscais.

“Sejam imediatamente abolidos os paraísos fiscais no mundo inteiro porque esse dinheiro é subtraído do nosso presente e futuro, e porque um novo pacto fiscal será a primeira resposta a um mundo pós-covid”, afirmaram os participantes, no encontro através de videoconferência, que teve a pandemia como pano de fundo.

No documento, os mais de dois mil participantes de 120 países, incluindo Portugal, manifestam acreditar que a transparência de “instituições financeiras mundiais” e a refundação de outras já existentes como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional podem “ajudar o mundo a erguer-se das pobrezas e do desequilíbrio provocados pela pandemia”.

A maior parte dos jovens participou através de ligações vídeo, mas o centro da actividade foi Asssi (centro de Itália), onde a iniciativa deveria ter decorrido em Março – a pandemia obrigou ao seu adiamento.

Os jovens pedem que as empresas e os bancos, grandes e globalizados, “possam ter um comité ético independente no seu governo”. E estes economistas, empresários, empreendedores e estudantes com menos de 35 anos querem ainda “que a pegada ecológica” seja diminuída e que todos possam “partilhar as mais avançadas tecnologias”.

“A custódia dos bens comuns, em especial os globais, como a atmosfera, a floresta, oceanos, a terra, recursos naturais, todos os ecossistemas, a biodiversidade e as sementes” devem ser temas colocados no centro da acção de governos, no ensino das escolas e cursos de economia”, diz o texto final.

Os jovens pedem ainda que se ponha fim ao descarte dos mais pobres, doentes, minorias e desfavorecidos. “A pobreza não é maldição mas infortúnio, e é responsabilidade de quem não é pobre”, afirmam os jovens, que exigem também o direito ao trabalho digno, o respeito dos direitos humanos “na vida de cada empresa e na vida de cada trabalhador”, políticas sociais em cada país e o fim da “exploração de crianças e adolescentes”.

Investimento na educação, igualdade de oportunidades e de género e a afirmação de que um mundo sem guerra é possível são outros apelos do documento final: “Queremos dizer aos nossos filhos que o mundo em guerra acabou para sempre. Que não se subtraiam recursos às escolas e à saúde para construir armas e destinados a guerras.” (nesta ligação, a versão integral do documento em inglês).

Numa outra afirmação que faz recordar um dos slogans do Maio de 1968 em França, diz que o “nosso tempo é difícil, [mas] há que pensar no impossível”. “Pedimos muito, mas se pedíssemos menos, não seria o suficiente”, diz o texto.

 

“Uma narrativa diferente é urgentemente necessária”, diz o Papa

No seu discurso de encerramento dirigido aos jovens, o Papa Francisco – que convocara o encontro –, disse também que “uma narrativa económica diferente é urgentemente necessária, é urgente reconhecer com responsabilidade o facto de o sistema mundial actual ser insustentável, de diferentes pontos de vista”. É preciso um “pacto de Assis”, que encoraje e estimule “modelos de desenvolvimento, progresso e sustentabilidade” que envolvam as pessoas, “especialmente os excluídos”, afirmou.

Este encontro, disse, não é uma meta, “mas o pontapé inicial de um processo que somos chamados a viver como vocação, como cultura e como pacto”, referiu Francisco. Para daqui a um ano, em Assis, está previsto um encontro presencial, se a pandemia o permitir.

“Não estamos condenados a modelos económicos que centrem o seu interesse imediato no lucro, como unidade de medida, e na busca de políticas públicas semelhantes que ignorem os seus próprios custos humanos, sociais e ambientais”, afirmou o Papa, que desafiou ainda os jovens a serem uma presença concreta nas “cidades e universidades, no trabalho e nos sindicatos, nas empresas e nos movimentos, nos cargos públicos e privados, com inteligência, empenho e convicção”.

“A gravidade da situação atual, que a pandemia de covid trouxe ainda mais à tona, exige uma consciência responsável de todos os actores sociais, de todos nós, entre os quais vocês têm um papel primordial”, acrescentou, dirigindo-se aos jovens participantes. O Papa defendeu ao mesmo tempo uma “nova cultura”, com “mudanças nos estilos de vida, nos modelos de produção e consumo, nas estruturas consolidadas de poder que governam hoje as sociedades”.

“A crise social e económica, que muitos sofrem na própria carne e que está a hipotecar o presente e o futuro, com o abandono e a exclusão de tantas crianças e adolescentes e famílias inteiras, não nos permite privilegiar interesses sectoriais em detrimento do bem comum”, afirmou, pedindo que os pobres se tornem “protagonistas das suas vidas e de todo o tecido social” na definição de “novas políticas”.

O Papa pediu que a política e a economia se coloquem “decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana”, gerando um modelo de solidariedade internacional, que “reconheça e respeite a interdependência entre as nações”.

(o texto do Papa está transcrito em espanhol na página do Vaticano; a seguir, o vídeo com o discurso do Papa, em italiano:)

 

Quem ganha com a vacina? E que fazem os bancos com o nosso dinheiro?

Sexta-feira, no segundo dia de trabalhos, já Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz, criticara vivamente o actual sistema económico, baseado na procura do lucro. E perguntou mesmo qual será o objectivo dos laboratórios que estão a pesquisar vacinas para a covid: estão mais preocupadas com os ganhos ou a saúde pública? E os governos dos países mais ricos, disse, não fogem à crítica: estão a comprar mais vacinas do que as que necessitam, impossibilitando que os mais pobres tenham também acesso a elas.

O criador do microcrédito lembrou também a responsabilidade de cada pessoa na forma como o sistema financeiro aplica o dinheiro, perguntando aos bancos que recebem as nossas poupanças onde é que aplicam o dinheiro e exigindo investimentos responsáveis – que não incluam indústrias de armamento, baseadas em combustíveis fósseis ou trabalho sem direitos, por exemplo. (Nesta ligação, o vídeo com toda a sessão do segundo dia; a intervenção de Yunus encontra-se a partir da 1h03’40”.)

O economista referiu também o papel do microcrédito: “Se os bancos emprestam aos ricos, nós emprestamos aos pobres; se vão às cidades, nós vamos às aldeias; se vão aos homens, nós vamos às mulheres”. Uma atitude que, como recordava o padre jesuíta Afonso Espregueira no Ponto SJ, já os franciscanos desenvolveram no século XV, ao criar os Montes Pios, mutualidades da época, para quem não tinha acesso a crédito comum.

 

Filosofia económica actual: “O resto do mundo pode cair”, critica John Perkins

Grafite numa rua de Valência (Espanha) alusivo aos pobres. Foto Joanbanjo/Wikimedia Commons

 

Já na sessão de sábado, Kate Raworth, economista da Universidade de Oxford, referiu que as sucessivas crises que o mundo tem vivido são resultado de crises humanas “das finanças, da exploração dos recursos e da expansão da humanidade” até à criação de “um vírus que causou uma pandemia global”.

“É importante garantir a prioridades das pessoas, mas dentro dos limites planetários. O desafio é que estamos muito distantes do equilíbrio”, apontou.

Partindo dos exemplos do Ruanda, Brasil e EUA afirmou: “Os países não vivem realidade separadas, mas interligadas entre si. A história mostra que os países exploradores poluíram e exploraram outros países e os excluiriam de atingir o bem-estar, com dívidas e regras comerciais que extrapolaram esses recursos, com o impacto das alterações climáticas. São os países de baixa renda que pagam isso.” (Nesta ligação, o vídeo com os trabalhos do terceiro dia.)

Tocando em questões que Yunus também referira na véspera, o activista e consultor John Perkins verificou: “Maximizamos lucros e o consumo das pessoas. O resto do mundo pode cair – é a filosofia do que acontece agora: a destruição do meio ambiente com a criação de produtos que destroem. O coronavírus surge nesse contexto”, assinalou.

Nas múltiplas intervenções de jovens, houve vários exemplos de acção e sensibilização para as questões ambientais ligadas à economia: entre eles, Lili, uma adolescente tailandesa, contou como tem tentado sensibilizar os governantes para reduzir o uso de plástico; e três estudantes de um colégio de Milão fizeram um estudo entre os 400 colegas para sensibilizar para o gasto de água (a cidade é a segunda da Europa com maior consumo de água).

Em Portugal, as cinco dezenas de participantes no encontro global assumiram, entretanto, a intenção de “criar comunidades” para dar continuidade à iniciativa.

 

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