Renovar a reflexão doutrinal sobre a sexualidade, a homossexualidade e o divórcio, reduzir o clericalismo e aumentar a participação dos fiéis, propõe o documento sinodal da Paróquia de Santa Isabel, em Lisboa, em resposta à maior auscultação alguma vez feita à escala planetária, lançada pelo Papa Francisco, para preparar a assembleia do Sínodo dos Bispos de 2023. Esse coro imenso de vozes não pode ser silenciado, reduzido, esquecido, maltratado. O Espírito sopra onde quer e os contributos dos grupos que se formaram para ouvir o que o Espírito lhes quis dizer são o fruto maduro da sinodalidade. O 7MARGENS publica alguns desses contributos, estando aberto a considerar a publicação de outros que queiram enviar-nos.

Fiéis da paróquia de Santa Isabel, querem uma igreja menos clericalizada. Foto © GualdimG
Qual a visão actual da Igreja que resulta da reflexão sinodal realizada?
Aspetos negativos: clericalismo, peso da hierarquia, hipocrisia, incoerência, ostentação. Poucos processos de escuta/desafios à participação dos batizados, particularmente das mulheres. Poucas ferramentas de comunicação, linguagem pouco clara e desadequada aos dias de hoje. Não acompanha a realidade dos cidadãos (homossexuais, recasados católicos), pouca abertura para discutir questões da sexualidade. Não acolhe como poderia os pobres e os doentes.
Aspetos positivos: Espaço de acolhimento e espiritualidade, conforto e escuta da Palavra, transmissão de valores e missão. Comunidade (única) que une pessoas com diversas idades, origens e classes sociais. Papel social e histórico relevante.
Quais as áreas em que a Igreja necessita de conversão?
Mais abertura: Igreja com tempo e espaço para todos.
Melhor acolhimento: tornar fácil a aproximação à Igreja, permitindo que cristãos e cidadãos saibam onde ir e quem contactar para ter acesso aos serviços, grupos e atividades de cada paróquia. Maior informalidade na relação com os padres.
Fomentar a participação: desafiar os cristãos a terem um papel ativo através da criação de grupos paroquiais.
Renovação da doutrina, da linguagem e da celebração da fé: sobre os recasados, a sexualidade, os homossexuais, ou o papel das mulheres na Igreja. Adaptar a linguagem litúrgica (tornando-a mais compreensível) e adaptar as celebrações aos participantes (jovens, famílias, pessoas mais velhas).
Propostas de mudança para a Paróquia que merecem maior destaque:
Melhorar a comunicação através de recursos digitais com informação atualizada sobre a paróquia, pois isso irá permitir que mais paroquianos participem nas atividades da igreja.
Realizar encontros sobre temas propostos pelos paroquianos (incluindo os jovens) organizados em conjunto pela paróquia e outras entidades ou pessoas.
Maior participação dos fiéis nas celebrações eucarísticas. Maior participação e responsabilização dos paroquianos nas decisões da paróquia.
Propostas de mudança para a Igreja diocesana que merecem maior destaque:
Abertura ao mundo. Acolhimento personalizado e caloroso. Participação dos leigos em tarefas necessárias à comunidade. Melhorar e modernizar a comunicação. Maior responsabilização:
instituir assembleias paroquiais sobre as prioridades pastorais das comunidades. Renovar a linguagem e a celebração da fé: melhorar os aspetos estéticos dos espaços eclesiais e a beleza dos atos litúrgicos; promover a participação dos fiéis nas celebrações eucarísticas; diferenciar as celebrações conforme os destinatários.
Propostas de mudança para a Igreja em geral:
Voltar ao essencial: escuta da Palavra de Jesus Cristo.
Menos ostentação, mais transparência. Menos clericalismo, maior participação dos batizados.
Prestar contas, combater a corrupção. Renovar a Doutrina, a linguagem e a celebração da fé.
Alterar as disposições que impedem os presbíteros de casar e as mulheres de aceder aos serviços e ministérios (ordenação). Renovar a reflexão doutrinal sobre a sexualidade, a homossexualidade e o divórcio. Reforçar a atenção para os desafios que o Papa Francisco tem feito sobre a Casa Comum e os descartados.
Outros pontos de vista relevantes:
Crentes apesar da Igreja: há pessoas que não se conseguem inserir numa comunidade, embora o desejem.
Importância dos marcos (batismo; 1a comunhão; funerais) no percurso de fé e vida.
A eucaristia não faz sentido sem as pessoas se conhecerem.
Pôr cobro à “teologia” baseada no temor do pecado.
O papel da Igreja na construção de comunidade na cidade, sem perder a sua identidade, articulada com outras instituições
A importância de ter dúvidas sobre a fé, a doutrina e poder exprimi-las.
Valorizar os grupos de jovens para colmatar o hiato que existe depois da catequese.
Importância do pequeno grupo como lugar de partilha da fé e da via
Importância do aprofundamento do conhecimento sobre a Bíblia.
Desconstruir a ideia da perfeição como requisito para ser cristão.
Permitir que as Igrejas estejam abertas mais tempo.
Impacto negativo da corrupção no Vaticano e da pedofilia na igreja.
Houve também quem considerasse que está tudo bem, que a Igreja tem resistido e resistirá.
Apresentação dos resultados
Todos estes temas foram abordados: Como “caminhar juntos?”; Companheiros de Viagem; Ouvir; Tomar a palavra; Celebrar; Corresponsáveis na missão; Dialogar na Igreja e na Sociedade; Dialogar com as outras confissões cristãs; Autoridade e Participação; Discernir e decidir; Formação para a Sinodalidade.
O tema mais debatido foi “Dialogar na Igreja e na Sociedade” e o que criou maior tensão/discordância foi “Formação para a Sinodalidade”, enquanto o que gerou maior consenso foi “Discernir e decidir. O que deu origem a diversos pontos e vista foi “Tomar a palavra” e o que abriu novos caminhos de missão foi, naturalmente, o “Corresponsáveis na missão”.
Os aspetos mais positivos da reflexão: foi um processo de co-construção da equipa do Sínodo, que conduziu todo o processo; os processos de escuta foram discutidos com a comunidade, assim como os resultados das conversas e dos inquéritos; essa reflexão determinou o conteúdo do documento final; o tempo dedicado à Escuta em pequenos grupos, que permitiu compreender a necessidade que as pessoas têm de serem ouvidas e de fazer parte.
Os aspetos mais negativos da reflexão: o tempo muito limitado que tivemos para esta fase de escuta; o facto de não termos conseguido juntar tantos não crentes e não praticantes como crentes e praticantes; os temas propostos eram em demasia, pelo que a equipa se focou em Ouvir e Discernir e decidir, embora se tenham debatido todos os temas.
Breve caracterização da realidade eclesial e do processo sinodal
Paróquia da vigararia III de Lisboa: 5 missas, 3 padres, 25 leitores, 67 escuteiros, 63 catequistas e 400 crianças. Metade dos paroquianos vêm de fora da freguesia.
600 pessoas participam habitualmente nas missas dominicais.
Sete grupos criados propositadamente para o efeito estiveram envolvidos na reflexão sinodal que recebeu contributos de mais de 500 pessoas, sobretudo da faixa etária entre os 41 e 50 anos, seguida dos que têm entre e os 61 e 70 anos
Foi lançado um inquérito e houve reuniões por zoom e presenciais (maioritariamente deste tipo)
O processo sinodal contou com a participação de pessoas que não desenvolvem uma missão específica na comunidade; batizados sem prática dominical; não crentes. A própria equipa dinamizadora da reflexão sinodal, composta por 5 elementos, incluía uma pessoa batizada não crente. A dinamização das conversas foi feita de forma a incluir as reflexões de pessoas crentes e não crentes, praticantes e não praticantes.
O processo sinodal promoveu uma conversa especificamente para jovens (dos 14 aos 21 anos) para a qual os jovens que frequentam a paróquia foram desafiados a levar um amigo não praticante ou não crente. Na catequese, as catequistas identificaram aquilo que os jovens gostam na Igreja e o que poderia mudar.
A divulgação do processo sinodal pode classificar-se como tendo sido boa, assim como a participação e o envolvimento da comunidade. A adesão ao método de discernimento espiritual foi boa e o entusiasmo dos participantes foi muito bom, mas a adesão da sociedade civil não superou o suficiente.
O desejo de continuidade do processo sinodal foi muito forte e o compromisso com a reflexão da comunidade pode classificar-se com forte. As maiores dificuldades de todo o processo foram congregar a comunidade em tempos de pandemia e conseguir a participação da comunidade não crente.