
“O vazio do olhar de pedra dos gigantes era para Bronowski a marca de uma civilização que não deu o passo do conhecimento racional.” Foto: Tongariki, Parque Nacional Rapa Nui, Ilha da Páscoa. © Voltamix / Wikimedia Commons
A Ilha de Páscoa é conhecida pelas estátuas de pedra gigantes que demonstram a presença de uma sociedade com cultura, mas as razões do seu desaparecimento permanecem um mistério. No seu livro A Escalada do Homem, o historiador da ciência Jacob Bronowski centra a questão fulcral na falta de diversidade destas estátuas, indicando que a sua repetição vazia está longe de demonstrar a vida desta sociedade como um paraíso sobre a Terra, como muitos pensavam. O vazio do olhar de pedra dos gigantes era para Bronowski a marca de uma civilização que não deu o passo do conhecimento racional. Por outro lado, o conhecido naturalista David Attenborough lê os eventos na ilha de Páscoa como a antevisão daquilo que nos acontecerá por causa dos nossos estilos de vida, e as consequentes alterações climáticas, mostrando um caminho insustentável que é necessário reverter. No livro O Início do Infinito, o físico David Deutsch propõe antes uma leitura que me parece mais próxima de uma explicação: uma sociedade estática que se apercebe dos seus erros, extingue-se se nada fizer para os corrigir. Pois, é na humildade em reconhecer o quão pouco sabemos diante dos erros que encontramos a motivação para conhecer melhor o mundo, inovando e progredindo. Algo que aponta para uma solução ao sistemático falhanço das COP [Conferência das Partes].
É verdade que as decisões políticas afectam a vida dos povos, mas o precedente aberto nas COP de que uma nação pode voltar atrás com os compromissos assumidos (como aconteceu com os Estados Unidos), leva a que as palavras pronunciadas desde então soem sempre a vazio, como o olhar de pedra dos gigantes da Ilha de Páscoa. O primeiro-ministro da Índia assumiu o compromisso na COP26 de trabalhar para que a sua nação atinja as emissões-zero em 2050. Que garantia têm os indianos de que o seu compromisso se mantém quando, seguramente, não será ele a governar durante todos esses anos? É triste, mas temo que a COP tenha perdido o seu valor no traçado dos destinos da vida social para que a humanidade siga uma trajectória diferente no seu comportamento, já que nada podemos fazer para evitar o Antropoceno como a época geológica em que nos encontramos, onde os seres humanos se tornaram donos do clima e da vida humana. E apesar desta noção de Antropoceno ter produzido mais impacte a partir dos anos 2000 com o prémio Nobel Paul Crutzen, a sua génese remota a 1922 com o padre jesuíta e paleontólogo Pierre Teilhard de Chardin.
Na sua obra-prima O Fenómeno Humano (que merecia re-edição em Portugal), Pierre Teilhard de Chardin explica a noção que havia introduzido em 1922 de noosfera, isto é, a esfera do pensamento humano, da consciência, como uma evolução da biosfera. Uma ideia demasiado avançada para o seu tempo. Depois, em 1925, o geo-químico Vladimir Vernadsky publica A Biosfera onde expressa como a vida (em geral) se tornou numa força geológica que altera a forma do nosso planeta. Mas só na sequência da sua interacção com o matemático francês Le Roy, tomou conhecimento da noção de noosfera de Teilhard de Chardin. Uma noção que serviu de base para a publicação, em 1945, de um artigo na American Scientist que levou à popularização do termo como uma combinação da biosfera com a cognição humana e que justificaria a acção humana como um força geológica da natureza. Porém, o mundo ocidental sentiu-se desconfortável com isso por colocar em questão o seu estilo de vida e em vez de reconhecer o antropoceno, avançou antes com a moderada noção de holoceno que significa “antes do presente”. Por isso, a ideia de antropoceno que, na verdade, se popularizou no mundo oriental antes da Guerra Fria, será retomada no mundo ocidental somente quase 50 anos depois. Porém, não deixa de ser curioso como a sua génese está na experiência do sagrado de um padre. Penso que seja significativo para compreender a evolução que se deveria dar às COP rumo a uma humanidade que desperta para uma vida mais ecológica.
Numa conferência em que participei, a economista Lorna Gold, que esteve na génese do Movimento Laudato Si’ disse: “Este é o tempo da fé.” A sua percepção é a de que as COP, com a confiança minada pela falta de compromisso produzem, hoje, um efeito residual. Apesar dos números que ouvimos de milhares de milhões de euros para dar corpo às propostas tecnológicas que pretendem manter o aumento da temperatura do globo abaixo dos 1.5ºC, tudo começa a soar a oco, repetindo-se o discurso de jovens como Greta Thunberg: “Vocês não fazem nada.” E, parcialmente, têm razão. As COP são importantes para dar visibilidade ao problema, mas falham na aproximação do problema à vida concreta das pessoas.

A fé nutre a vida das pessoas e une-as numa experiência espiritual comum. É uma realidade humana supra-nacional que nos leva a agir a partir do nosso interior. Daí que os nossos comportamentos sejam mais influenciados pela nossa experiência de fé do que pelas políticas que nos impõem e que, muitas vezes (como a da eutanásia), nos levam à “desobediência civil” de Henry David Thoreau. O que teria mais impacte sobre o que temos de mudar para cuidar do nosso relacionamento com a casa comum, e alterar o impacte nocivo do actual antropoceno, deviam deixar de ser os países (as “partes” das COP) e passar a ser as religiões: as COR – Conference Of Religions. E um vislumbrar sobre o sucesso disso está na iniciativa Faith Invest.
O Faith Invest promove as colaborações inter-religiosas que geram investimentos que pretendem beneficiar as pessoas e o planeta, juntando a necessidade com os valores da fé partilhados para dar um sentido sustentável a iniciativas de carácter económico. É um pouco diferente da Plataforma de Acção Laudato Si’ cujos planos incluem os de carácter económico, mas alargam-se a todas as pequenas iniciativas de alteração dos estilos de vida, da re-orientação da vida espiritual para abranger a família da criação como resposta concreta à ecologia integral subjacente à teologia da criação da Laudato Si’.
As pessoas poderão recear as clivagens provenientes da diferença patente nas experiências religiosas como entraves ao que os movimentos religiosos podem fazer para enfrentar o drama ecológico que começamos a sentir na pele. Mas esse diálogo já existe e, no dia 4 de outubro, num encontro de “Fé e Ciência: rumo à COP26”, o Papa Francisco caracteriza esse diálogo com três conceitos: “O olhar da interdependência e da partilha; o motor do amor e; a vocação ao respeito.” É mais forte aquilo que nos une do que o que nos divide. Porém, na Igreja Católica, a solução poderia ir mais longe.
Se existe uma ligação intrínseca entre a vida espiritual e o relacionamento com o ambiente, essa deveria estar presente na liturgia, na educação cristã, na acção social, na mobilidade humana, na saúde, na gestão dos bens da Igreja, na cultura, nas obras missionárias e na comunicação social da Igreja, mas não está… ainda. Como leigo sinto a necessidade de uma Pastoral da Ecologia Integral. É mais do que desejável, parece-me ser inevitável. Seria uma resposta à necessidade dos tempos modernos de fazer alguma coisa a partir da fé com um impacte que poderia fazer o que as nações não conseguem: mudar o clima exterior a partir da vida interior. Fica a ideia para o diálogo em âmbito de Igreja Sinodal.
Miguel Panão é professor no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra; para acompanhar o que escreve pode subscrever a Newsletter Escritos.