Partilho o pouco que conheci de Pedro Casaldáliga, nos anos que passei no Brasil. Guardo três linhas de memória: as vindas de Pedro ao nosso seminário em São Paulo, animando a Verbo Filmes na produção do filme Pé na Caminhada, e outros filmes; Pedro no programa ao vivo Roda Viva, durante duas horas, a 31/10/1988; Pedro relatando como foi a sua visita ad limina ao Vaticano, onde se sentiu humilhado.
Há uma palavra dele que muito me vem à memória:
“No final do Caminho me dirão:
-E tu viveste? Amaste?
E eu, sem dizer nada
Abrirei o coração cheio de nomes.”
Entendo que é uma palavra nascida das ameaças de morte que ele recebeu em cima da sua vida em defesa dos oprimidos e em nome dos assassinados pelos opressores que defendem o latifúndio e a marginalização.
Pediu para ser sepultado no cemitério Karajá, à beira do Rio Araguaia, local onde despejavam os corpos dos assassinados que resistiam à injustiça do roubo e da destruição da terra e dos povos.
E escreveu o epitáfio para a sua sepultura:
“Para descansar
Eu quero só
Esta cruz de pau
Com chuva e com sol
Estes sete palmos de terra
E a Ressurreição.”
Cito a pergunta de um jornalista que lhe foi feita no Roda Viva:
“Ricardo Kotscho: Pedro, você está falando muito em política. Eu queria fazer uma pergunta mais pessoal. Posso estar enganado, mas acho que você é uma das poucas pessoas que eu conheço que vão daqui direto para o céu quando chegar a hora. Eu queria saber: como é que você imagina encontrar esse céu? E quem você gostaria de encontrar lá?
Dom Pedro Casaldáliga: Você me fez uma pergunta que eu gostaria que me fizessem. Eu gostaria de encontrar no céu a todos, sem distinção…”
É um grande bem para a orientação da nossa vida, conhecer um santo vivo no meio de nós.
Pedro Casaldáliga soube renunciar à carcaça alienante das estruturas, para ser fiel ao Essencial: seguimento de Jesus no amor aos que mais precisam.
Consta que Pedro não usou nem mitra nem báculo nem solidéu. Usou chapéu sertanejo de palha. No dia marcado para assumir o serviço de bispo na diocese de São Félix, consta que chegou de ónibus como qualquer passageiro, e mal foi notado. Mas agora na hora de agarrar pontas, “na colheita do trigo” (cf. Mateus 13,30) neste “final do caminho” vemos o fruto do coração cheio de nomes e o nome dele em número incontável de corações, animados a seguir o Caminho: Jesus Cristo, Salvador, na fé dos cristãos.
Manuel de Araújo Abreu é padre católico e membro dos Missionários do Verbo Divino, actual reitor do seminário da congregação em Guimarães; trabalhou no Brasil em 1975-77, 1987-89 e 1992-93.