Cinema

Plantar uma árvore no mar

| 14 Out 2021

A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos

 

Comecemos então por aqui, por aquele barco no mar que leva uma planta e duas personagens. Apesar de Catarina Vasconcelos dizer (nas suas entrevistas) que não é crente, ao contrário da avó e do avô, são muitos os sinais e as memórias do que podíamos chamar uma linguagem evangélica. Ao ver aquele barco arrastado e a entrar no mar carregado com uma planta não pude deixar de pensar no incrível repto de Jesus, justamente a propósito da fé: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a essa amoreira: ‘Arranca-te daí e planta-te no mar’, e ela havia de obedecer-vos.” (Evangelho de Lucas 17,6).

Para não falar também da casa como que invadida pelas plantas, nascidas, diz um dos narradores, de todas as pequenas sementes que a mãe guardava pela casa e que, como o grão de trigo, morreram para se multiplicarem e fazerem vida nova.

A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos

Estou a tentar falar de um dos mais belos filmes que já pude ver, A Metamorfose dos Pássaros. Diria que é uma serena e belíssima meditação sobre a vida depois da morte, da vida de nós que continuamos a viver depois de nos morrerem aqueles que mais amámos: “Mas a mim interessa-me saber como lidamos com a morte, como continuamos.” É uma meditação encantada e encantadora sobre o sentido da vida que redescobrimos ou reencontramos nos pequenos gestos, pequenos objectos e sinais, fotografias, recantos, memórias, espelhos, entre o desfocado e o ampliado para se poder ver melhor. Tendo a casa como espaço e mesmo personagem central, porque lugar onde estão guardadas e gravadas as maiores vivências da família.

Ainda antes de acrescentar só mais alguma coisa sobre o filme, deixem-me fazer esta inconfidência: no dia em que o fui ver, por acaso, tinha estado de manhã a fazer uma pequena gravação para um vídeo-documentário sobre o poeta Daniel Faria, já falecido, mas que faria este ano cinquenta anos de vida. E mais do que uma vez, me lembrei de alguns dos seus poemas, pensava eu ‘condicionado’ por ter estado a falar dele. Mas, já depois, quando fui ler a entrevista da realizadora no Ípsilon/Público, de 8 de outubro, encontrei esta confissão: “À parte disto tudo, há um poeta, Daniel Faria… não tenho palavras para explicar o que sinto quando o leio, a relação com o transcendente, com o religioso. Não sou religiosa mas consigo relacionar-me com o não palpável.” Alguns versos de um seu poema: “As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões/ E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos… É à janela dos filhos que as mulheres respiram/ Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas/ Transformam-se em escadas// Muitas mulheres transformam-se em paisagens/ Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram/ Nos ramos… As mulheres aspiram para dentro/ E geram continuamente…”

A Metamorfose dos Pássaros é sobre o luto. No centro do filme e como sua fonte está a morte, a morte da avó – que a realizadora não conheceu e queria ter conhecido – e a morte da mãe – quando Catarina tinha apenas dezassete anos. Diz ela: “Eu tinha esta ideia de falar do luto, da morte de alguém, e realmente o luto é uma enorme aventura.” “A ideia de que quando se passa pela perda de alguém a vida continua mas ficamos num sítio, mulheres e homens estátua, uma parte de nós morre, e esse luto não é só a morte de uma pessoa exterior é também a morte do nosso interior, essa ideia do tableau vivant é uma ideia muito interior, de nos sentirmos fora de tempo. São as chaves do luto, da perda.”

A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos

 

“Jacinto – diz ela ainda na referida entrevista – é a junção dos nossos medos, das nossas saudades, de coisas que aconteceram e que não aconteceram, e das nossas mães”.

Voltemos à imagem inicial deste texto e deixemo-nos embarcar na consoladora aventura deste filme, feito de fragmentos de memórias – como quem constrói um puzzle – mais reais ou mais imaginadas, de amor e de ternura, do passado e do presente, de afectos e de saudades.

“O meu filme é uma tentativa de controlar coisas que são incontroláveis. É a tentativa de explicar uma coisa inexplicável: a morte. Acontece-nos. E temos de lidar com isso”, diz ainda a realizadora. Nunca mais esquecerei esta poética meditação sobre essa dor que nos dilacera. E tentarei recordar as histórias que são fonte de ressurreição.

“Trabalho a partir da existência da luz.” (Daniel Faria)

Manuel Mendes é padre católico e pároco de Esmoriz (Ovar).

A Metamorfose dos Pássaros, de Catarina Vasconcelos
Documentário, Biografia
M/12; POR, 2021, cores, 101 min.

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