Hoje, 19 de novembro, assinala-se o Dia Mundial dos Pobres, instituído há oito anos pelo Papa Francisco. Não é de somenos importância falar de pobres e não de pobreza. Estamos a falar de pessoas e não da pobreza enquanto objeto sociológico, universo de estudo económico ou estratégia de políticas públicas. Pessoas concretas: pais, mães, crianças, jovens, famílias, velhos abandonados à sua solidão, sem-abrigo… Talvez um nosso vizinho num bairro próximo. O mote para este sétimo Dia Mundial dos Pobres, “Nunca afastes de algum pobre o teu olhar”, convida-nos à proximidade, ao acolhimento, a olhar para a realidade do outro e colocarmo-nos no seu lugar, a olhar olhos nos olhos sem receios ou preconceitos. A frase é um combate à indiferença. Não basta delegar ou praticar uma caridade assistencialista, é necessário mudar transformando-nos. Como escreveu o Papa Francisco no ponto 4 da sua mensagem:
Vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto, enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza. Tende-se a ignorar tudo o que não se enquadre nos modelos de vida pensados sobretudo para as gerações mais jovens, que são as mais frágeis perante a mudança cultural em curso. Coloca-se entre parênteses aquilo que é desagradável e causa sofrimento, enquanto se exaltam as qualidades físicas como se fossem a meta principal a alcançar. A realidade virtual sobrepõe-se à vida real, e acontece cada vez mais facilmente confundirem-se os dois mundos. Os pobres tornam-se imagens que até podem comover por alguns momentos, mas quando os encontramos em carne e osso pela estrada, sobrevêm o fastídio e a marginalização. A pressa, companheira diária da vida, impede de parar, socorrer e cuidar do outro. A parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar a outros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão.
O 7MARGENS por diversas vezes tem chamado a atenção para o drama da pobreza. Mais recentemente, importa ler ou reler os textos que Eugénio Fonseca escreveu sobre a mensagem de Francisco para este dia. Ou ainda o programa da última sexta-feira 7MARGENS / Antena1.
Na sua mensagem do primeiro Dia Mundial dos Pobres, cujo tema foi “Não amemos com palavras, mas com obras”, escreveu Francisco:
Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida.(…) Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.
(…) Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.
Há algo no discurso sobre a pobreza e, de modo muito particular, sobre a procura de soluções para a sua erradicação, que é não apenas ilusório como também contribui para que sobre o problema a sociedade não tenha uma consciência crítica que possibilite uma verdadeira transformação. Quando nos referimos à pobreza como se de uma entidade se tratasse em vez de a olharmos como consequência de uma realidade diversa, desigual e injusta e que atinge pessoas concretas, acabamos por omitir as causas ou até mesmo desvalorizá-las. Centrar o foco na pobreza como um todo, sendo compreensível, torna-a aos olhos da sociedade como algo subjetivo e distante, acabando por responsabilizar os próprios pela sua situação.
Em Outubro de 2020, para assinalar o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, o governo criou uma comissão (Edmundo Martinho como coordenador, Amélia Bastos, Carlos Farinha Rodrigues, Fernanda Rodrigues, Rui Marques, Rute Guerra e Ana Rita Gonçalves) que tinha como objetivo elaborar, até dezembro desse ano, a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza ouvindo várias entidades da sociedade civil, do setor da Economia Social e Solidária e do Desenvolvimento Local. Passados três anos, e após debate publico, o governo apresentou em outubro passado a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP), a qual inclui mais de 270 medidas e que terá dois planos de ação com dois horizontes temporais diferentes para as concretizar (2022-2025 e 2026-2030). Foi ainda criada a comissão técnica de acompanhamento da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP) 2021-2030, presidida por Sandra Araújo, coordenadora nacional da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza e da qual fazem parte Carlos Farinha Rodrigues, Fernanda Perpétua Rodrigues e Rui Marques. A Comissão Técnica integra as áreas governativas e serviços com envolvidos na execução das medidas que executam a ENCP: Presidência, Educação, Segurança Social, Saúde, Infraestruturas, Habitação e Coesão Territorial.
Enquanto exercício de cidadania, e já agora enquanto crentes, cabe-nos sermos exigentes com quem tem o poder de decisão. Trata-se de uma árdua tarefa coletiva que não se resolve com solidariedade, mesmo se necessária em tempos de maior urgência, mas com consciência social. Ou seja, a capacidade que temos de individual e coletivamente, no nosso quotidiano, construirmos uma sociedade mais justa, democrática, sustentável e inclusiva.
Como escreveu Francisco na sua mensagem: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.
José Centeio é editor da opinião no 7Margens e membro do Cesis (Centro de Estudos para a Intervenção Social ); contacto: jose.centeio@gmail.com