Polémica do voto do PE sobre refugiados: eurodeputados explicam-se no 7MARGENS
Depois da polémica sobre o voto dos eurodeputados portugueses acerca do salvamento de refugiados no mar, vários dos eleitos explicam-se no 7MARGENS. E aqui se conta também que da Hungria vieram outros quatro votos do grupo socialista que também alinharam pela direita.

Junto ao Centro do Serviço Jesuíta aos Refugiados, em Roma: muitos batem à porta da Europa, mas ela permanece fechada. Foto © JRS/Centro Astalli.
Votos diferentes dos eurodeputados do PSD – três a favor, dois contra (um deles depois corrigido) e uma abstenção – e mais um voto contra do eleito pelo CDS-PP integraram os 290 votos contra (com 288 a favor e 36 abstenções) que rejeitaram a moção apresentada pela Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, do Parlamento Europeu (PE), que, entre outras coisas, recomendava à Comissão Europeia a tomada de medidas para que se proceda ao salvamento de pessoas no mar.
A moção foi votada dia 24 de Outubro, mas os ecos da decisão parlamentar europeia só chegaram verdadeiramente a Portugal na semana passada. Dois dias depois, a 26, na sua coluna no Diário de Notícias, a eurodeputada Marisa Matias criticou o sentido de voto: “A maioria dos meus colegas decidiu mesmo que não se deve apoiar as missões de salvamento e resgate, que as pessoas e as organizações que trabalham para salvar vidas devem ser criminalizadas, que se deve manter os campos de detenção onde todos os dias são violados os direitos humanos, que não temos obrigação de prestar assistência e socorrer quem precisa, que não devemos assegurar um desembarque seguro, que não deve haver cooperação entre os países para receber quem chega.”

Marisa Matias em Maio, na campanha das eleições para o Parlamento Europeu. Foto © Paula Nunes
Durante a semana, o tema foi debatido, com diferentes argumentos. Deve, no entanto, dizer-se que, no PE, estavam quatro moções à votação: além do texto apresentado pela Comissão, havia uma outra apresentada pelo PPE (Partido Popular Europeu), uma do grupo de extrema-direita Identidade e Democracia (ID), que sugeria mesmo, “se necessário”, a reintrodução de “fronteiras internas”, e outra do grupo eurocéptico dos Conservadores e Reformistas Europeus (ERC).
Álvaro Amaro e o voto contra
O PPE queixou-se de que a esquerda parlamentar não aceitou as suas sugestões de emenda ao texto proposto pela Comissão. Esse é o argumento que o social-democrata Álvaro Amaro advoga para o seu voto contra (adoptando a posição aconselhada pelo PPE). Numa publicação na sua página na rede social Facebook, para a qual remeteu, o eleito pelo PSD recordava ter votado a favor da proposta do seu partido. “Infelizmente – fruto da época em que vivemos –, as fakenews, multiplicadas por grupos de interesse (…) que enviesam, alteram e escamoteiam a realidade, (…) banalizaram-se e urge combatê-las, para que não deixemos a Democracia ser manipulada, nem pervertida.”
Na sua declaração de voto, Álvaro Amaro deixara escrito que o projecto “universalista” da UE deve “assegurar um acolhimento apropriado a quem” procura a Europa. “Tragicamente, o Mediterrâneo é a fronteira mais mortal do mundo. É por isso que a UE deve reforçar urgentemente as Missões de busca e salvamento”, acrescentava para lamentar, depois, que a resolução apresentada pela Comissão das Liberdades Cívicas “não teve em conta a posição” do PPE. “Entendi, assim, seguir a linha de voto indicada pelo PPE e votar contra. Aguardo agora que os diversos Grupos Políticos voltem à negociação, para redigir uma nova Resolução que possa expressar a pluralidade de opiniões existente neste Parlamento.”
A abstenção de José Manuel Fernandes
Em sentido diferente, o da abstenção, foi o do deputado José Manuel Fernandes, também do PSD/PPE. Questionado sobre a legitimidade de, de acordo com o espírito da UE, se distinguir o “migrante económico” e o “refugiado”, como pretendia o PPE, quando se fala de pessoas que estão no mar, o deputado responde:
“Para mim a dignidade humana é inviolável! Quando falamos de pessoas que estão no mar e precisam de serem salvas, não é admissível colocar-se sequer como possibilidade de discriminação ou distinção se são refugiados ou migrantes económicos!
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Não podemos aceitar que o salvamento se transforme num negócio privado! Cabe aos Estados-Membros a obrigação do salvamento. É obrigação da União Europeia evitar que o Mediterrâneo seja um cemitério.
No entanto, a situação é diferente no que diz respeito às obrigações de todos os Estados-Membros quando as pessoas chegam a um local seguro depois de acolhidos. Os refugiados têm de ser todos acolhidos e todos os Estados-Membros da UE têm de assumir as suas obrigações. No que diz respeito aos migrantes económicos a situação é diferente: cada Estado Membro tem o direito de avaliar se tem condições para receber esse migrantes.”
Na sua declaração de voto, repetira alguns argumentos do seu colega de bancada, acusando ainda a moção da Comissão de favorecer “a criação de negócios privados, à conta de um drama que nos toca a todos”.
Quatro húngaros do grupo socialista também a votar contra
Não foram só eurodeputados do PPE e da extrema-direita ou dos eurocépticos que votaram contra. Também quatro eleitos do Grupo dos Socialistas e Democratas integraram os 290 votos contra.
São eles, de acordo com a acta da sessão, a que o 7MARGENS teve acesso, os húngaros Atila Ara-Kovács, Klára Dobrev (vice-presidente do PE e mulher do ex-primeiro-ministro Ferenc Gyurcsány), Csaba Molnár (ex-ministro dos Transportes com Gyurcsány) e Csaba Molnár. Todos eles membros da Coligação Democrática, partido que, com os socialistas, estão na oposição ao governo de Viktor Orban – e, apesar de separados na Hungria, integram o mesmo grupo no PE.
Os portugueses que desobedeceram ao PPE

Paulo Rangel, na campanha de Maio de 2019 para as eleições para o Parlamento Europeu. Foto © PSD
Com Paulo Rangel, votaram favoravelmente a moção as deputadas Cláudia Monteiro de Aguiar e Lídia Pereira, contrariando o sentido de voto do Partido Popular Europeu.
“A União Europeia funda-se no respeito pela vida e pela dignidade de todas as pessoas. Diante da tragédia humanitária, estes valores impõem-nos uma obrigação: salvar a vida de todos, sem excepção. Eis o que visa a resolução”, escreveu Paulo Rangel na sua declaração de voto, onde afirmava que discordava de “muitos” pontos da moção apresentada e lamentava a “falta de realismo da esquerda parlamentar”, que teria “permitido a aprovação final da resolução”. Apesar disso, e “depois de ponderada hesitação”, Rangel votou favoravelmente, “para que se afirme a primazia do direito à vida”.
Nuno Melo e as críticas

Nuno Melo, em Maio de 2019, em campanha para as eleições para o Parlamento Europeu. Foto © CDS
O eurodeputado Nuno Melo não respondeu às perguntas do 7MARGENS – além da que se referia à legitimidade da distinção entre migrante económico e refugiado, perguntava-se também se não deveria a democracia-cristã colocar, em primeiro lugar, a defesa da vida das pessoas e só depois as questões jurídicas, económicas ou políticas.
Em entrevista neste fim-de-semana de início de Novembro ao DN e TSF, o eurodeputado criticou a forma como “uma certa esquerda” e os média trataram o caso, considerando “miserável” o tratamento dado em algumas notícias.
Uma das caricaturas publicadas no Público mostrava o eurodeputado agarrado a uma boia, a empurrar o corpo de um africano para dentro de água.
A médica e activista Ana Paula Cruz escrevia, também no Público, uma “Carta aos eurodeputados Nuno Melo, Álvaro Amaro e José Manuel Fernandes”, com uma sucessão de perguntas. Para concluir: “Hoje o vosso nome assina por baixo de tudo isso. É o vosso nome que assina por baixo desta Europa hoje menos humana, menos solidária, menos casa. É o vosso nome que assina por baixo desta Europa obcecada pela militarização e protecção das suas próprias fronteiras, ignorando — numa indiferença cruel — os que morrem à sua porta. É o vosso nome.
Na entrevista ao DN e TSF, já citada, Nuno Melo ainda acrescentava que, agora, pode ser tentado “um outro texto que possa ser votado com carácter de urgência e que possa ser mais consensual”.
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