Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Braga

Por um descanso que sobreviva às férias

| 26 Jul 2023

Verão 2023

Mar

“Não é invulgar as férias serem um antónimo de descanso, um acréscimo de trabalho. Vivemos, aliás, um período histórico em que as fronteiras entre trabalho e descanso se têm diluído.” Foto © José Centeio

 

O tempo de férias está a chegar, ou já chegou, para muitos. Para alguns, é, por isso, tempo de trabalho redobrado. As férias de uns são, como se sabe, o trabalho de outros. E há ainda aqueles para quem este não é tempo de férias nem de trabalho.

Não é invulgar as férias serem um antónimo de descanso, um acréscimo de trabalho. Vivemos, aliás, um período histórico em que as fronteiras entre trabalho e descanso se têm diluído. Esse foi para muitos trabalhadores um efeito da crise mundial de saúde pública. O trabalho à distância, possível graças à Internet e às novas tecnologias, veio alterar – ou acelerar a alteração – dos ritmos convencionais, estabelecendo um contínuo onde antes havia barreiras. O emprego ocupou a casa, que era até há pouco lugar de descanso, mesmo que algo permeável a algum trabalho ocasional.

Os ecrãs, como inúmeros especialistas, particularmente neurologistas, não têm cessado de apontar, tornaram-se um grave factor de perturbação dos momentos de descanso. Eles estão na origem da privação aguda ou crónica do sono, designadamente de crianças e adolescentes, como transmitem os resultados de diversas investigações. As notificações constantes das redes sociais disputam a atenção de todos, sobressaltando os que repousam ou acordando os que dormem. “Os ecrãs constituem uma conexão permanente com um mundo que nunca dorme, no qual o sol nunca se deita” [1]. O sossego parece impossível.

E, no entanto, “só avança quem descansa”, como diz o título de uma obra do Padre Vasco Pinto de Magalhães [2]. Numa das entrevistas que encerram o livro, o autor observa que “o tempo de férias pode ser muito ambíguo, porque é uma paragem no trabalho que às vezes visa mais o descanso físico e psicológico do que o descanso espiritual” e explica que, de facto, “o que nos descansa é o equilíbrio, a boa consciência e não se pode descansar uma parte sem a outra”. O que sucede é que, muitas vezes, “não se descansa nada nas férias porque se está cheio de pressa de fazer coisas”. O logro está, portanto, segundo o autor, na circunstância de “a pressa e o medo ou ansiedade” se conjugarem para impedir qualquer descanso.

A imprensa dá, amiúde, testemunho da existência dessa dificuldade em relação ao descanso nas férias, de cada vez que dá conta do nível de desassossego em que se transformaram ou que julga necessário dar conselhos sobre o que se impõe fazer para alcançar um módico de serenidade.

Aos crentes, ofereceu Santa Teresa de Ávila uma sábia recomendação:

“Nada te inquiete / nada te assuste / tudo passa / Deus não muda / a paciência / tudo alcança / quem a Deus tem / nada lhe falta / Só Deus basta” [3].

Vasco Pinto de Magalhães di-lo de outro modo: “O cristão deveria estar sempre consciente da presença de Deus para viver descansado. Descansar é um treino para o descanso eterno, que é o céu, e esse é o nosso objectivo na vida. O nosso objectivo não é trabalhar, mas sim trabalhar para estar cada vez mais descansado, mais equilibrado, mais saudável, mais em Deus”. Ou seja: “Aquilo que mais nos descansa é uma relação saudável com outra pessoa, o sentir-se amado, o poder ser eu perante uma pessoa sem ter de me estar a defender, a mascarar ou a arranjar conversa, e isso é o que acontece com Deus”.

No trabalho ou nas férias, o que importa que esteja no horizonte é o descanso, ainda que estes tempos o procurem ocultar. A ansiedade e o stress e a exaustão não têm de ser fatalidades que, tantas vezes sem sucesso, se tentam esquecer durante algumas semanas estivais.

O que vale a pena é “uma revolução temporal que permita dar início a um tempo completamente diferente”, como preconiza o filósofo Byung-Chul Han [4]. Constata ele que “hoje, não temos outro tempo que não seja o tempo de trabalho”, considerando que perdemos há muito o tempo de festa. “O fim do dia de trabalho, enquanto véspera da festa, anuncia um tempo sagrado. Se se abolir a fronteira ou o limite que separa o sagrado do profano, nada mais resta do que o banal e o quotidiano, ou seja, o simples tempo de trabalho”. É premente que o domingo seja plenamente recuperado como tempo de descanso, ele tem de ser resgatado do tempo “explorado pelo imperativo do desempenho e da eficiência”.

Se, como Byung-Chul Han afirma, “a política temporal do neoliberalismo aboliu por completo o tempo do outro, a dádiva”, o que agora “é necessário é uma política temporal diferente. Ao contrário do tempo do eu, que nos isola e separa, o tempo do outro cria a comunidade, ou melhor, o tempo comum, que é o tempo bom”. O “tempo bom” é, pois, o que contribui para reforçar os laços com a família, com os amigos, com todos companheiros de caminho.

É essencial mudar a relação com o tempo. “É importante que o verbo descansar seja conjugado em todos os tempos e modos ao longo do ano porque descansar é uma afirmação de soberania”, explicou o Padre João Aguiar Campos [5]: “Soberania sobre a criação. Soberania sobre nós e soberania sobre a tentação do ter, possuir, fazer e acumular. É preciso afirmar a soberania do ser para o outro, para mim e para Deus”.

Bom descanso.

 

[1] “Entretien avec Cynthia Fleury – L’empire de la lumière”. Philosophie Magazine. Hors-série n.º 56. Hiver 2023.
[2] Secretariado Nacional do Apostolado da Oração. 2019 (7.ª edição)
[3] Seta de Fogo. 22 Poemas. Assírio & Alvim, 2010
[4] Capitalismo e pulsão de morte. Relógio d’Água, 2023
[5] “O descanso é um caminho”, entrevista concedida a Luís Filipe Santos. Agência Ecclesia, 10 de Agosto de 2018. Disponível em: https://agencia.ecclesia.pt/portal/o-descanso-e-um-caminho-2/

 

Na cidade onde Jesus nasceu, o Natal foi cancelado

Belém "está de luto e triste"

Na cidade onde Jesus nasceu, o Natal foi cancelado novidade

Não festejar o Natal precisamente na cidade onde – segundo a tradição cristã – nasceu Jesus? O paradoxo é enorme, mas não tão grande como a tristeza e a dor que pairam nas ruas de Belém, na Cisjordânia, e que se revelam nos semblantes dos poucos que as percorrem. “Belém, como qualquer outra cidade palestiniana, está de luto e triste… Não podemos comemorar enquanto estivermos nesta situação”, afirma Hanna Hanania, presidente da câmara cessante.

Deslocados de Cabo Delgado tentam regressar a casa, mas insegurança persiste

ONU denuncia

Deslocados de Cabo Delgado tentam regressar a casa, mas insegurança persiste novidade

Durante 13 dias, a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos humanos dos deslocados internos, Paula Gaviria Betancur, esteve em Moçambique. De visita à província de Cabo Delgado, observou a enorme vontade das populações deslocadas de voltar para as suas casas, mas verificou também que “persiste a insegurança” e que as comunidades não têm como autossustentar-se.

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Para o biénio 2023-2025

Centro de Reflexão Cristã elege direção “comprometida com orientações do Papa Francisco”

O Centro de Reflexão Cristã (CRC) acaba de eleger uma nova direção para o biénio 2023-2025, que se assume comprometida “com os princípios do Concílio Vaticano II e com as orientações do Papa Francisco”. Presidida por Inês Espada Viera (até agora vice-presidente), a direção que agora inicia funções promete “novas iniciativas”, que já estão a ser preparadas.

Em seminário nacional

Ação Católica Rural debateu desafios para o futuro

Perto de cem elementos da Ação Católica Rural, oriundos de 11 dioceses, estiveram reunidos durante o passado fim de semana, em Albergaria-a-Velha, para refletir sobre a missão do movimento nos dias de hoje, a ideologia de género e os desafios colocados pelo Papa, na sequência da Jornada Mundial da Juventude.

Portugueses em risco de pobreza aumentaram para 17%

Dados do INE

Portugueses em risco de pobreza aumentaram para 17% novidade

O número de pessoas em risco de pobreza em Portugal aumentou para 17% em 2022, tendo crescido em todos os grupos etários, mas afetando “mais significativamente” as mulheres e os menores de 18 anos. Os dados constam do mais recente Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos (ICOR), relativo aos rendimentos de 2022, divulgado esta segunda-feira, 27, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

A Bíblia Tinha Mesmo Razão?

Novo livro

A Bíblia Tinha Mesmo Razão?

Abraão e Moisés existiram mesmo ou são apenas personagens de ficção? O Êxodo do Egito aconteceu nos moldes em que é contado na Bíblia? E a conquista da “Terra Prometida” é um facto ou mito? É inevitável que um leitor contemporâneo se pergunte pela historicidade do que lhe é relatado na Bíblia. Um excerto do novo livro de Francisco Martins.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This