Porque no mar ninguém chora sozinho

| 22 Abr 2023

Pesca, Pescadores

“Esgotou-se o tempo suportável da paciência e uma outra vez subiu ao terraço na esperança de os ver chegar, como todos os dias desde há muito.” Pintura: Roque Gameiro (1864-1935): Pescadores (Costa da Caparica). Aguarela sobre papel.

 

De alma e olhos postos no horizonte, a mulher estendia a roupa nas cordas da varanda caiada frente ao mar. Estranho foi, nesse dia, não se avistar ainda o aceno aliviado dos homens, como de costume àquela hora.
Recusou a impaciência – a gente da pesca aprende a silenciar as angústias em prol de conseguir levar os dias – e desceu à cozinha para terminar o almoço que se apurava cheio de ternura na velha panela.

Pôs a mesa, cerrou as pálpebras demoradamente para afugentar o martírio do pensamento, abanou a cabeça, fatiou o pão junto ao peito, baixou o volume da telefonia e olhou nos olhos do Jesus Cristo pregado na cruz da parede ao fundo do corredor, para lhe suplicar murmurando:

– Trá-los sob a tua proteção, Senhor!

Tirou, do bolso do avental, o terço e arrumou-o sobre a cómoda, junto à vela que todas as manhãs iluminava a fotografia do marido e do irmão.

Esgotou-se o tempo suportável da paciência e uma outra vez subiu ao terraço na esperança de os ver chegar, como todos os dias desde há muito. Quinze traineiras pousavam mansamente na praia à beira-mar, contou-as vezes suficientes para que não restassem dúvidas de que não se enganara. Faltava uma – era a “Maria Amada”.

Resgatou a força que lhe faltava nas pernas e desceu à praia. As perguntas saiam-lhe pela metade, sufocadas pelos soluços que adivinhavam o infortúnio cujas respostas dos homens não eliminava.

A réstia de esperança que ainda lhe habitava o já desesperado peito, desfez-se quando viu o irmão chegar desfalecido na última embarcação a dar à costa, carregado em braços pelos homens que o haviam resgatado.

O marido não escapou à voracidade do fundo do mar – morreu enleado nas redes que ele próprio remendou na intenção de mais futuro.

Encontrou-se caída de joelhos com o rosto incrédulo entre as mãos sem reparar que à sua volta, no areal, acabara de se unir toda a população da vila – “porque no mar”, dizia-se, “ninguém chora sózinho”.

 

Ana Sofia Brito começou a trabalhar aos 16 anos em teatro e espetáculos de rua; Depois de dois anos na Universidade de Coimbra estudou teatro, teatro físico e circo em Barcelona, Lisboa e Rio de Janeiro, onde actualmente estuda Letras.

 

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