
O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, assinando o livro de honra do Kaiciid, na sua visita ao Centro (22 Junho 2023), para assinalar o Dia Nacional da Liberdade Religiosa. Foto © António Marujo/7MARGENS
A instituição do Dia Nacional da Liberdade e do Diálogo Inter-Religioso, decidida pela Assembleia da República (AR) em 2019, reflectiu “o chão comum” que todo o país partilha, “enquanto comunidade, quanto a este tema, onde religião rima, cada vez mais, com liberdade e com diálogo”. E esse chão “faz de Portugal um dos países com maior liberdade religiosa no mundo”, diz um voto de saudação ao Dia Nacional aprovado ao início da tarde desta quinta-feira, 22 de Junho, pela unanimidade dos deputados – e que pode ser lido na íntegra na página da AR.
O voto foi proposto pelo presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva, e subscrito pelo conjunto dos deputados, que o votaram em plenário no início da sessão plenária da tarde. No texto, o Parlamento afirma que a Lei de Liberdade Religiosa, aprovada neste mesmo dia em 2001, “exprime bem a compatibilidade entre a natureza laica do Estado e a importância espiritual, cultural e social do fenómeno religioso, reconhecendo e valorizando plenamente a liberdade de fé”. Essa garantia, lê-se ainda no texto, é “devida a todas as religiões em condições de igualdade, independentemente da sua representatividade, com o único limite do respeito pelos valores constitutivos da sociedade democrática”.
No documento, o Parlamento afirma que o Estado português “reconhece o pluralismo das expressões religiosas, assim como o diálogo dentre elas”, o que se deve entender como a “emanação da essência da própria democracia: reconhecer e respeitar as diferenças e a pluralidade que nos distingue e enriquece enquanto comunidade, incentivando e promovendo os consensos”.
Antes de 2001, e até à nova lei, os dois diplomas fundamentais que, além da Constituição, regulavam a matéria – “a Concordata de 1940 e a chamada Lei de liberdade religiosa de 1971 – denunciavam, como notava o projeto de lei que deu origem à lei de 2001, a marca do regime antidemocrático em que tinham sido concebidas”. Ou seja, traduziam “um entendimento da liberdade religiosa e da separação entre o Estado e as religiões inconciliável com a Constituição democrática e, também, com a doutrina católica do Concílio Vaticano II”.
A aprovação do voto de saudação foi uma das iniciativas com que o Parlamento assinalou o Dia Nacional. De manhã, o Presidente da AR, Augusto Santos Silva, deslocou-se ao Centro de Diálogo Internacional Kaiciid (designação actual do ex-Centro Internacional Rei Abdullah bin Abdulaziz para o Diálogo Inter-religioso e Intercultural), que recentemente mudou a sua sede para Lisboa. Santos Silva e a delegação parlamentar que o acompanhava encontrou-se com os responsáveis da instituição e com representantes de várias religiões.
Aplicar as leis

Na conversa de cerca de uma hora, e de acordo com o que vários líderes religiosos presentes contaram ao 7MARGENS, estes insistiram na necessidade de fazer aplicar as leis na sua totalidade – deram o exemplo de, na assistência religiosa em hospitais, nem sempre o acesso de ministros religiosos ser facilitado pelas administrações; e, no caso dos hospitais privados, também não é fácil acompanhar doentes.
Também o redobrar da formação das novas gerações para a pluralidade religiosa, nomeadamente nas escolas, foi uma necessidade referida por vários dos representantes – que incluíam membros da Igreja Católica, de igrejas protestantes, da Aliança Evangélica e outras confissões cristãs, e ainda das comunidades islâmica, ismaili, hindu, judaica e budista.
No livro de honra do Kaiciid, Santos Silva manifestou o seu elogio aos fundadores e patronos (Espanha, Áustria, Arábia Saudita e Santa Sé) pelo incremento da instituição ao diálogo inter-religioso. “Em circunstâncias tão desafiadoras para a humanidade, é fundamental fomentar a liberdade de religião, o diálogo e a aliança entre as religiões e promover a compreensão mútua e a tolerância”, acrescentou.
Já em declarações aos jornalistas, Santos Silva recordou que a liberdade religiosa, enquanto liberdade fundamental, é “uma das competências exclusivas” do Parlamento. “As várias confissões que operam em Portugal cooperam entre si em total liberdade”, sublinhou, para destacar também a importância de o Kaiciid ser mais um elemento a ajudar a estreitar relações do Parlamento com as comunidades religiosas e destas entre si. “A diversidade enriquece, o que empobrece sempre é o preconceito”, acrescentou.
O secretário-geral do Kaiciid, o saudita Zuhair Alharthi, manifestou a sua satisfação por receber a delegação parlamentar, como reconhecimento do “papel vital da religião e do diálogo inter-religioso em Portugal”. A instituição que dirige, e que se sente “calorosamente acolhida em Lisboa”, estará empenhada também durante a visita do Papa a Portugal por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, em Agosto, acrescentou o responsável. Mas a ideia é que o Kaiciid, organização intergovernamental cujo objectivo é a promoção da paz e da compreensão através do diálogo inter-religioso e intercultural, possa fazer ainda mais, com diferentes comunidades religiosas, organizações não-governamentais e instituições políticas – nomeadamente o Parlamento.
Democracia é o maior aliado

Depois da aprovação do voto de saudação ao início da tarde, o Parlamento abriu as portas, já depois da sessão plenária, à apresentação do relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, divulgado na manhã desta quinta-feira pela Ajuda à Igreja que Sofre, como o 7MARGENS dá conta noutra notícia.
Nessa sessão, o presidente da Assembleia da República afirmou que “não há maior inimigo da liberdade religiosa do que o autoritarismo político”, destacando a democracia como o mais importante aliado da liberdade de culto e de consciência. Ao mesmo tempo, apelou à atenção diante de sinais “muito preocupantes” e “sementes” de perseguição.
O presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa, José Vera Jardim, também interveniente na sessão, referiu-se ao documento como de “consulta indispensável” para quem se “ocupa e preocupa” com este direito fundamental, de acordo com a Ecclesia.
José Manuel Fernandes, director do Observador, que apresentou o documento, afirmou que, “quando falamos de limitações e atentados à liberdade religiosa, não falamos sempre dos mesmos problemas”, referindo exemplos como a China, onde os cidadãos são sujeitos a uma grande vigilância, ou a Índia, onde o nacionalismo hindu está no poder promovendo fenómenos de perseguição, discriminação e extremismo.
Parlamento organiza mais iniciativas

De acordo ainda com a Ecclesia, o padre nigeriano Bernard Adukwu, dos Missionários Espiritanos, deu um testemunho sobre a situação no norte do país, um dos classificados na “categoria vermelha”, a mais grave do relatório, que inclui 28 países que se “transformaram, de alguma forma nos locais mais perigosos do mundo para a prática livre da religião”.
Esta categoria aborda situações de perseguição, crimes de ódio e violência desencadeada por motivos religiosos, representando 14% dos 196 países sob análise no Relatório 2023 sobre a Liberdade Religiosa no Mundo.
África é precisamente “uma das regiões do globo onde a perseguição por motivos religiosos se acentuou mais” e continua a ser “o continente mais violento”, o que torna a situação da liberdade religiosa “ainda mais alarmante”, de acordo com o relatório.
Para os próximos tempos, o Parlamento tem previstas várias iniciativas no âmbito da liberdade religiosa. Na próxima semana, terá lugar um colóquio sobre “A democracia e a liberdade religiosa”. A partir das 18 horas, sucedem-se intervenções de José de Sousa Brito, juiz conselheiro e principal redactor da Lei da Liberdade Religiosa, Maria Lúcia Amaral, Provedora de Justiça, Esther Mucznik, da Comissão da Liberdade Religiosa, e David Munir, imã da Mesquita Central de Lisboa.
Além de uma exposição para assinalar as duas décadas da Lei da Liberdade Religiosa [ver outra notícia no 7MARGENS] outros dois colóquios decorrerão ainda até final do ano, dedicados aos temas “A liberdade religiosa e a liberdade de expressão” e “As religiões – património da humanidade”.