
Um curto inquérito do 7MARGENS procurou avaliar de que modo está a ser recebido, preparado e posto em marcha o Sínodo da Igreja Católica. Foto © CNBB.
Um balanço genericamente positivo no que se refere à participação dos católicos e mesmo à tomada de consciência de algumas falhas e limitações. Um caminho que a generalidade das pessoas quer que continue. Algumas tentativas de dialogar com os não-crentes ou outras confissões religiosas. A tomada de consciência de conflitos adormecidos ou de modelos de paróquias e comunidades ainda clericalistas. Por outro lado, as comissões diocesanas de um sínodo que pretende dinamizar a participação de todos os membros da Igreja são compostas por 40% de clérigos, incluindo apenas um terço de mulheres e quase sem jovens.
Estas são algumas conclusões de um curto inquérito feito pelo 7MARGENS aos responsáveis das 21 dioceses portuguesas (20 territoriais, mais a diocese castrense), procurando avaliar de que modo está a ser recebido, preparado e posto em marcha o Sínodo da Igreja Católica. Uma iniciativa, recorde-se, convocada pelo Papa Francisco e cuja etapa de mobilização que se vive actualmente, envolvendo católicos de todo o mundo, é considerada decisiva.
A maior parte das dioceses já realizou ou irá realizar neste mês a sua assembleia sinodal, para aprovação da respectiva síntese diocesana, que em princípio deve ser elaborada a partir dos contributos de paróquias, grupos, movimentos e outras estruturas. Como o 7MARGENS noticiou a 9 de Maio, na sequência de uma primeira parte deste inquérito, a maior parte das dioceses decidiu que esses contributos não serão divulgados.
Agora, pretendíamos saber que avaliação genérica fazem os responsáveis diocesanos sobre o caminho percorrido até aqui, pedindo ao mesmo tempo indicações sobre a composição das comissões.
Houve seis dioceses que não responderam às perguntas: Algarve, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Viseu e Bragança-Miranda. Esta última escusou-se à resposta com o argumento de que, estando sem bispo, isso não seria oportuno. O anterior prelado, agora arcebispo de Braga, ainda nomeou uma comissão diocesana com duas pessoas – um padre e uma professora –, e o 7MARGENS sabe que houve grupos a reunir e dar contributos. Publicamente, no entanto, os responsáveis contactados optaram pelo silêncio.
Olhando para a composição das comissões diocesanas, verifica-se desde logo que todos os coordenadores ou responsáveis das comissões diocesanas são padres – ou, no caso da diocese militar, o próprio bispo, Rui Valério. Nas 15 dioceses que responderam, há 110 pessoas que as integram (ver tabela, no final deste texto). Dessas, 40 são padres (ou seja, 36% do total) e 59 são leigos (há ainda sete freiras e um frade). Mulheres são apenas 34 (sete das quais religiosas) e pessoas abaixo dos 30 anos não passam da dezena (podem ser mais do que os nove indicados, pois entre as dioceses respondentes algumas não indicam claramente este dado).
Poucos jovens e poucas mulheres

O número de clérigos nas diferentes dioceses tem os seus extremos em Braga, Leiria e Porto (um padre em comissões de oito ou nove elementos) e, do outro lado, Portalegre e Castelo Branco (a comissão é composta por três padres). Mas, olhando a tabela, verifica-se também que é grande o peso das pessoas que integram serviços diocesanos ou estruturas equivalentes. Entre os não-clérigos, dominam as profissões liberais (professores, médicos, técnicos superiores…). Sectores como o operariado ou profissionais menos qualificados em termos académicos são praticamente inexistentes, a avaliar pelos dados fornecidos pelas dioceses.
A quase ausência de pessoas com menos de 30 anos não deixa de ser significativa, num momento em que a Igreja Católica está, em Portugal, a um ano e pouco (Agosto 2023) de acolher centenas de milhar de jovens de todo o mundo para a Jornada Mundial da Juventude. Do mesmo modo, a baixa percentagem de mulheres que integram as comissões diocesanas é outro dado relevante, se tivermos em conta a observação de Nathalie Becquart, subsecretária do Sínodo dos Bispos, em entrevista publicada quarta-feira, 1 de Junho, pelo 7MARGENS.
“Todos os dados mostram que, em todo o mundo – vemos o que se passa na Ucrânia – as primeiras vítimas das migrações, das guerras, das violências, são as mulheres. As primeiras vítimas do desemprego e da pobreza são as mulheres. Por isso, a Igreja, que tem na sua essência o procurar estar sempre junto dos mais pobres e escutá-los, e se as mulheres são as primeiras a ser afectadas, tem de as escutar”, dizia aquela responsável do Vaticano.
Estes dados não inibem, no entanto, os responsáveis diocesanos de avaliar de forma positiva o caminho percorrido até aqui. Mesmo se, como recorda o coordenador de Angra, padre José Medeiros Constância, a pandemia “atrasou os trabalhos”, que se vieram também sobrepor ao terceiro e último ano da caminhada sinodal diocesana.
A escuta que este processo tem permitido, em vários âmbitos, e a mobilização de muitos grupos e milhares de pessoas são dois factos sublinhados por vários dos coordenadores. Em Braga, o padre Sérgio Torres diz que se percebe que “este foi um exercício de escuta do agrado das pessoas” e que se sente o “desejo de continuidade”. Manuel Carvalheiro Dias, em Coimbra, diz que o processo “teve a virtude de provocar o debate, a reflexão, o encontro e a partilha”. No Funchal, o padre Manuel Ramos nota que se verificou “a necessidade de mais diálogo nas estruturas da Igreja” e também destas “com a sociedade em geral”.
Na Guarda, o padre Jorge Castela destaca dois factos: as 3500 pessoas mobilizadas “numa diocese pequena e do interior”, e a possibilidade criada de “escutar vozes fora do âmbito eclesial, sobretudo através dos fóruns realizados”. O mesmo se tentou em Beja, conta o padre Manuel António do Rosário, onde se procuraram “estabelecer pontes com cristãos de outras Igrejas, crentes de outras religiões e pessoas sem qualquer filiação religiosa”. E em Lamego, Diamantino Duarte diz também que foi “evidente o interesse, a curiosidade e a valorização” que os participantes nos encontros sinodais demonstravam pelo próprio tema da sinodalidade.
“Uma excelente experiência de Igreja comunhão, participação e missão”, é como José Augusto Rodrigues se refere ao que viveu em Leiria-Fátima, enquanto o padre Rui Pedro Carvalho, de Lisboa, acredita que o envolvimento conseguido (1.700 grupos e mais de 15. 000 pessoas, pelo menos) manifesta “um desejo de se caminhar em conjunto e de uma Igreja mais sinodal, que envolva a participação de todos”. E na diocese das Forças Armadas e de Segurança, o major-capelão Leonel castro nota uma “grande participação e interesse na mensagem que o sínodo pretende transmitir a todo o povo de Deus”.
Clericalismos e frustrações

O processo tem também provocado a tomada de consciência dos limites de muitas realidades eclesiais. Ainda em Lisboa, o mesmo responsável refere que muitos grupos notaram “a falta de envolvimento e compromisso da comunidade e o pouco envolvimento dos jovens”.
Em Aveiro, Licínio Cardoso sublinha o facto e ter ficado mais claro “o modelo de Igreja e de pastoral que está instituído: vê-se claramente quais são as paróquias de funcionamento clericalista (tudo com os padres, os leigos como ‘extensão do braço da hierarquia’) e as paróquias com dinâmica que envolve leigos e padres em sã colaboração. Uma das notas que sobressaiu ainda, acrescenta, é que “quanto mais novos são os padres, mais clericalismo existe”.
Sérgio Torres, de Braga, diz que se nota “uma clara acentuação dos aspectos negativos e das críticas à vida da Igreja, às suas estruturas, ao seu funcionamento, à sua transparência”. E Manuel do Rosário, em Beja, recorda o sentimento de frustração que ficou de anteriores experiências: no Sínodo diocesano, “inicialmente mobilizador e depois gradualmente rotineiro e pouco envolvente”, houve pessoas que “não se sentiram identificadas nas sínteses que então foram apresentadas, pelo que ‘desligaram’ e passaram a responder com alguma indiferença aos apelos de maior empenho”.
Em Portalegre e Castelo Branco, o padre Amândio Bártolo Mateus sublinha que houve uma dificuldade inicial de compreender o propósito do processo sinodal, incluindo na necessidade de afrontar o clericalismo da Igreja na Europa, como tantas vezes insiste o Papa. De Vila Real, Márcio Martins admite que essa dimensão se manifestou também: “O processo não chegou a todos e deveria ter havido mais envolvência do clero.”
O padre Joaquim Santos, do Porto, sublinha que a par da “alegria de participar” e da “esperança de que daqui resultem verdadeiros processos de transformação que vençam a inércia, sem cair na ideologia da mudança, nem na mera cosmética”, o processo revelou também “conflitos adormecidos que pedem um caminho sem prazo de resposta”.
Membros das comissões sinodais diocesanas
(do número total há pessoas que podem acumular várias condições; por exemplo, um/a jovem é também contado/a como leigo/a e uma religiosa é também contada nas mulheres)
Notas
* Neste campo, não se indicam tarefas específicas dos padres.