Precisamos de nos ouvir (29) – Álvaro Laborinho Lúcio: Pandemia, heróis e sorrisos

| 12 Mar 2021

“O uso da máscara como manifestação de respeito por nós e pelo outro!…” Foto © Miguel Veiga.

 

E, de repente, o absurdo!

Um vírus mau chegou-se à globalização e aproveitou-se dela.

Um novo Anti-Cristo levou-nos a fugir das igrejas, a correr para casa, a guardar aí a fé e a descobrirmos como é pequena a diferença entre ciência e filosofia. Da ciência, reclamamos agora vacina, tratamento e cura. À filosofia, pedimos vida, isto é, pensamento, compaixão, humanidade.

Todos de máscara. Todos.

Como se isso não fosse o que vimos fazendo há décadas!

Só que agora é o absurdo que o impõe. O uso da máscara como manifestação de respeito por nós e pelo outro! Afinal, absurdo dos absurdos, a máscara surge como expressão de solidariedade, de procura do sentido de cada um com o outro, de responsabilidade. Despede-se a máscara da falsidade e, em vez de dissimular o que se deixa sair pela boca, ela vem evitar aquilo que, sem qualquer sentido crítico, se permite que por ela entre.

 

“A cidade está limpa. E os encarregados da recolha do lixo são heróis também…” Foto © Miguel Veiga

 

De repente, médicos e enfermeiros, entre outros, assumem o papel em regra reservado aos heróis. É mais do que justo, justíssimo. Injusto é esquecer os milhares que lutam contra a morte e que, sem a vencerem, vão a enterrar num cemitério de números, sem velório ou aplauso. Está limpa, a cidade. Metidos em casa, aumentamos o lixo. Mas a cidade está limpa. E nós pensamos que se os profissionais dão corpo às profissões, são elas-mais-eles, ao mesmo tempo, que dão a nota do valor essencial de cada uma para a sobrevivência da vida em comunidade. Está limpa a cidade. E os encarregados da recolha do lixo são heróis também. Injusto é, pois, não dar por isso, e esconder-lhes o aplauso. Como outros. E mais outros. E outros mais ainda. Todos heróis. No trabalho ou sem ele. Quem guarda os aplausos para os sofredores da pobreza? Quem medalha a angústia? Quem condecora a desesperança de todos os que arriscam do lado de fora da máscara? Na boca do perigo. À espera que a sorte lhes vede a entrada do vírus. E nós olhamos à volta. E vemos como as profissões são, afinal, os seus profissionais e que o estatuto social a que têm direito não pode continuar a depender da limpeza das mãos quando trabalham, mas do valor social do seu trabalho. Sempre. Todos os dias. E não apenas quando é nossa a aflição.

“Vencido o absurdo e retirada a máscara, só uma anima limpa poderá revelar uma cara lavada.” [Sarah Afonso, Coreto, óleo sobre tela (1937)]. © Foto Miguel Veiga.

O vírus vai passar. Tem de passar. A cidade vai continuar limpa. Retiradas as máscaras, ver-se-á como estamos, ver-se-á quem somos. A rua será o exame. Abraçar não é apenas apertar nem, muito menos, matar saudades dos abraços que não se deram. Também é, mas é muito mais. Abraçar terá de significar compromisso, reconhecimento, acção, cooperação, verdadeira solidariedade.

Vencido o absurdo e retirada a máscara, só uma anima limpa poderá revelar uma cara lavada. É isso que esperam os heróis. Todos os heróis.  Será pouco. Mas é o que esperam. Ver nos outros o sorriso que a máscara não matou. E perceberem que esse sorriso foi guardado para eles.

 

Nazaré, Fevereiro de 2021

 

Álvaro Laborinho Lúcio é juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, foi ministro da Justiça e é autor de várias obras de ficção. O seu último livro é O Beco da Liberdade

 

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