
O coordenador da Comissão entregou o galardão ao bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ, Américo Aguiar, tornando-o “guardião do prémio” para que “o mesmo possa estar perto do Papa Francisco” na sua visita a Portugal. Foto © Agência Ecclesia.
A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) atribuiu esta terça-feira, 25, o Prémio APAV 2022 à Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, criada pela Conferência Episcopal Portuguesa.
Na sessão de entrega do galardão, em Lisboa, o presidente da direção da APAV, João Lázaro, destacou que o trabalho da CI “tem sido amplamente divulgado e conhecido”, e o seu mote – “Dar voz ao silêncio” –, que é autoexplicativo, é uma “das motivações que estiveram na génese da atribuição do prémio ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido ao longo deste período”.
O coordenador da Comissão Independente, Pedro Strecht, esteve presente na cerimónia, onde agradeceu em primeiro lugar “às vítimas” que “ao longo destes meses ousaram ‘dar voz ao silêncio’ para revelar situações traumáticas que sofreram enquanto crianças, quase sempre revisitando em sofrimento tudo aquilo por que passaram tal como a incapacidade de reconhecimento ou ajuda de tantos que as rodeavam e de quem era suposto esperar uma resposta física e emocionalmente protetora”.
No seu discurso, Pedro Srecht destacou também que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) “teve a coragem de ousar pedir” que este Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa fosse realizado, “conferindo total independência” à Comissão.
O coordenador da CI entregou depois o galardão recebido ao bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ, Américo Aguiar, tornando-o “guardião do prémio” para que “o mesmo possa estar perto do Papa Francisco” na sua visita a Portugal, na próxima edição internacional da Jornada Mundial da Juventude, que irá realizar-se em Lisboa, de 1 a 6 de agosto de 2023.
Strecht lembrou no entanto que “a Comissão Independente é uma comissão de estudo, criada para funcionar num tempo definido, e não se constitui nem pode constituir-se como estrutura quer de apoio jurídico quer de investigação criminal, quer ainda como
equipa de saúde mental”. Nesse sentido, reforçou “a importância de instituições como a APAV, que já estavam, estão e estarão no terreno, a atuar de forma independente nas diversas modalidades de apoio às vítimas em geral e, neste campo, às pessoas que passaram por todas as formas de abuso sexual enquanto crianças”.
Até ao momento, a Comissão Independente recolheu “mais de quatro centenas de testemunhos, os quais continuam a chegar por diversas formas e diariamente, assinalou o responsável, que solicitou depois a todos os órgãos de comunicação “um novo e derradeiro apelo ao testemunho, com a divulgação dos contactos da Comissão”.
Até 31 de outubro, a Comissão receberá testemunhos de vítimas que queiram depor (através do telefone 917 110 000, do endereço electrónico geral@darvozaosilencio.org ou do inquérito disponível na página da Comissão www.darvozaosilencio.org). Depois daquela data, continuará a receber testemunhos que eventualmente apareçam, mas que apenas serão referidos estatisticamente no relatório e já não estudados.
A CI, anunciada pela Igreja Católica em Portugal em novembro de 2021, foi criada para funcionar num tempo de 12 meses, tendo entrado em funções em janeiro deste ano. Apresentará o seu relatório final e recomendações no dia 31 de Janeiro de 2023.
Bispo Américo Aguiar reconhece haver padres no ativo acusados de abusos
Em declarações aos jornalistas no final da cerimónia, o bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, reconheceu que há padres acusados de abusos sexuais no ativo e que isso é “preocupante”, tendo defendido que “o normal é que a decisão fosse o afastamento das funções”.
“Estaria mais descansado se houvesse uma partilha permanente das denúncias a cada diocese pela Comissão Independente, mas compreendo que pudesse causar nas vítimas desconforto ou desconfiança. Se calhar é por isso que não partilham, mas depois não se pode fazer coincidir essa boa vontade que eu acho que seria positiva”, admitiu.
O presidente da APAV também demonstrou preocupação com os membros da igreja acusados de abusos sexuais ainda em funções. “Independentemente da instituição onde sejam detetados esses casos, a própria instituição tem de ter medidas de suspensão, de fazer com que a pessoa abusadora não esteja perto das vítimas enquanto decorrem outro tipo de abordagens internas”, afirmou.