
Rita Valadas, presidente da Cáritas, concedeu uma entrevista à Renascença e ao Público. Foto DR
Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, afirmou, em entrevista à Rádio Renascença e ao jornal Público, que “a crise social ainda não chegou” no que toca aos efeitos da pandemia. “O tempo da crise social é sempre diferente do tempo da crise económica. A situação das pessoas só começa a ser visivelmente crítica quando as empresas que lhes pagam o salário não conseguem manter o emprego. E só quando o subsídio de desemprego acaba, sem que a economia tenha feito uma retoma, é que as pessoas caem em crise”, considerou.
Esta responsável pela organização de apoio sóciocaritativo entende que é preciso olhar para as necessidades das famílias sob um ponto de vista diferenciado, de família para família. “Porque há famílias que nem que tenham muito dinheiro vão alguma vez conseguir sair da pobreza. Se tiverem problemas de violência, saúde mental, etc, por muito dinheiro que tenham, não vão conseguir resolver o problema”, explicou.
Neste sentido, Rita Valadas considera que “distribuir dinheiro não resolve as situações de pobreza, porque muitas são bastante mais subliminares do que só o dinheiro e o não poder comprar”. “Temos problemas de saúde mental graves – se há área que tem de ser chamada a este problema é a saúde mental na comunidade, na proximidade, não é a saúde mental de gabinete e de secretária. Depois temos dependências, problemas legais, problemas de vítimas de violência vária, nomeadamente a doméstica”, enumerou.
Sobre o Plano de Resiliência e Recuperação (PRR), a tão famosa “bazuca”, esta responsável confessa “medo”, uma preocupação que advém do que considera ser “uma habilidade especial para o desperdício” que temos em Portugal, “o que é absolutamente contra a perspetiva que se devia ter quando temos tanta pobreza”.
A presidente da Cáritas defendeu que “somos pobres a viver como ricos e temos pouca atenção às coisas que, se assumíssemos que vivemos numa sociedade escassa, faríamos”. “Devemos todos ter muita consciência da forma como gastamos aquele dinheiro, como se fosse nosso, e de avaliar o impacto de cada medida passo a passo, para ter a certeza que é válida. E se não for, há que, com toda a honestidade e coragem, dizer que não”, pediu.
Sobre assuntos como o abono de família, o Rendimento Mínimo Garantido ou o Rendimento Social de Inserção, que têm levado a várias conversas e discussões, dentro de diferentes contextos, defende que, mais que tudo isto, a ajuda às famílias deveria seguir uma lógica “interministerial”, que conjugasse esforços mais abrangentes no apoio ao dia a dia das famílias. “[O que temos de analisar é] o que é que leva à pobreza de uma determinada família. É ter três crianças e dois salários baixos? É ter três crianças e só um salário? Pode haver várias componentes que concorrem para resolver esta situação e não tem que ser por matriz única. Eu sei que isto é difícil, porque é muito mais fácil criar uma medida que seja universal e igual para todos, mas não há uma família igual à outra nem uma situação de pobreza igual à outra”, e todas vivem situações diferentes.
É por isso que fala sobre a necessidade de uma abordagem diferente. “Este mecanismo devia envolver todas as áreas governamentais e não só uma. Se fizermos depender isto só da Segurança Social, por muito competente e capaz que a rede da Segurança Social seja no país, não consegue chegar às questões da habitação, da saúde, da educação. E sem agir nessas áreas todas não conseguimos tirar [as pessoas da pobreza] e vamos acabar por manter as famílias no mesmo nível do problema”, concluiu.