
Padre Julian Carron apresentou a demissão de presidente do movimento da Comunhão e Libertação. Foto © Lupe de la Vallina/Fraternidade de CL
“Neste momento tão delicado da vida do Movimento, decidi apresentar a minha demissão de presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação (CL), para favorecer que a mudança de condução a que somos chamados pelo Santo Padre – através do decreto sobre o exercício do governo no seio dos movimentos – transcorra com a liberdade que o processo exige”.
Assim escreve o padre Julián Carrón, na carta dirigida aos membros do poderoso movimento católico, depois de 16 anos no exercício do cargo. O agora ex-presidente foi eleito em 2005, depois da morte do fundador, Luigi Giussani, e viu o seu cargo ser confirmado sem interrupção em 2008, 2014 e 2020.
No espaço de poucos dias, a figura chave de Comunhão e Libertação abandona o seu lugar e o cardeal Angelo Scola, outra figura maior do movimento, deixa de poder participar no conclave, por ter atingido 80 anos.
A demissão de Julián Carrón é apresentada no comunicado de despedida como decorrente das diretivas recentes do Papa que impedem que os titulares de cargos diretivos de movimentos católicos internacionais se eternizem nos lugares. O decreto papal vigora desde setembro último, estabelecendo que os mandatos dos líderes internacionais das associações de fiéis não podem ter uma duração superior a cinco anos, sendo que uma mesma pessoa não pode ocupar cargos no órgão máximo de governo por mais de dez anos.
Normas de aplicação deste decreto aprovadas pelo Dicastério para os Leigos, Família e Vida estabelecem que quem no momento da saída da medida ocupasse cargos há mais de dez anos, deveria sair no espaço de 24 meses, ou seja, até 11 de setembro de 2023.
Porquê, então, valorizar este gesto, aparentemente de mera obediência por parte do sucessor de Giussiani?
Segundo o jornal Il Fatto Quotidiano, a demissão surge no quadro de um braço de ferro com a Cúria Romana e para evitar uma possível intervenção papal no movimento Comunhão e Libertação.
A orientação do movimento não agradava a diversos setores e o próprio Papa Francisco, na celebração dos 60 anos do CL, perante uma multidão de membros e amigos reunida na Praça de S. Pedro, calculada em cem mil pessoas, advertia: “Quando nos tornamos escravos da autorreferencialidade acabamos por cultivar uma ‘espiritualidade da etiqueta’: ‘Eu sou CL’; e caímos nas mil armadilhas que a complacência autorreferencial nos oferece, aquele ver-nos no espelho que nos leva a ficar desorientados e a tornarmo-nos meros empresários de uma ONG.”
Há perto de dois meses, a Sala de Imprensa do Vaticano anunciava a decisão do Papa de nomear o arcebispo de Taranto como seu delegado especial para assumir a direção do Memores Domini, o setor dos consagrados do movimento. Faltas graves no governo desse instituto e a necessidade de o reconduzir para o carisma que lhe tinha sido dado desde a fundação justificaram a medida drástica.
Estes gestos tomados ao mais alto nível não podiam senão tocar na própria posição do presidente do CL e terão criado uma situação de tensão entre os dois lados que acabou por forçá-lo a demitir-se dois anos antes do fim do prazo. Por algum motivo forte o padre Carrón inicia a carta de despedida aludindo a um “momento tão delicado da vida do Movimento”…