
José Ornelas sobre a eutanásia: “Respeito profundamente o drama de quem sofre e não estou pronto para condenar ninguém pelas atitudes tomadas em consequência da dor, da falta de sentido, de condições e de esperança”. Foto © Ecclesia.
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e bispo de Setúbal, D. José Ornelas, diz que não podemos sair da pandemia “apenas curados, exaustos e vazios da pandemia, e naturalmente sedentos de voltar sôfregos e saudosos ao que já era”, mas antes devemos cuidar de fazer desabrochar um mundo, uma sociedade, uma economia e uma Igreja “mais solidários, mais atentos, com mais esperança”.
“Precisamos urgentemente de vacinas e de tratamentos eficazes, mas não somos apenas organismos doentes do coronavírus. Somos pessoas que precisam de integrar o sofrimento, os esforços e sacrifícios e a beleza dramática da solidariedade num sentido de viver e num caminho de futuro”, afirmou José Ornelas no seu discurso de abertura da 199ª assembleia plenária da CEP, nesta quarta-feira, 11 de Novembro.
Com uma dezena de bispos em Fátima e os restantes a participar em videoconferência, o presidente da CEP, eleito em Junho, afirmou que “tanto sacrifício, tanta luta e tanta vontade de ajudar e mesmo tantos erros e atitudes irresponsáveis não podem simplesmente ficar escritos nas páginas dum livro que se fecha e arquiva, ou numa página das redes sociais onde a memória recusa fazer um clique”.
No que respeita aos católicos, o bispo Ornelas afirmou: “Temos de voltar a socializar, temos de voltar às nossas igrejas, mais humanos, mais fraternos, mais crentes e consequentes ao Deus que caminha com a humanidade, sempre atento aos mais frágeis e sempre promotor de renovação e de esperança”.
O Evangelho, diria depois, chama os cristãos “a estar activos na construção do país e do mundo, através de uma cultura de humanização e dignidade que sabe integrar a diversidade e promover o respeito pela Terra onde vivemos, para que seja ‘casa comum da humanidade’, dando especial atenção aos mais frágeis e desprotegidos”.
Marcelo e Costa na missa de sábado pelas vítimas da pandemia
A reflexão sobre a pandemia é, aliás, um dos temas desta assembleia plenária que, ao contrário do que é habitual, concentra os trabalhos em três dias completos, entre quarta e sexta. No sábado, os bispos presentes em Fátima participam numa eucaristia, às 11h, em memória de todas as vítimas da pandemia. No acto, estarão também presentes o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa.
Em Junho, os bispos publicaram já um texto sobre a dimensão económico-social das consequências da pandemia mas, agora, querem lançar “o olhar mais próximo sobre a realidade e os desafios do presente e as perspectivas de futuro, que a crise representa” para a Igreja em Portugal. “Esta pandemia que paralisou e ainda continua a impedir dramaticamente o normal desenrolar das atividades da humanidade requer atitudes e medidas de carácter sanitário, social, económico, cultural e espiritual.”
O presidente da CEP defendeu a ideia de que, nestes últimos meses, “certamente com falhas e de forma que deve sempre ser melhorada, a Igreja em Portugal procurou ser sinal de esperança”. Ela “nunca se fechou com medo nem comodismo, mas tomou as medidas necessárias para evitar a expansão da pandemia”, mas garantindo a possibilidade de celebrar juntos, “reafirmando a própria fé, traduzida na atitude responsável de cuidar uns dos outros e do mundo no seu conjunto”.
Isso traduziu-se não só no âmbito celebrativo ou de reflexão, mas também “na sensibilidade para assistir quem precisa, de estar atentos às vítimas económicas, sociais e do isolamento”, com a atitude de clérigos e muitos cristãos que têm mantido contacto “com os mais isolados” e atendido aos “que mais perderam com a pandemia”. Inúmeros jovens, destacou, despertaram para uma “participação activa na vida das comunidades”, o que constitui “um sinal de esperança”.
“Respeito profundamente o drama de quem sofre”

Uma assembleia diferente em Fátima, com a maior parte dos bispos a participar em vídeconferência. Foto © Ecclesia.
Neste contexto, o bispo de Setúbal referiu-se ao debate sobre a eutanásia. Começou por se referir aos “sacrifícios e esforços” dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde, “que têm sido de uma abnegação que ficará na memória e no coração de todos nós, quando tantos e com total dedicação se esforçam por dar razões e condições para ‘ajudar a viver’”. Por isso, acrescentou, não encontra “lógica no facto de se escolher precisamente este momento para dizer aos que tocam o mais fundo da dor e do abandono: ‘tem coragem, ajudamos-te a morrer; estamos a caminho de aprovar uma opção que aceita a tua eutanásia’.”
José Ornelas afirmou, depois, numa expressão pouco usual nas referências de católicos acerca do tema: “Respeito profundamente o drama de quem sofre e não estou pronto para condenar ninguém pelas atitudes tomadas em consequência da dor, da falta de sentido, de condições e de esperança: aquilo de que essas pessoas precisam não é de mais condenação nem de estigmas.” Mas também, acrescentou, “não são as soluções facilitadoras e ‘legalizadas’ que ajudarão a criar uma sociedade mais humana. O que é preciso é acompanhar e oferecer condições e razões para viver”.
O bispo concluiu criticando a recusa do referendo decidida pelo Parlamento: “Que se tenha retomado esta iniciativa precisamente neste momento e se tenha negado a discussão pública integrada num pronunciamento da vontade do povo, em assunto tão importante e fracturante, não abona a nossa democracia nem a promoção de uma cidadania que se quer participativa e interventiva.”
No discurso de abertura, José Ornelas condenou ainda os atentados das últimas semanas na Europa, “bem como as densas nuvens de conflitualidade internacional que pairam sobre as relações políticas e económicas entre as nações”. E propôs a última encíclica do Papa, Fratelli Tutti (Todos irmãos), como “referência e um indicador de caminhos concretos para evitar o curso conflituoso e destrutivo que leva a humanidade, causando miséria, ansiedade e revolta”. Um texto em que o Papa “aponta caminhos” e “propõe atitudes que possam usar as poderosas capacidades científicas e tecnológicas de que dispomos para a preservação e o futuro da humanidade em harmonia com a terra que a sustenta”.
A agenda da assembleia prevê também o debate e eventual aprovação das directrizes sobre a protecção de menores e pessoas vulneráveis na Igreja e sobre a preparação da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, em 2023.
(O discurso do bispo José Ornelas pode ser visto na íntegra no vídeo a seguir)