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Quem é que nunca brincou às “escondidas”? Uma brincadeira típica e diria mesmo intemporal. Enquanto uma criança permanece com os olhos fechados e faz contagem crescente, as outras escondem-se o melhor que podem para não serem encontradas. É um desafio comum a todas, mas é superior para a criança que vai ter que procurar. Sem dúvida que ela terá o maior esforço e terá que estar sempre atenta para não permitir que nenhuma delas consiga correr e fugir.
Na verdade, esta brincadeira que prevalece de geração em geração lembra-me das muitas conversas que tenho tido com pais. Sejam eles quem forem, muitos pais portugueses vivem a mesma angústia em seu interior: a falta de tempo para estarem com os seus filhos.
No meu entender e análise, e sem qualquer tipo de parcialidade, penso que na política portuguesa em toda a sua abrangência, muito pouco se interessa e pensa na família. E o modelo de vida a que todos nós ficamos sujeitos e vivemos dia a dia, esse “corre para aqui e corre para acolá”, a célebre frase “não tenho tempo”, desgasta-nos a todos os níveis, e consequentemente vem afetando penosamente as nossas famílias.
Se não podemos mudar o sistema, então mudemos a dinâmica da nossa família para conseguirmos viver felizes e em comunhão. Tanto na televisão, como em conversas, cada vez mais há pais que perderam os seus filhos dentro de casa. Penso que me entendem! Não porque contribuíram de forma intencional para isso, mas porque a pressão do “ganha-pão” os empurrou para tal. As crianças passam mais tempo na escola, na companhia da televisão, dos jogos, das redes sociais e de outras pessoas do que com aqueles de direito, os seus pais. Nada disto seria mau se fosse doseado; contudo cada vez mais percebemos o surgir de brechas no relacionamento familiar.
Por isso, facilmente se ouve falar desde tenra idade de suicídio, de solidão e depressão, de comportamentos estranhos e violentos, da falta de empatia pelo próximo e da grande dificuldade de conseguirem dialogar, elaborar e expor as suas opiniões, bem como falar dos seus próprios sentimentos e lidar com eles. Não é por acaso que as clínicas ou gabinetes de psicologia estão cheios! Digo isto porque, devido à minha vocação missionária, ouço e acompanho muitas famílias, mas também porque trabalho em parceria com uma clínica que ajuda e orienta pais e filhos com estes problemas e vemos que a cada dia esta mesma procura é crescente.
Então como contrariar esta realidade? Ninguém muda seja o que for se não reconhecer que tem um problema. Este será o ponto de partida para se começar a mudar, ou seja, é começar a brincar às “escondidas” dentro da própria casa. Não que os filhos vão agora esconder-se nos armários, atrás das portas ou cortinas (se quiser aproveitar para brincar com eles, faça-o), mas é bom ter a consciência que para tirar os nossos filhos dos tais “esconderijos” mencionados, compreendamos que o maior esforço deverá e terá de ser nosso, dos pais.
Bem sei que é mais fácil falar ou escrever, mas também sei que é bem possível mudarmos as circunstâncias dentro do nosso lar. A questão é: o que vale mais para nós? Não estou de maneira nenhuma a dizer que temos que largar o emprego para ter mais tempo, mas temos que remar para outro lado ou mesmo ao contrário para que as coisas se alterem.
É sabido que uma sociedade forte e saudável só é possível quando as famílias são fortes e saudáveis nos seus relacionamentos, no seu bem-estar, nos seus bons sentimentos e viver. E que adianta ganharmos o mundo inteiro e perdermos os nossos próprios filhos? Por isso, falar de família é deveras importante e muito mais quando as gerações mais novas precisam de encontrar no seu lar, o abrigo de que tanto precisam e buscam para fazer face às pressões e intensidade com que o mundo se lhes apresenta.
Vamos desistir? Claro que não. Afinal, somos um povo por vezes designado de “conquistador”. Temos garra e, se não nos deixarmos vergar pelas muitas tarefas diárias que se levantam para nos sobrecarregar, conseguimos proezas. Talvez alguns dos amigos leitores possam sentir-se parte deste cenário. Talvez estejam a dizer: afinal não somos só nós que nos sentimos como maus pais e que, mesmo tendo os nossos filhos dentro de casa, lá no fundo, sabemos que os estamos a perder.
Deixo uma história que exemplifica isto:
Havia uma mulher que tinha dez moedas valiosas e as guardava em sua casa. Certo dia, reparou que havia perdido uma delas e isso afligiu-a. A mulher acendeu a luz, varreu a casa, e procurou-a com diligência até a achar. (Parecia que jogava às escondidas!) Afinal, era o seu tesouro! E quando a achou, convocou as suas amigas e fizeram uma grande festa.
Esta mulher poderia não se dar a tanto trabalho, pois tinha as restantes nove moedas; mas compreendemos que cada uma era de particular importância para ela. Não fazia sentido ter nove, mas sim as dez reunidas. Não importou o tempo que levou, o esforço que tinha que ser feito, uma coisa estava certa no seu coração: a moeda tinha que ser encontrada dentro de casa. É certo que muitos pais estão a perder o seu maior tesouro e não faz sentido dentro de uma casa a família estar desintegrada.
É hora de abrir os olhos e iniciar a procura. Mas como?
Aqui ficam algumas sugestões que alguns pais que eu conheci colocaram em prática para iniciar esta reconquista:
- Procuraram cuidar de si em primeiro lugar. Pois como conseguirá cuidar bem dos outros se não cuidar primeiramente da sua saúde, do seu corpo, da sua alma e espírito? Sim, cuidar de si por inteiro! Não é de maneira alguma um ato egoísta, mas a prudência ensina-nos isso. Se já andou de avião e com um filho pequenino, primeiramente teve que colocar em si mesmo o cinto, e só depois ajudar o seu filho. É bom estarmos bem, para conseguirmos ajudar os nossos filhos a estarem bem.
- Procuraram fazer um trabalho em equipa. O casal foi conversando e estabelecendo objetivos e estratégias para alcançarem o pretendido, sem se boicotarem um ao outro.
- Procuraram fazer a distinção do que é prioritário e importante na sua agenda diária, para poderem dar o devido tempo ao que é prioridade, estando os seus filhos dentro deste parâmetro. Para isto ser possível é importante ser disciplinado e não ser escravo do tempo e das tarefas que querem tomar o primeiro lugar na sua vida, na casa e no tempo.
- Procuraram ter uma refeição em família, “sem estranhos” à mesa: televisão, telemóveis, aproveitando para conversarem.
- Procuraram não desperdiçar tempo. Eu mesma habituei-me a isto e muitas vezes aconselho mães e pais a serem intencionais quando estão com os seus filhos, de maneira que dez minutos com eles sejam dez minutos enriquecedores, frutíferos, em vez de passar uma hora com eles sem proveito algum. Aproveite o tempo!
- Procuraram sair em família, para descansarem, divertirem-se, fortalecerem laços saindo da rotina quotidiana.
- Procuraram explicar aos seus filhos que os amavam, e que eles eram o mais importante para eles e que por isso estavam a fazer tudo o que podiam para trazerem um novo tempo ao seu lar.
- Alguns procuraram ajuda adequada, vencendo a barreira da vergonha e orgulho. Alguns destes pais perceberam que não estavam sozinhos nesta situação.
- Procuraram na fé, consolo, força para permanecerem focados nesta causa. Jesus disse: “Quem procura, encontra.”
Ricas, pobres, públicas, anónimas, muitas famílias portuguesas vivem este problema dentro de portas e lutam para não sucumbir ante a correria e a imposição de que tudo o resto tem que ser feito agora e já. Indubitavelmente temos uma geração fantástica, mas que grita com dor e em silêncio desejando ser encontrada pelos próprios pais: “Procura-me e me acharás.”
Acredito que se todos nós, como pais, tomássemos medidas certas e efetivas relativamente a este problema, faríamos a diferença nas muitas notícias que chegam até nós que se passam dentro do recinto escolar, tais como a falta de respeito e reconhecimento aos professores, bullying, violência no namoro, gravidez precoce, insucesso escolar, etc.
Por fim, sabe onde encontrar aquela história da mulher e das dez moedas? Na Bíblia! Tão atual esta parábola, sábia e inspiradora para os cristãos e para todos os que desejem começar a procurar e encontrar o que na verdade vale a pena…
Isabel Ricardo Pereira é missionária evangélica; contacto: isabeljose@sapo.pt