
Alguns dos participantes tiveram oportunidade de ficar sentados no palco do Teatro Lyrick, junto do Papa. Foto © Sala Stampa Vaticano.
“Espero por vocês em Assis.” Assim terminava a carta que o Papa escreveu aos jovens em maio de 2019, convidando-os a participar n’A Economia de Francisco. Apesar de uma pandemia o ter obrigado a adiar dois anos este encontro, e ainda que as dores no joelho o tenham impedido de vir pelo seu próprio pé, Francisco cumpriu a sua promessa, como só os verdadeiros amigos sabem fazer. Este sábado, 24, logo pela manhã, chegou à cidade de Assis para se juntar aos mil participantes do encontro A Economia de Francisco. Escutou atentamente os seus testemunhos e preocupações, deu-lhes os conselhos que só um verdadeiro amigo sabe dar, selou com eles um pacto e até reclamou por não terem trazido cachaça (bem sabemos que é próprio dos amigos rabujar e fazer rir). Mas sobretudo provou-lhes que acredita neles e que é com eles que conta para fazer do mundo um lugar melhor.
“Nós sabíamos que virias, sempre soubemos”, disse-lhe Giulia, uma das jovens a quem coube a tarefa de conduzir o encontro com o Papa, assim que ele entrou na sala do Teatro Lyrick, o pavilhão de espetáculos de Santa Maria degli Angeli, junto a Assis, onde decorreu a maioria das atividades do encontro. “Esperámos tanto por este dia que hoje queríamos que o tempo passasse mais devagar para poder contar-te os sonhos, a coragem, o trabalho, os projetos, as ideias de todos nós.”
Francisco sorria, visivelmente feliz por estar ali, e sugerindo, bem-disposto, que os jovens tinham superado as expectativas: “São mais bonitos ao vivo”, brincou. Preenchendo todos os lugares da plateia, e alguns deles sentados no palco junto ao Papa, mil jovens de mais de cem nacionalidades diferentes sorriam de volta. Alguns envergavam vestes típicas ou t-shirts com as cores dos seus países, e iam agitando bandeiras ao som da música de fundo tocada ao vivo pela banda Nyado. Um cenário colorido, alegre, e efetivamente belo.
O tempo voava (como, de resto, acontece quando se está entre amigos) e os jovens apressaram-se a mostrar ao Papa o que tinham preparado para este encontro tão especial.
Apagaram-se então as luzes e parecia que era já noite dentro do Teatro Lyrick. “Sentinela, quanto falta para amanhecer? Sentinela, quanto resta da noite? Responde a sentinela: a manhã está para chegar, mas ainda é de noite!” A passagem, adaptada do Livro de Isaías, foi lida por uma atriz, e depois repetida por nove participantes, nas suas respetivas línguas e de acordo com as suas preocupações e anseios.
“Sentinela, estamos esmagados e humilhados”, ouviu-se em português. Era uma jovem indígena da delegação do Brasil, que logo em seguida perguntava: “Quando os direitos dos povos indígenas e nossas diferentes economias serão reconhecidos? Quando nossas antigas e nobres culturas serão respeitadas e talvez imitadas? Esta noite durou séculos: quando terminará?”
O Papa daria algumas respostas no discurso que havia preparado para os jovens, mas antes de lê-lo, e com toda a sala iluminada novamente, escutou atentamente as histórias de oito jovens que já começaram a colocar em prática esta nova economia.
A Economia de Francisco na prisão

“Chamo-me Andrea e estou preso há mais de nove anos. Infelizmente, matei um homem durante uma discussão violenta e sem sentido. Nunca tirarei esse peso do meu coração e rezo pela alma dessa pessoa.” Começava assim, de forma muito simples e honesta, aquele que viria a ser um dos testemunhos mais aplaudidos pelo Papa e pelos restantes jovens.
Andrea, que agradeceu à direção da prisão por lhe ter dado autorização para participar neste encontro, explicou como o projeto nela desenvolvido “é em si um verdadeiro exemplo da Economia de Francisco”.
Os presos são incentivados a apostar na sua formação e depois a trabalhar para a Cooperativa bee.4 altre menti. “O trabalho devolve a dignidade e, na nossa cooperativa, cada indivíduo, através do empenho, perseverança, seriedade e esforço pode experimentar o verdadeiro significado da inclusão”.
Andrea é gestor de marketing digital, uma profissão que aprendeu do zero graças ao apoio da cooperativa. Todos os dias lida diretamente com empresas que decidiram acreditar neste importante projeto de reintegração. “Sentimos uma grande responsabilidade e esperamos poder ajudar a criar uma prisão de onde se sai melhor do que se entra”, porque “as pessoas que saem da prisão devem passar de um ‘custo’ para um ‘recurso’ para a sociedade.”
É isso que já acontece na prisão de Bollate, onde Andrea vive. Mas tal só é possível porque “não estamos sós”. O italiano agradeceu aos técnicos e voluntários que o têm acompanhado, mas aproveitou a oportunidade para agradecer também ao Papa Francisco.
Quando foi preso, em 2013, Andrea escreveu-lhe uma carta a pedir perdão por aquilo que tinha feito. “Inesperadamente, recebi uma resposta em pouquíssimo tempo. Foi graças a esse perdão que a minha vida pôde recomeçar”, explicou.
Um pacto pela nova economia

Completamente diferente, mas não menos poderosa e impactante foi a história contada pela tailandesa Lilly, uma das participantes mais jovens d’A Economia de Francisco, que com apenas oito anos começou o seu percurso de ativista ambiental. “Vi o lixo de plástico espalhado na areia e a flutuar no oceano que eu tanto amo” e “soube que algo tinha de mudar”, recorda.
Depois de muitas cartas escritas para os responsáveis políticos e das empresas de retalho, e de ter sido aconselhada a deixar a solução desse problema para os adultos, Lilly viu finalmente, em 2020, um dos seus objetivos ser alcançado: os sacos de plástico de utilização única foram proibidos em mais de 70 retalhistas do país.
Neste sábado, cumpriu outro objetivo, pelo qual se diz “tão grata”, até porque não se tinha sequer atrevido a sonhá-lo: o de assinar com o Papa Francisco um pacto global por uma nova economia. Entre os 12 pontos do documento, e pelos quais ambos (o Papa e os jovens) se comprometeram a lutar, encontra-se “uma economia que saiba valorizar e cuidar das culturas e das tradições dos povos, todas as espécies viventes e os recursos naturais da Terra”.
A encabeçar a lista de prioridades, “uma economia de paz e não de guerra” e “uma economia que rejeite a proliferação das armas, especialmente as mais destrutivas”. A finalizar, mas não menos importante, “uma economia que cria riqueza para todos, que gera alegria e não apenas bem-estar, pois a felicidade não compartilhada é muito pouco”.
E sem esquecer “uma economia que reconhece e protege o trabalho digno e seguro para todos, especialmente para as mulheres”.
Os pobres no centro

Num discurso dirigido aos jovens, Francisco alertou que, apesar de este caminho para a nova economia já ter sido iniciado por alguns, há necessidade de “fazer mais”. “A terra geme hoje, e é hoje que temos de mudar”, sublinhou o Papa.
“Conto convosco”, disse depois, e insistiu: “Estou a falar a sério. Conto convosco”, caso alguém ainda tivesse dúvidas em relação à esperança que o Papa deposita nos jovens para levar a cabo esta mudança.
Uma economia que o Papa quis inspirada no santo de Assis para colocar no centro os pobres, e não para trabalhar apenas com eles ou para eles. Outro motor imprescindível para a mudança é o capital espiritual, pois “a técnica ensina-nos o ‘que’ fazer e ‘como’ fazer, mas não ensina o ‘porquê’”, alertou Francisco, e “a falta de sentido torna os jovens frágeis e incapazes de elaborar sofrimentos e frustrações”.
Em resumo, os jovens devem concentrar-se em fazer três coisas: ver o mundo com os olhos dos mais pobres, investir em criar trabalho digno para todos e assegurar que as ideias se transformem em ação (Francisco fala de “encarnação”). “As ideias são necessárias”, admitiu, “mas podem tornar-se ‘armadilhas’ se não se transformam em ‘carne’. E sublinhou: “a realidade é sempre superior às ideias, estejam atentos a isso”.
Promessa cumprida, pacto assinado e conselhos dados, um português gritou no meio da plateia “Esperamos por ti em Lisboa!”, e logo vários jovens aplaudiram. O Papa provavelmente não ouviu (antes de partir, estava a cumprimentar atentamente, um a um, os participantes presentes no palco, entre os quais um elemento do grupo d’A Economia de Francisco Portugal). Mas, se tivesse ouvido, certamente teria levantado o polegar em sinal de aprovação. Porque, vamos ser honestos: em que pensam os amigos de verdade quando se despedem? Em reencontrar-se o mais brevemente possível, claro.