
Mahatma Gandhi. Foto: Domínio público, via Wikimedia Commons.
Numa operação considerada por alguns de “grande envergadura”, os novos manuais escolares que os alunos da Índia passaram a utilizar a partir deste ano possuem factos históricos relevantes que são expurgados, reenquadrados ou reduzidos na sua abordagem, em benefício de uma “agenda nacionalista hindu” que o primeiro-ministro do país tem vindo a pôr no terreno.
Uma figura que sai bastante apagada na nova versão dos livros de estudo é a de Gandhi.
O jornal The Indian Express, que deu a informação em primeira mão, adianta que a versão até agora estudada referia que Gandhi era muito crítico dos que pretendiam que a Índia deveria ser apenas para os hindus, a exemplo do que se passava no Paquistão relativamente aos muçulmanos. Mais: ele lutou mesmo pela unidade entre hindus e muçulmanos, o que concitou sobre ele o ódio dos hindus mais extremistas que tentaram (conseguiram) assassiná-lo. Todas estas realidades, segundo aquele jornal, são retiradas na nova versão dos manuais agora aprovados pelo Conselho Nacional de Investigação e Formação para a Educação (NCERT, na sigla inglesa).
Na mesma linha, a construção do Taj Mahal, que é um dos sítios mais emblemáticos da Índia, passou a ser estudado de modo bastante diverso, já que o relevo dado até agora ao império Mogol, que o construiu, passa a ser substancialmente apagado.
O site do canal televisivo francês internacional News-24, que desenvolveu um trabalho sobre esta matéria, pormenoriza mais estas amputações: “Capítulos sobre os históricos governantes islâmicos do país estão a ser reduzidos ou eliminados; um capítulo inteiro do livro de história do 12º ano, ‘Reis e crónicas: os tribunais mongóis’, foi eliminado” refere.
Os livros de texto omitem também, de acordo com a mesma fonte, referências aos motins de 2002 no estado indiano de Gujarat, onde centenas de indianos-muçulmanos foram mortos quando Modi era o primeiro-ministro. E, finalmente, são superficiais as referências ao sistema de castas da Índia, com a discriminação de algumas delas e de comunidades minoritárias.
O director do NCERT, Dinesh Prasad Saklani, recusou-se a responder a perguntas do Washington Post sobre estas alterações dos manuais, que já vinham a ser ensaiadas em vários estados e passaram a ter agora uma dimensão nacional. Perante os media indianos, Saklani justificou-as com a necessidade de, com a pandemia, reduzir a carga de estudos dos alunos e salvaguardou que as mudanças foram trabalhadas por “comissões de peritos”.
A história de um país multicultural e multi-religioso, com destaque para os hindus e os muçulmanos, estaria, assim, a ser revista. A mudança no plano educativo seria mais “uma forma de ‘hinduizar’ a história do sul da Ásia e ignorar todos os outros tipos de histórias plurais diversas que existiram”, segundo Utathya Chattopadhyaya, professora de História na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, citada no News-24.
“Está-se, essencialmente, a criar um corpo de estudantes que saem a saber muito pouco sobre a história da justiça social, a história da democracia, a história da diversidade, etc.”, acrescentou a académica.
“O nacionalismo hindu intensificou-se sob Modi. Isto levou a confrontos violentos, ao bulldozing das comunidades indo-muçulmanas e à crescente polarização através da Índia e da sua diáspora global”, refere, a concluir, o canal de televisão francês.