Cinema

“Qual é a diferença entre mentir e não dizer a verdade?”

| 7 Abr 2022

Rahim (Amir Jadidi) tenta religar-se ao seu filho (Saleh Karimai) em Um Herói

Rahim (Amir Jadidi) tenta religar-se ao seu filho (Saleh Karimai) em Um Herói. Foto: Direitos reservados.

 

Confesso que foi por causa da pergunta que serve de título a este texto — lida numa breve crítica (Francisco Ferreira, E, revista do Expresso de 25 de Fevereiro) — que fui ver este filme do realizador iraniano Asghar Farhadi. E não fiquei desiludido, bem pelo contrário.

Um Herói é um muito intrincado enredo à volta de umas moedas de ouro que pareciam ser a salvação, mas afinal se tornam uma maldição. E nós ficamos sem saber o que realmente aconteceu. É um filme com muitas camadas.

No centro do filme, como personagem principal, temos Rahim que está na prisão por causa de uma dívida ao seu ex-cunhado e seu fiador, porque foi enganado pelo sócio. Tem dois dias de precária e vai confiante — o seu sorriso permanente ao longo de quase todo o filme faz-nos acreditar nele e criar empatia com ele — ter com o cunhado que está a trabalhar nas obras de restauro do túmulo de Xerxes. Aquelas muitas escadas que ele sobe no início do filme são, desde logo, a imagem do calvário que ele vai percorrer até acabar por regressar de novo à prisão; do mesmo modo, aquela ‘escavação’ que andam a fazer antecipa os intermináveis interrogatórios a que ele vai ser sujeito. A teia das relações familiares também desempenha um papel relevante no desenrolar do filme.

Estava tudo encaminhado para correr bem: a sua namorada tinha encontrado uma carteira com algumas moedas de ouro, iam vendê-las e começar a saldar a dívida, se o credor aceitasse. Acontece que quando vão vender as moedas estas já não valem tanto como tinha sido dito e Rahim decide não as vender. Rahim é um homem honrado e, mesmo querendo muito conseguir a liberdade, a sua consciência vai levá-lo a tentar devolver as moedas à dona. Consegue fazer isso, mas nada vai acontecer como previsto. Rapidamente, ele e os seus vão ficar enredados numa teia feita de meias-verdades e meias mentiras da qual ele não vai conseguir libertar-se.

Rahim parece honesto e merece uma nova oportunidade, está feliz com a sua nova relação, e a sua namorada também faz tudo para conseguir essa nova felicidade. Mas a desconfiança é um veneno terrível, o ressentimento atrapalha tudo e a inveja ou o ciúme armadilham as relações e as convicções. E as redes sociais são mesmo mortíferas.

“Das malhas familiares aos labirintos da burocracia estatal, ninguém conhece tudo o que está a acontecer (incluindo o espectador), de tal modo que qualquer situação dramática, mesmo a mais anódina, pode transfigurar-se em elemento de um insólito pesadelo — a verdade pode estar enredada numa bizarra coleção de mentiras”, escreveu o crítico do Diário de Notícias, João Lopes.

Estamos no Irão e são o seu sistema judicial e a sua economia, a sua sociedade entre o passado e a modernidade que estão espelhados neste filme. Mas somos, afinal todos nós, com as nossas contradições e os nossos defeitos, as nossas fraquezas e as nossas forças que passamos também por ali.

Como li algures, Asghar Farhadi, a quem interessa sobretudo a honra e a desonra, a reputação de todos os protagonistas, revela na psicologia das personagens a complexidade da vida de todas as pessoas que tentam safar-se com a verdade, sem verdadeiramente mentir.

No final, irreconhecível, Rahim chega à porta da prisão com o filho e a namorada está à sua espera. Ele entra e espera que o chamem. Enquanto espera, a porta que dá para fora permanece longamente aberta. Ele sabe que vai voltar a sair, que alguém esperará por ele. E nós esperamos que esse dia chegue depressa. Afinal, ele é um homem bom que não chegou a ser herói.

Um Herói
de Asghar Farhadi
com Amir Jadidi, Mohsen Tanabandeh, Fereshteh Sadre Orafaee, Sahar Goldust
127 minutos

Manuel Mendes é padre católico e pároco de Esmoriz (Ovar). Este texto foi publicado no número de Abril 2022 da revista Mensageiro de Santo António

 

Conselho de cardeais quer “contribuição das mulheres” sobre a dimensão feminina da Igreja

Dois dias de reunião com o Papa

Conselho de cardeais quer “contribuição das mulheres” sobre a dimensão feminina da Igreja novidade

O conselho dos nove cardeais reunidos esta semana com o Papa Francisco debruçou-se sobre a “dimensão feminina da Igreja” e sublinhou a necessidade de sobre este tema “ouvir, também e sobretudo, cada comunidade cristã, para que os processos de reflexão e de tomada de decisão possam beneficiar da contribuição insubstituível das mulheres”. A informação foi divulgada através de um comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé publicado no dia 6 de dezembro.

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Perto de Alenquer, está a ser preparada uma “festa inter-espiritual” de Natal

Aberta a todos

Perto de Alenquer, está a ser preparada uma “festa inter-espiritual” de Natal novidade

O Santuário e Centro de Retiros Dewachen, na Aldeia Galega da Merceana (Alenquer), vai assinalar o Natal com uma “festa inter-espiritual”. Nesta celebração, que está agendada para o dia 16 de dezembro, praticantes de várias tradições espirituais “apresentarão as suas sabedorias tradicionais e orientarão práticas meditativas que permitirão um melhor conhecimento, teórico-prático, da riqueza, singularidade e convergência” dessas mesmas tradições. Também haverá música, almoço partilhado, a apresentação de um livro e uma mostra de produtos locais.

Confrontos étnicos intensificam-se em Manipur e fazem mais 13 mortos

Comunidade cristã ameaçada

Confrontos étnicos intensificam-se em Manipur e fazem mais 13 mortos novidade

Pelo menos 13 pessoas foram mortas num tiroteio entre dois grupos armados no nordeste do estado de Manipur (Índia), assolado ao longo dos últimos sete meses por episódios de violência étnica e religiosa. O tiroteio aconteceu no início desta semana, mas desde maio que os confrontos se sucedem, tendo já feito, ao todo, mais de 180 vítimas mortais e 40 mil deslocados. A comunidade cristã tem sido particularmente visada, com mais de 350 igrejas arrasadas e sete mil casas destruídas.

A força do Verbo

A força do Verbo novidade

O texto joanino diz-nos: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens” (Evangelho de João 1:1-4). (José Brissos-Lino)

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This