
“…Ou como a Catarina e tantos outros, que deram os seus braços para abraços mesmo à chegada” .Foto: Reprodução Twitter @Cruz Vermelha Espanha
Este ano, o tema do Dia Mundial dos Refugiados, celebrado no passado domingo, 20 de Junho, foi “Juntos superamos, aprendemos e brilhamos”. Trouxe-me à memória o slogan da primeira grande campanha da PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados, que é também o princípio da Cantata de Paz de Sophia: “Vemos, ouvimos e lemos, Não podemos ignorar.” E, depois, a exortação do Papa Francisco na carta Fratelli Tutti: “acolher, proteger, promover e integrar.”
Aparentemente, quando se trata de refugiados, nunca podemos ficar por uma só ação, um só gesto ou um sentido. Nunca pode ser só salvar ou só abraçar (ai de quem…), ou só nutrir ou só dar ou só receber ou participar. Problematizamos e complexificamos. E criticamos os smartphones à tona de água – mas fazemo-los marcar entrevistas por Skype. E que “não querem integrar-se” – mas, quando chegam, deixamo-los à porta. E que “no meio dos bons vêm os maus” – mas somos nós que os recebemos à lei do cassetete e do gás lacrimogéneo. Parece que urge complicar…
Dei por mim a revisitar o que escrevi sobre o assunto, o que estudei e o que li naquele ano de trabalho. E foi como se voltasse a ouvir do medo, da espera, do trauma, da travessia, do campo; a rever o alívio, a esperança, o amor, a Fé, as conquistas; a sentir a saudade, a memória, o riso e os sonhos. Inevitavelmente, tornei a chorar com os muros, a fome, o frio, o silêncio e a falta de respostas.
Desengane-se quem pensa que acabo de dizer à minha mão esquerda o que fez a mão direita. Não fiz nada de particularmente assinalável, apenas o meu trabalho, remunerado, não voluntário. Na cidade onde vivia, num confortável apartamento para onde voltava, todos os dias.
Não larguei tudo, como a Mariana, para ir fundar uma organização de primeira linha e garantir a centenas de refugiados níveis decentes de informação sobre o seu processo de asilo. Ou como o Miguel, que arriscou a vida e a liberdade para salvar vidas no Mediterrâneo. Ou como a Catarina e tantos outros, que deram os seus braços para abraços mesmo à chegada.
“Não sei quanto a vocês, mas às vezes parece que temos estas pessoas dentro de um círculo de fogo que se está a fechar cada vez mais… e mais e mais… e são petições, donativos, projetos, trabalhamos todo o dia, todos os dias, a horas, fora de horas para os manter informados, motivados, vivos… e o círculo de fogo a fechar… a fechar…”, escrevia alguém em 2017 (encontrei isto numas notas soltas da altura e não anotei o autor, mas estou certa de que não fui eu que o escrevi).
Dói, sobretudo porque continua e eu também continuei. O mundo pouco fala deles, mas os muros ainda lá estão. A pandemia agudizou a ausência de respostas e de planos de futuro. Os nacionalismos fechados, a extrema direita e a violência, ganham força a cada dia. A esperança já só corre num fio.
Eu claramente não faço o suficiente. Às vezes, receio que a confiança em Deus faça com que me esqueça da minha própria responsabilidade. Como posso sentar-me e pedir-Lhe “serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar”? A oração não substitui a militância. Se Deus fizer esta vontade a todos os que a manifestam, o que vai ser daqueles que estão em situações pelas quais, aparentemente, nada podemos fazer?
Ana Vasquez trabalha em Comunicação e Marketing