
Bispos portugueses em Fátima, em 2017, durante a visita do Papa Francisco. António Cabral pede uma nova atitude ao episcopado. Foto © Ricardo Perna/Família Cristã
Desgraças:
A primeira e maior a desgraçada desgraça de todas as vítimas, de todas as pessoas abusadas e violentadas na sua dignidade. Não há palavras, não é possível imaginar o inimaginável, o horror, o terror, a lama na alma de quem foi magoado e pisado por quem tinha o poder de defender e amparar. Malditos abusadores, predadores, pedófilos e quejandos…
Segunda desgraça – os bispos da Igreja Católica em Portugal. Uma miséria, uma hipocrisia, uma mentira. Como é possível depois de tudo que é público continuar o encobrimento e falar de perdão dos abusadores?
A atitude dos bispos e da Conferência Episcopal no seu conjunto é uma outra violação, uma outra violência, um outro abuso, ainda mais sórdido e absurdo sobre as vítimas. Pobres vítimas abusadas pelos abusadores sexuais e agora abusadas pelos abusadores espirituais – tão hipócritas e maleficentes como os outros. Os senhores não são pastores, são, tão só, servidores do único Pastor que dá vida – Cristo Ressuscitado.
No meio desta miséria humana e espiritual vislumbro duas ténues oportunidades:
O surgimento de um Estado português finalmente laico e livre de todos os poderes eclesiásticos, de concordatas e outras histórias de medo e poder.
Senhores administradores e governantes de Portugal façam esta coisa bem simples – apliquem às igrejas, suas instituições e agentes as leis gerais. Ponham tudo e todos a pagar impostos, a contribuir para o bem comum – mexam nessa coisa que faz mover as hierarquias eclesiásticas e todos os poderes instalados – o dinheiro. O Estado ganha e os impostos que vierem da Igreja e seus membros podem e devem ser canalizados para as vítimas a fim de minorar a desgraça que lhe foi imposta e silenciada dentro da instituição.
Esta é uma matéria particularmente difícil para os estados e para as igrejas, mas é o caminho mais limpo, mais evangélico e mais justo para todos. Uma Igreja mais pobre, mais ligeira e peregrina será muito mais sinal dos tempos e dos lugares novos e mais próxima de todos os caminhantes.
A segunda oportunidade, talvez última, é ainda para a Igreja: por favor torne-se evangélica, servidora, caminhante do Reino de Deus.
É urgente abandonar o clericalismo, a misoginia, o patriarcado, o poder machista… uma Igreja povo de Deus com mulheres e homens lado a lado, com casadas e casados a receber o sacramento da ordem e a governar paróquias e dioceses até chegarmos à possibilidade de um dia termos em Roma uma “papisa”.
Quanta conversão, quanta mudança, quanta vontade de recomeçar?
Todos sabemos que muita da teologia oficial é apenas expressão de poder e exercício académico de dogmas e normas. Todavia, Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida – é Nele e com Ele que a humanidade é convidada a caminhar. Sem isso tudo é vão, opressão e pesadelo.
Pois bem, por último, um sonho:
na vigésima quinta hora, os bispos portugueses partiram todos, acompanhados por todos os padres abusadores e pedófilos e rumaram a um qualquer paraíso terreno. Foram de férias prolongadas e a nossa esperança é que tardem em voltar… e por fim os que regressam sejam verdadeiros discípulos de Jesus Cristo e servidores do seu Evangelho e do povo que caminha na fé, na esperança e na caridade… assim o esperamos em Deus, Salvador da Humanidade.
António Cabral foi missionário católico em Moçambique; licenciado em Teologia pela Universidade Católica, fez pós-graduação em Espiritualidade na Vida Consagrada, em Madrid. Deixou o ministério de padre em 2005.