
Imagem retirada do documentário sobre A Terceira Via: Homossexualidade e a Igreja Católica
A Igreja Anglicana sofreu uma cisão por causa da aceitação de parceiros em união homossexual pedirem a um sacerdote a bênção da mesma [ver notícia no 7MARGENS].
O que aconteceria se fosse o Papa Francisco a propô-lo? Em Fátima, se os sacerdotes abençoam qualquer objecto que uma pessoa eleve, sem qualquer discriminação, que razões teriam para discriminar a bênção do relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo senão por questões igualmente ideológicas? Ou por questões teológicas serão capazes de sobrepor os objectos às relações?
Na Igreja Católica, sempre se distinguiu o acto da pessoa que o pratica. Um acto pode distorcer e prejudicar realidades profundas, mas amamos a pessoa que o pratica, seja amigo ou inimigo, porque Jesus não fez acepção de pessoas, e quem se considera cristão também não o deve fazer. Educar os cristãos para reflectir, em vez de reagir, é urgente para agir com sabedoria diante de possíveis cismas. E ninguém melhor do que os católicos que se reconhecem homossexuais para nos ajudar a compreender o percurso sábio a seguir.
Em outubro de 2014, a Backstone Films divulga pelo YouTube um documentário de 40 minutos sobre A Terceira Via: Homossexualidade e a Igreja Católica.
As histórias de sofrimento de pessoas demonizadas pelos outros por sentirem atração por pessoas do mesmo sexo ajuda-nos a colocarmo-nos na sua pele, desafia a nossa capacidade para a empatia e qualquer opinião que possamos ter sobre o assunto. O ponto-chave da intuição do caminho a seguir foi a descoberta que estas pessoas fizeram da castidade depois de começarem a aprofundar a sua relação com Deus. Isto é, partilham uma escolha que lhes parecia natural, encontrando a necessidade humana de ser amado por outro no seio das comunidades paroquiais que as acolheram.
A sociedade em geral, e alguns cristãos em particular, têm dificuldade em distinguir sexualidade de genitalidade. A sexualidade envolve a totalidade de nós mesmos no entrelaçar entre corpo, mente e espírito numa unidade indivisa, e daí a palavra indivíduo. A alma gémea é considerada por diversos psicólogos e psiquiatras como um mito (ver Sinais de Alerta, de Rino Ventriglia, Cidade Nova, 2015) que significa sermos seres completos, sem precisar de outras pessoas para nos completar. Por outro lado, a experiência cristã daqueles que acreditam em Deus é a de que Ele nos completa quando Lhe abrimos as portas do coração (entendido também como a totalidade do nosso ser). Por isso, os homens e mulheres católicos naquele documentário testemunham ter encontrado a “terceira via” como a via do amor para viver a sua orientação sexual, onde a parte física deixa de fazer sentido por restringir a experiência sexual à sua expressão genital, mostrando como a castidade não é a repressão sexual que uma sociedade desinformada lhes quer vender, mas expansão sexual aos relacionamentos de amor-ágape (dom-total-de-si-mesmo) que podemos nutrir no seio das nossas comunidades. Um só é o amor, o amor a Deus. Tudo o resto são expressões visíveis materiais das realidades profundas espirituais.
Quando um homem ou mulher se apresentam num grupo, não dizem “Olá, o meu nome é X e sou heterossexual”; mas uma pessoa cuja orientação sexual se dirige para o mesmo sexo, não hesita em apresentar-se como gay. Por que razão reduz a sua pessoa à sua orientação sexual? No documentário, David testemunha ter deixado de se identificar como homossexual para se identificar como homem católico. Descobriu a sua masculinidade depois de ter descoberto o amor de Deus, orientando-se sexualmente para o amor aos outros através da comunidade que o acolheu e onde agora ele acolhe também. Posso não aceitar a homossexualidade por não ser a máxima expressão da diversidade no amor humano, mas posso acolher quem se reconhece homossexual porque o autêntico amor humano é (ou podia ser acima de tudo) amor divino entre dois corações que desejam ser puros.
O argumento da Lei Natural induz muitos a não aceitarem aquele que se afirma como homossexual. A natureza não orientou os nossos corpos para evoluirmos através das relações genitais entre pessoas do mesmo sexo. Mas os nossos sentimentos têm, também, raízes físicas, pelo que sentimentos homossexuais se enquadrariam na Lei Natural.
Aparentemente, pela experiência de católicos com sentimentos homossexuais, a descoberta do Amor de Deus desperta o desejo de se darem totalmente a Ele através do amor a todos os outros, homens e mulheres. Qualquer união de facto com outra pessoa do mesmo sexo parece pequena demais e daí que a bênção deixe de fazer sentido por deixar de fazer sentido aquela relação em particular. O mesmo acontece com aqueles que acabam por dar toda a sua vida a Deus numa consagração leiga ou sacerdotal: orientam a sua sexualidade para Deus.
Miguel Panão é professor no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. Para acompanhar o que escreve pode subscrever a Newsletter Escritos em https://tinyletter.com/miguelopanao. Contacto: miguel@miguelpanao.com