
Além de protestar contra o prolongamento indefinido do seu tempo de reclusão, Ezequiel Costa Ribeiro queixa-se também do tratamento clínico a que tem sido sujeito no estabelecimento prisional. Foto © Rattanakun.
Está em greve de fome há pelo menos uma semana um recluso do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo (Matosinhos), em protesto pelo seu elevado tempo de detenção, que ultrapassa já os 37 anos, e sem quaisquer perspetivas de poder sair, numa situação que é “equiparada a prisão perpétua” e portanto “completamente inaceitável”, denunciou ao 7MARGENS o presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (OVAR), Manuel Almeida dos Santos.
O recluso em causa, Ezequiel Costa Ribeiro, de 56 anos, foi detido quando tinha apenas 19 e condenado (por homicídio, na sequência de envolvimento numa zaragata) a uma pena que não ultrapassava os 20 anos. “Mas ainda hoje continua preso, quando a pena de prisão em Portugal, por lei, não pode ir além dos 25 anos”, explica o responsável da OVAR, instituição da Igreja Católica de apoio aos reclusos e seus familiares.
Mas porque continua Ezequiel detido? “A justificação que dão é que ele tem esquizofrenia paranóide e que por isso tem de continuar sujeito a medidas de segurança, mas a verdade é que há muitas pessoas com a mesma doença em liberdade, ou que estão internadas em hospitais civis”, refere ao 7MARGENS Manuel Almeida dos Santos, acrescentando que “o Ezequiel está naquilo que eufemisticamente é chamado de clínica psiquiátrica do estabelecimento prisional, o que na prática é na mesma a prisão”.
De resto, o responsável da OVAR, que conhece e visita Ezequiel praticamente todas as semanas há já 15 anos, foi impedido de o fazer no passado sábado. “Não me deixaram visitá-lo, porque foi colocado na cela de isolamento, e também não autorizaram a visita do capelão prisional, o que é uma violação da Concordata [entre a República Portuguesa e a Santa Sé], já que esta diz que a Igreja tem direito a exercer a sua atividade religiosa em todo o território e não há nenhuma ressalva”, alerta.
Além de protestar contra o prolongamento indefinido do seu tempo de reclusão, Ezequiel Costa Ribeiro queixa-se também do tratamento clínico a que tem sido sujeito no estabelecimento prisional. “A medicação que lhe dão, com psicotrópicos fortes, está a causar-lhe perturbações físicas e psíquicas, mas a médica psiquiatra que o acompanha na prisão insiste em não fazer alterações”, explica o presidente da OVAR, referindo que outro psiquiatra fora do estabelecimento prisional é da opinião de que aquela não é, de facto, a medicação mais adequada a Ezequiel. “Também já pedimos muitas vezes que ele fosse avaliado por um psiquiatra externo e recusaram sempre”, acrescenta.
“Não há transparência das autoridades portuguesas”
Apesar dos problemas de saúde, “todos os sábados, era o Ezequiel que preparava o espaço para a celebração da missa na prisão, escolhia os cânticos, organizava o coro e lia a primeira leitura”, assinala Manuel Almeida dos Santos.
O responsável da OVAR sabe, no entanto, que, nos relatórios periódicos apresentados pelos técnicos do estabelecimento prisional tendo em vista a reavaliação da situação, é referido “que ele não manifesta vontade de participar em qualquer atividade na prisão”. “Eu sou testemunha de que isso não é verdade”, assegura. “O que acontece é que, por um lado, as atividades de natureza espiritual e religiosa não são valorizadas pelos técnicos e, por outro, o Ezequiel pediu várias vezes para participar em outras atividades e não permitiram, alegando que no estado psiquiátrico dele não é aconselhável.”
Esta não é a primeira vez que Ezequiel Costa Ribeiro manifesta o seu descontentamento face ao prolongamento indefinido da sua reclusão, tendo no ano passado feito queixa ao Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT), que na sequência disso visitou o Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo para avaliar a situação em que se encontrava. O relatório dessa visita “já está na posse do Governo português, que no entanto não o divulga”, lamenta Manuel Almeida dos Santos. “Sei que a equipa do Comité conversou com o Ezequiel e isso consta certamente do relatório, mas infelizmente não há transparência das autoridades portuguesas, e esta cultura de opacidade é incompatível com aquilo que se diz que é um país democrático.”
O responsável da OVAR soube esta quinta-feira de fontes do estabelecimento prisional que Ezequiel terá sido transferido nas últimas horas de Santa Cruz do Bispo para o Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias, mas desconhece os motivos que levaram à transferência. O 7MARGENS contactou o Ministério da Justiça na passada terça-feira, 9 de maio, para obter esclarecimentos sobre o caso, mas até às 15 horas desta quinta-feira não obteve qualquer resposta.