
Igreja matriz de Numão (Foz Coa). Foto © Vitor Oliveira/ Wikimedia Commons
Numa altura em que o transcendente perde território para o ceticismo, os dogmas religiosos são cada vez mais escrutinados pela população; tal atitude espelha-se na redução do número de católicos em comparação com os valores de 2011, utilizando os dados do Censos 2021. As comunidades evangélicas têm vindo a registar o movimento oposto.
Local de residência Dados de 2011 | Religião | |
Católica | Protestante | |
Portugal | 7.281.887 | 75.571 |
Continente | 6.893.708 | 73.731 |
Fonte: INE
Segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística relativos aos indicadores de pertença religiosa em Portugal, se em 2011 os católicos eram 7.281.887 (6.893.708 no Continente), equivalente a 81% da população, o ano de 2021 trouxe dados diferentes. Neste ano, a religião católica contava com 7.043.016 (80,199%) crentes. Já os evangélicos aumentaram de 75.571 em todo o país para 186.832 – o equivalente a 2,172% da população; tornaram-se assim na segunda denominação com mais crentes (abaixo, no entanto, da posição “sem religião”, com 14,087%).
Gráfico 1 – Identificação religiosa da população portuguesa, de acordo com os dados recolhidos no Censos 2011
Gráfico 2 – Identificação religiosa da população portuguesa, de acordo com os dados recolhidos no Censos 2021
O padre Francisco Simões, 39 anos, pároco da Brandoa (Amadora), não se assusta com a descida do número de católicos. Pelo contrário, acredita que “é bom existirem cada vez menos fiéis, pois esse será o caminho normal a percorrer”. E acrescenta: “Qualquer dia estaremos a vender igrejas, uma vez que deixou de existir uma procura coletiva da religião, para uma individualização da prática”. Mas o horizonte é positivo, considera.
O padre Francisco acrescenta ainda que prevê que se vá “voltar a um exercício do fenómeno religioso de uma forma muito mais pura e correta”. Passaremos de um catolicismo vivido pelas pessoas apenas por tradição familiar, para um catolicismo de adesão pessoal. Isso é “muito bom pois transforma-nos em mais do que uma simples religião cultural”.
Um futuro que poderá preocupar
Apesar da “descida significativa dos resultados estatísticos, cerca de 80% da população portuguesa identifica-se com a religião católica”, o que não deixa de continuar a ser significativo. Aliada à mudança que descrevem os dados relativos aos Censos 202, verifica-se uma “falta de sensibilização para com o tema da religião nos média”, observa António Marujo, 61 anos, jornalista do 7MARGENS. As redações, “ao não investirem na questão religiosa, estão a cometer um erro crasso, pois esse é um assunto que interessa às pessoas”. E acrescenta: “Se os jornalistas querem retratar a realidade, têm, obrigatoriamente, de abranger a dimensão da religião que também revela ser um instrumento muito útil para dar resposta, por exemplo, a questões de política internacionais”.
Não podemos, contudo, apontar o dedo aos meios de comunicação e acusá-los de serem o principal “inimigo” da Igreja institucional, porque “os média procuram refletir aquilo que acontece”. E acrescenta: “Claro que há fatores importantes que poderão fazer com que as pessoas repensem a sua relação com a instituição, como a sucessão de notícias sobre casos de abusos sexuais na Igreja Católica, mas será despropositado dizer que os resultados foram ditados, unicamente, por causas mediáticas”, afirma o jornalista.
Tal descida dos números de cristãos justificar-se-á também com o facto de a população portuguesa estar mais envelhecida. Os Censos 2021 revelam um aumento de 20,6%, desde 2011, do total de portugueses residentes com 65 ou mais anos de idade, o que equivale a 23,4% da população nacional, e uma redução acentuada da taxa bruta de natalidade entre os mesmos anos.
Taxa bruta de natalidade | |
2011 | 9,2% |
2021 | 7,7% |
Fonte: INE, PORDATA
Para além disso, o padre Francisco nota que “a individualidade espiritual que se tem verificado entre os portugueses e a cada vez maior oposição à moral católica” são outras grandes razões que justificam a diminuição de católicos.
Uma luz ao fundo do túnel
Se desceu o número de católicos, subiu o dos evangélicos nos últimos 10 anos. Em 2011 eram 75.571 fiéis portugueses. Hoje, ultrapassam os 186.000 – ou seja, 2,127% da população. Confrontado com os números, Paulo Gomes, 53 anos, diretor geral no Monte Esperança Instituto Bíblico, professor de teologia e pastor evangélico na Igreja Para Todos, na Pontinha (Odivelas), revelou-se pouco surpreendido: “Houve um aumento de brasileiros a imigrarem para Portugal; sendo o evangelismo a religião que prospera na sua terra natal, estranho seria se não mantivessem essa filiação à crença”.
Esta afirmação confirma-se com os dados do Gabinete de Estratégia e Estudos que, em cooperação com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Instituto Nacional de Estatística, registou os dados de 2000 a 2020 (referem-se aqui apenas os anos de 2011 e 2020), que permitem concluir que o número de brasileiros em Portugal aumentou. Em 2011, viviam em Portugal 111.445 brasileiros. Em 2020, eram 183.993.
2011 | 2020 | |
Brasileiros em Portugal | 111.445 | 183.993 |
Homens | 47.518 | 81.320 |
Mulheres | 63.927 | 102.673 |
Fonte: INE, PORDATA
Um trabalho contínuo
O responsável evangélico reconhece que “ainda há uma enorme falta de comunicação eficiente com os média, mesmo havendo uma tentativa da nossa parte em contactá-los nem que seja para que consigamos garantir uma maior proximidade para com a nossa comunidade, ou simplesmente para ser divulgada a nossa realidade”. Paulo Gomes justifica: “Essa melhoria seria bastante importante para nós como instituição religiosa, tal como para as próprias pessoas.”
Nesta mesma linha está o padre Francisco, que acredita que “falta um porta-voz” cuja função seja “criar um elo entre a instituição católica e os órgãos de comunicação”.
Ninguém pode prever o avanço ou o declínio da religião em Portugal. Não se sabe se deixarão de existir algumas igrejas ou se os números continuarão a sofrer significativas alterações. Certo é que a religião “desempenha um papel importantíssimo para a nossa vida”, diz o pároco católico da Brandoa. “Se a religião não existisse, o mais provável seria também não existirmos, porque desde cedo que o Homem procurou a ajuda do transcendente para a explicação de certos acontecimentos, como a chuva e a trovoada, e também tem sido um caminho para encontrar respostas aos dilemas que nos acompanham”.
“Assistiremos a uma recomposição do fenómeno religioso”, acrescenta o padre Francisco. “Cabe-nos a nós recebê-la de braços abertos, pois com ela virá uma vitalidade enorme. A vitalidade de que poderemos estar a necessitar”.
Ruben Fernandes é aluno da Universidade Lusófona; este trabalho foi feito no âmbito da cadeira de Jornalismo de Investigação e cedido para publicação no 7MARGENS.