Estudo

Recomposição Religiosa em Portugal: entre a crença e a descrença

| 19 Mar 2023

Igreja Numão, Foz Coa, Lamego

Igreja matriz de Numão (Foz Coa). Foto © Vitor Oliveira/ Wikimedia Commons

 

Numa altura em que o transcendente perde território para o ceticismo, os dogmas religiosos são cada vez mais escrutinados pela população; tal atitude espelha-se na redução do número de católicos em comparação com os valores de 2011, utilizando os dados do Censos 2021. As comunidades evangélicas têm vindo a registar o movimento oposto.

 

Local de residência Dados de 2011 Religião
Católica Protestante
Portugal 7.281.887 75.571
Continente 6.893.708 73.731

Fonte: INE

 

Segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística relativos aos indicadores de pertença religiosa em Portugal, se em 2011 os católicos eram 7.281.887 (6.893.708 no Continente), equivalente a 81% da população, o ano de 2021 trouxe dados diferentes. Neste ano, a religião católica contava com 7.043.016 (80,199%) crentes. Já os evangélicos aumentaram de 75.571 em todo o país para 186.832 – o equivalente a 2,172% da população; tornaram-se assim na segunda denominação com mais crentes (abaixo, no entanto, da posição “sem religião”, com 14,087%).

 

Gráfico 1 – Identificação religiosa da população portuguesa, de acordo com os dados recolhidos no Censos 2011

 

Gráfico 2 – Identificação religiosa da população portuguesa, de acordo com os dados recolhidos no Censos 2021

 

O padre Francisco Simões, 39 anos, pároco da Brandoa (Amadora), não se assusta com a descida do número de católicos. Pelo contrário, acredita que “é bom existirem cada vez menos fiéis, pois esse será o caminho normal a percorrer”. E acrescenta: “Qualquer dia estaremos a vender igrejas, uma vez que deixou de existir uma procura coletiva da religião, para uma individualização da prática”. Mas o horizonte é positivo, considera.

O padre Francisco acrescenta ainda que prevê que se vá “voltar a um exercício do fenómeno religioso de uma forma muito mais pura e correta”. Passaremos de um catolicismo vivido pelas pessoas apenas por tradição familiar, para um catolicismo de adesão pessoal. Isso é “muito bom pois transforma-nos em mais do que uma simples religião cultural”.

 

Um futuro que poderá preocupar

Apesar da “descida significativa dos resultados estatísticos, cerca de 80% da população portuguesa identifica-se com a religião católica”, o que não deixa de continuar a ser significativo. Aliada à mudança que descrevem os dados relativos aos Censos 202, verifica-se uma “falta de sensibilização para com o tema da religião nos média”, observa António Marujo, 61 anos, jornalista do 7MARGENS. As redações, “ao não investirem na questão religiosa, estão a cometer um erro crasso, pois esse é um assunto que interessa às pessoas”. E acrescenta: “Se os jornalistas querem retratar a realidade, têm, obrigatoriamente, de abranger a dimensão da religião que também revela ser um instrumento muito útil para dar resposta, por exemplo, a questões de política internacionais”.

Não podemos, contudo, apontar o dedo aos meios de comunicação e acusá-los de serem o principal “inimigo” da Igreja institucional, porque “os média procuram refletir aquilo que acontece”. E acrescenta: “Claro que há fatores importantes que poderão fazer com que as pessoas repensem a sua relação com a instituição, como a sucessão de notícias sobre casos de abusos sexuais na Igreja Católica, mas será despropositado dizer que os resultados foram ditados, unicamente, por causas mediáticas”, afirma o jornalista.

Tal descida dos números de cristãos justificar-se-á também com o facto de a população portuguesa estar mais envelhecida. Os Censos 2021 revelam um aumento de 20,6%, desde 2011, do total de portugueses residentes com 65 ou mais anos de idade, o que equivale a 23,4% da população nacional, e uma redução acentuada da taxa bruta de natalidade entre os mesmos anos.

 

Taxa bruta de natalidade
2011 9,2%
2021 7,7%

 

Fonte: INE, PORDATA

 

Para além disso, o padre Francisco nota que “a individualidade espiritual que se tem verificado entre os portugueses e a cada vez maior oposição à moral católica” são outras grandes razões que justificam a diminuição de católicos.

 

 

Uma luz ao fundo do túnel

Se desceu o número de católicos, subiu o dos evangélicos nos últimos 10 anos. Em 2011 eram 75.571 fiéis portugueses. Hoje, ultrapassam os 186.000 – ou seja, 2,127% da população. Confrontado com os números, Paulo Gomes, 53 anos, diretor geral no Monte Esperança Instituto Bíblico, professor de teologia e pastor evangélico na Igreja Para Todos, na Pontinha (Odivelas), revelou-se pouco surpreendido: “Houve um aumento de brasileiros a imigrarem para Portugal; sendo o evangelismo a religião que prospera na sua terra natal, estranho seria se não mantivessem essa filiação à crença”.

Esta afirmação confirma-se com os dados do Gabinete de Estratégia e Estudos que, em cooperação com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Instituto Nacional de Estatística, registou os dados de 2000 a 2020 (referem-se aqui apenas os anos de 2011 e 2020), que permitem concluir que o número de brasileiros em Portugal aumentou. Em 2011, viviam em Portugal 111.445 brasileiros. Em 2020, eram 183.993.

 

2011 2020
Brasileiros em Portugal 111.445 183.993
Homens 47.518 81.320
Mulheres 63.927 102.673

Fonte: INE, PORDATA

 

Um trabalho contínuo

O responsável evangélico reconhece que “ainda há uma enorme falta de comunicação eficiente com os média, mesmo havendo uma tentativa da nossa parte em contactá-los nem que seja para que consigamos garantir uma maior proximidade para com a nossa comunidade, ou simplesmente para ser divulgada a nossa realidade”. Paulo Gomes justifica: “Essa melhoria seria bastante importante para nós como instituição religiosa, tal como para as próprias pessoas.”

Nesta mesma linha está o padre Francisco, que acredita que “falta um porta-voz” cuja função seja “criar um elo entre a instituição católica e os órgãos de comunicação”.

Ninguém pode prever o avanço ou o declínio da religião em Portugal. Não se sabe se deixarão de existir algumas igrejas ou se os números continuarão a sofrer significativas alterações. Certo é que a religião “desempenha um papel importantíssimo para a nossa vida”, diz o pároco católico da Brandoa. “Se a religião não existisse, o mais provável seria também não existirmos, porque desde cedo que o Homem procurou a ajuda do transcendente para a explicação de certos acontecimentos, como a chuva e a trovoada, e também tem sido um caminho para encontrar respostas aos dilemas que nos acompanham”.

“Assistiremos a uma recomposição do fenómeno religioso”, acrescenta o padre Francisco. “Cabe-nos a nós recebê-la de braços abertos, pois com ela virá uma vitalidade enorme. A vitalidade de que poderemos estar a necessitar”.

 

Ruben Fernandes é aluno da Universidade Lusófona; este trabalho foi feito no âmbito da cadeira de Jornalismo de Investigação e cedido para publicação no 7MARGENS.

 

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