
Maria Sousa Soares, directora pedagógica do Colégio Nossa Senhora da Paz: pode ser um “tempo fantástico para descobrir o que é essencial”. Foto: Direitos reservados.
Como se prepara uma escola para regressar à presença física? E se essa escola tiver uma matriz religiosa? Pode ser um “tempo fantástico para descobrir o que é essencial”. Todos, professores, pais e alunos “sentem que estamos no mesmo barco, uma espécie de consolo e de esperança”. É preciso “encontrar um equilíbrio com valores como a responsabilidade e o cuidado com o outro”, vividos na confiança em Deus e sem medo.
Com estas expressões, três responsáveis de escolas confessionais de diferentes credos – uma católica, uma cristã adventista e uma islâmica – manifestam as suas apreensões e confiança em relação à reabertura de aulas presenciais que, em tempos estranhos de pandemia, esperam que corra da melhor maneira possível.
“Sabemos que muitas crianças estão mais nervosas e há um clima de medo. Algumas virão de famílias mais liberais, que consideram que há demasiadas regras, outras de famílias mais exigentes, que pensam que o que estamos a fazer é pouco”, explica Tiago Alves, director pedagógico do Colégio Adventista de Oliveira do Douro (Gaia), ao 7MARGENS.
“O que vamos tentar é nunca perder os valores como a confiança em Deus e a esperança, e encontrar um equilíbrio com outros valores como a responsabilidade e o cuidado com o outro. Porque não basta confiar em Deus, é preciso fazermos a nossa parte e envolvendo toda a comunidade escolar”, acrescenta Tiago Alves.
Este pode ser “um tempo fantástico para descobrir o que é essencial para construir comunidades abertas e felizes”, diz, entretanto, Maria Sousa Soares, responsável pedagógica do Colégio Nossa Senhora da Paz, no Porto. A escola, que pertence à congregação católica das Irmãs Doroteias, já definira antes da pandemia o tema para o ano, que não foi alterado: “Construir comunidade abertas e felizes para a transformação do mundo.” Um propósito comum às nove instituições educativas das doroteias (que, entre si, abarcam todos os níveis de ensino, incluindo uma escola superior de educação, com estatutos de IPSS ou de escolas privadas).
Maria Sousa Soares dá um exemplo que vem destas semanas de preparação, entre os professores (a escola tem cerca de 550 alunos, dos 3 anos ao 12º ano de escolaridade): “A equipa do 1º ciclo só circula pelos seus espaços e isso veio reforçar enormemente os laços dentro da equipa; as pessoas refizeram-se como grupo, concentraram-se no que é essencial.”
Já Ouweiz Usmanmia, director pedagógico da International School of Palmela, a escola islâmica criada em 1998, nota que “tudo o que era normal – jogar à bola, estarem uns com os outros, manifestar afectos – deixa de o ser”. Professores e alunos “vão ter de se conter” em relação à proximidade física e afectiva, mas isso já foi sendo tema de conversa na parte final do ano lectivo passado, nas aulas por vídeo.
“As aulas à distância correram bem, a relação foi-se fortalecendo. Agora, para alguns que já iniciaram as aulas, “já se deu o passo do encontro pessoal, já não há ecrã; e isso é um consolo e um salto muito grande”, observa Usmanmia, como num suspiro de contentamento.
“Colocámos os pais a par de tudo”

Alunos do colégio islâmico de Palmela na Mesquita Central de Lisboa, numa competição de recitação do Alcorão. As aulas de cultura e história islâmica são uma componente extra que a escola oferece. Foto: Direitos reservados.
No caso do colégio islâmico de Palmela, falamos de uma escola com quase 300 alunos, desde o pré-escolar ao 12º ano, praticamente uma turma por ano. Escola pequena, situada num meio urbano relativamente pequeno, também isso joga a favor da qualidade da relação humana que se estabelece: “Os professores têm uma relação com a comunidade, porque facilmente se encontram com os pais também fora da escola”, observa. “Há um contacto directo, uma relação forte. E agora todos sentem que estamos no mesmo barco.”
A preparação do novo ano lectivo nas três escolas foi intensa, mas correu bem: conversas permanentes com autoridades de saúde, também no âmbito da Associação do Ensino Particular e Cooperativo. Na escola de Palmela, o principal problema é que muitos alunos vêm de distâncias até 50 quilómetros. Tendo em conta a lotação limitada a que os transportes têm de obedecer, isso implicará mais transportes e uma factura mais pesada nas contas da escola.
De resto, não houve grandes dificuldades em seguir as orientações da Direcção Geral da Saúde (DGS): o espaço da escola é aberto e o facto de haver apenas 15-17 alunos por turma permite o distanciamento físico, mesmo dentro das salas de aula. Os intervalos serão desfasados para os diferentes graus de ensino, que usarão também espaços diferentes.
Os pais têm pedido informação, diz Ouweiz Usmanmia, e estão sobretudo preocupados com a segurança dos filhos e com o que se deve fazer se surgir um caso de covid na escola. “Desde o início colocámos os pais a par de tudo.” Como a escola já começou, na semana passada, com o pré-escolar e algumas turmas da primária, vai-se testando o funcionamento aos poucos até à próxima quarta-feira, 16 de Setembro, quando estarão todas as turmas já em aulas.
Com uma maioria de alunos sunitas (o principal ramo do islão), o colégio oferece, além do currículo normal, aulas de recitação do Alcorão, de história do islão e dos Hadith (ensinamentos) do profeta. Também aqui serão seguidas as orientações das restantes aulas, com o desfasamento de horários ou distanciamento físico. Em tudo, o essencial será sempre manter vivo o afecto e a relação positiva entre professor e aluno, insiste Ouweiz Usmanmia.
Confiança em Deus e esperança contra o medo

Entrada do Colégio Adventista de Oliveira do Douro: “Conversar com Deus e acalmar os espíritos.” Foto: Direitos reservados.
Com um campus de aproximadamente quatro hectares, salas e serviços espalhados por cinco edifícios, capacidade para 350 alunos e apenas 175 inscritos, o Colégio Adventista de Oliveira do Douro, em Vila Nova de Gaia, também não está preocupado com a falta de espaço. Aqui, ao contrário do que acontece na maioria das escolas, manter o distanciamento físico é uma missão possível.
A escola conseguiu o milagre da multiplicação: três refeitórios em vez de um, espaço exterior reorganizado, de forma a que cada ciclo (do pré-escolar ao 9º ano) tenha a sua própria área de recreio. E ainda casa de banho, horários de entrada, intervalos e saída diferenciados. As reuniões de pais serão todas por vídeo e nenhum adulto entra na escola, à excepção dos professores e funcionários.
Mas se cumprir as obrigações legais em tempos de pandemia é uma das prioridades do colégio da União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia, o principal desafio é “integrá-las e alinhá-las com a filosofia educacional e os valores da escola”, sublinha Tiago Alves. Por isso, o director pedagógico da escola espera que, aí, a oração e a música tenham um papel essencial, “ainda mais importante do que até agora”.
“Na primeira aula do dia, os 15 minutos iniciais serão para conversar com Deus e acalmar os espíritos”, diz, admitindo que “até poderá ser mais tempo, se forem aulas de Educação Moral e Religiosa, ou no caso das crianças do pré-escolar”.
Esse tempo de oração poderá frequentemente tornar-se num momento de louvor, com direito a música ao vivo. Como a música é uma das atividades extracurriculares oferecidas pelo colégio, é frequente que professores e alunos levem os seus instrumentos para as aulas, nomeadamente guitarras. “Não podem é partilhá-las, o que já sei que vai ser difícil”, antevê.
Difícil será também a gestão da demonstração dos afectos. “Esta é uma questão extremamente delicada, que exigirá coerência e bom senso. Assim como brincar faz parte do crescimento, também faz parte a partilha de afectos”, sublinha Tiago Alves, recordando que “o próprio Jesus misturava-se, dava-se e usava afectos e toques na forma como ensinava”.
Também aqui, a reabertura foi progressiva: o pré-escolar desde Junho, as atividades de férias desde julho. A experiência, até agora, é positiva e o grande objectivo para o ano que agora se inicia está definido: “Queremos consolidar a nossa identidade de alguém que confia em Deus, que vive com esperança e que não vive debaixo dos medos”, resume Tiago Alves. “Essa é a caminhada que temos de fazer e é importante que a façamos juntos.”
“Humildade e aprendizagem”

Ponto de reciclagem na escola Nossa Senhora de Paz, destinado apenas a um grupo de alunos: “Eu uso e devo ter o cuidado em relação aos outros, limpando depois de usar.” Foto: Direitos reservados
No Colégio Nossa Senhora da Paz, em pleno centro do Porto, também se cumpriram com relativa facilidade as orientações da DGS, tendo em conta que a escola abarca desde o pré-escolar ao 12º ano: “A estratégia principal foi criar espaços bolha”, o que foi possível uma vez que a escola tem espaço suficiente: corredores largos, salas de aula espaçosas, recreios grandes e dois refeitórios que passaram a cinco (para os alunos) e um para adultos, que passou a quatro. “Aproveitámos tudo o que era possível”, diz Maria Sousa Soares.
Os 550 alunos foram divididos em seis grupos, cada um com os seus espaços próprios, seja nos acessos, salas de aula ou refeitórios. Houve dois objectivos neste trabalho: “Que os alunos pudessem aprender presencialmente com o seu professor; e crescer na relação com os colegas de grupos próximos.”
“Como é um colégio pequeno e familiar, abandonámos a ideia de que todos os alunos poderiam circular livremente por todos os espaços, para nos centrarmos no grupo mais próximo”, diz Maria Sousa Soares. E, neste processo, os pais puderam fazer todas as perguntas, colocadas depois numa base de dados e, se necessário, remetidas para a delegada de saúde, já com as respostas que a escola propunha.
Só no recreio a lógica não foi a da separação dos alunos, mas a dos espaços e das actividades em zonas diferentes, pelas quais todos passam rotativamente, depois da respectiva desinfecção. Neste capítulo, os responsáveis da escola também querem que cada aluno dê o seu contributo: haverá apelos à desinfecção permanente e autónoma, não só das mãos, mas também dos espaços: “Eu uso e devo ter o cuidado em relação aos outros, limpando depois de usar”, por exemplo, a cadeira e a parte da mesa do refeitório. “O lado positivo é o de criar sentido de responsabilidade e de cuidado pelo outro”, diz a responsável pedagógica.
“O melhor é centrarmo-nos na riqueza e a grande riqueza deste tempo é associada à humildade e à aprendizagem: perante situações como esta, o que podemos aprender?”, explica Maria Sousa Soares, para dizer que notícias que vão chegando de outras escolas são também para aproveitar e aprender.
E mesmo entre professores e funcionários “há uma revisão dos afectos e das relações potenciada pelos espaços-bolha.” E se no capítulo da afectividade os adultos não podem tomar a iniciativa do contacto físico, também não a devem rejeitar se o aluno assim o fizer: “A criança não pode nunca ser rejeitada, mas não posso ser a tomar a iniciativa de fazer uma carícia ou dar um abraço, como acontecia quando passava por eles”, diz a responsável. O que obriga a criar “um código não-verbal e à revisão social do código dos afectos”. Mas “os miúdos são muito rápidos a aprender”, diz.
As crianças e jovens, já percebeu Maria Sousa Soares, “não falam muito sobre o que se está a passar”. “Integraram isso, mas não sei se daqui a tempo vão recordar ou ficar afectadas de algum modo. Eles são criativos, as formas de expressar surgirão. E o amor será mais forte do que outras coisas”, antecipa.