Pré-publicação

“Respira-se na mística portuguesa a urgência do abraço”

| 8 Set 2023

Ilustração da capa do livro, da autoria de Catarina Grilo

 

Neste sábado, 9 de Setembro, o simpósio sobre História da Espiritualidade e da Mística em Portugal – Uma Perspetiva Global, já referido pelo 7MARGENS, inclui a apresentação do livro Erotismo e Metáfora na Mística Portuguesa – do Renascimento ao Barroco (ed. Theya). Da autoria de Eugénia Abrantes, o livro pretende analisar o pensamento místico de personalidades e autores como frei Agostinho da Cruz, frei Tomé de Jesus, padre Manuel Bernardes, Leão Hebreu (Iehudah Abrabanel), D. Manoel de Portugal, frei Heitor Pinto, frei Amador Arrais e frei António das Chagas.

O livro será apresentado por José Carlos Seabra Pereira, professor da Universidade de Coimbra e director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, da Igreja Católica. A sessão decorre na Universidade Aberta (R. da Escola Politécnica, 147, ao Rato, em Lisboa), a partir das 17h30. A entrada é livre. O 7MARGENS publica a seguir um excerto da conclusão da obra.

Poesia, N'alma escrito, Agostinho da Cruz

Ilustração da capa do livro “N’alma escrito”, de Frei Agostinho da Cruz

 

Neste âmbito, equacionamos o erotismo como uma força intrínseca à relação com Deus, que impulsiona a relação mística amorosa eu-tu. Não há na mística aridez de eros; o mesmo é dizer não se poder des­vincular o eros da mística. O erotismo, enquanto dimensão instintiva e espontânea da natureza humana, atua na relação atrativa do outro, ou pelo outro, a partir da sensualidade do corpo, dos gestos, das ex­pressões, tendo em vista o autoprazer, o mútuo prazer e a expressão do amor-paixão.

Como manifestação de subjetividade e intimidade, o erotismo é a expressão dos anelos mais íntimos do humano, em que os sentimentos e emoções ganham representatividade, instituindo-se mais na fantasia, desejos, sexualidade, do que no enfoque do ato sexual em si. Por estas suas especificidades, o erotismo goza de uma liberdade e autonomia, afirmando-se, face à vida e ao estabelecido, como uma força eruptiva de vontades e expressões, disruptiva muitas vezes, quase transgressiva. O erotismo não deixa de ser, portanto, esse desejo envolto em mistério de uma ascensão humana, de desejo natural de união.

A dimensão erótica é esse circuito de transcendência; ela é mais, muito mais, do que o desejo sexual imediato de união corporal; ela é sinal da vocação do outro, no duplo sentido do termo: pelo outro chamado e atraído, ao outro destinado. Assim compreendido o erotismo, consideramos que não será possível uma cabal assimilação da mística sem o sopesar da compreensão sensual. A sexualidade, na sua expressividade, está naturalmente maridada com a consciência e a experiência relacional, bem como com a existência de um outro, no quadro da existência pessoal.

O erotismo, como força vital, vincula-se ao desejo de comunhão, imprimindo dignidade à própria realidade mística, uma vez que esta não consente o fracionamento humano, mas antes a sua completude e vitalidade. Uma verdadeira espiritualidade contém, portanto, como uma das suas fontes, o erotismo, pois ele corporiza o desejo de sair de si mesmo ao encontro de um outro e da união com ele, sinal do desejo de transcendência. A presença e a ação do erotismo incitam à existência das transformações exigidas pelos amantes e estimulam as mais emocionantes metáforas.

(…)

Na verdade, a mística portuguesa é ainda um canto silenciado. Queremos continuar a investigar o tema do amor, pois representa o tema central da mística. Mais: a mística de alma portuguesa é canto de amor. Canta um canto de amor que não é apenas seu, mas também daquele que ama, o divino. É canto amoroso de vinculação à pátria portuguesa em toda a sua expressividade, canto de vocação universal em toda a sua destinação e canto de génese eterna em toda a sua es­sência.

O amor de que fala a mística portuguesa é esse refúgio a que o místico regressa na sua escrita, porque ele é o lugar a que se pertence. O discurso usado é misterioso e imprevisível. Discurso-relação de um arco maior, maior do que o próprio arco-íris, porque não une apenas Deus e o humano; de Deus parte e a Ele regressa, abarcando e abraçando nesse circuito o humano. Discurso de uma alma lavrada, cultivada, pelo divino amante, que faz exalar dela perfume de eternidade e não qualquer pó de efemeridade. Discurso de uma relação desmurada, sem muros, o que faz dela uma relação universal, não tanto por ser de todos, mas antes por a todos ser acessível. O desejo gritante de chegar, reunir imagens, fechar os olhos e perceber que aquele é o seu lugar. Dispensa cartografias, porque a certeza de ser aquele o lugar a que se pertence não depende do caminho percorrido, mas antes da perceção de ser ali o lugar dos desejos sentidos: a união esperada e alcançada.

A mística mostra que tudo o que é passageiro não pede passagem. Passa naturalmente. Só o que é eterno pede passagem, porque a sua passagem determina, de modo definitivo, a passagem do agora para o sempre. Como só o amor dos amantes sabe. Este é o discurso erótico e metafórico dos nossos místicos lusitanos, esse dizer e ser lugar de um permanente “atrás de ti” que traz, a um tempo, sedução e segurança. A sedução própria de quem voa, porque é veloz o caminho de quem segue o amor. A sedução própria de quem caminha atrás, porque os seus passos repisam seguros os do amor que persegue: o amor eu-tu.

Respira-se na mística de alma portuguesa a urgência do abraço, não apenas por uma carência afetiva, mas porque se deseja, se ama. A mística de alma portuguesa é sempre o espanto do e pelo outro. O espanto que acaba por ser o espanto de si mesmo, que lhe vem desse rosto e gesto do outro. A mística de alma portuguesa é sempre penetração do outro no eu mesmo, para que o eu mesmo penetre no outro, inclinações de existências para as uniões na diferença.

A mística de alma portuguesa é encarnação de uma cultura própria, a cultura de um país onde o Sol se põe. E aquele que todos os dias vê o poente há de perguntar-se, inevitavelmente, pelo nascente. E todo o que pergunta cumprirá o desejo de partir do seu lugar a fim de descobrir onde nasce o Sol. Assim o fizeram, ao longo de tempos, os homens aventureiros desta terra, peregrinando por terras e mares diferentes, ansiando por alcançar o lugar onde nasce o Sol. Partiram e viram as diferentes colorações do astro-rei, mas o coração ardente regressou sempre à terra-mãe, à terra-alma, à terra-esposa, onde o Sol, na serenidade do entardecer, se encosta à água-mar e nela se aconchega, adormecendo num anoitecer esponsal. A mística portuguesa vive no horizonte desta afetiva metáfora da alma lusitana.

 

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