Ribeiro Telles: unanimidade nacional

| 31 Mai 2021

Gonçalo Ribeiro Telles

A figura de Gonçalo Ribeiro Telles foi o mote para a criação do Dia Nacional dos Jardins. Foto ©CorreiaPM/Wikimedia Commons

 

“Vamos cultivar o nosso jardim”, diz Candide, na última frase do livro de Voltaire. Depois de perseguido por desgraças, de saber de terríveis catástrofes, como o Terramoto de Lisboa, enunciadas pelo seu tutor Pangloss, o Otimista parte para cuidar da natureza. Além de todos os males do mundo, desde pequena eu acredito que um jardim é símbolo de salvação, renascimento, esperança. Conheci, admirei Gonçalo Ribeiro Telles, entrevistei-o em 2013.

Li com entusiasmo, no 7MARGENS, a notícia sobre a proposta de criação do Dia Nacional dos Jardins. Em tempo de reflexões sobre a encíclica Laudato Si’, e transformando dados diversos em unidade de pensamento, escrevi.

Vivam os adolescentes de Portimão. Viva a personalidade de Gonçalo Ribeiro Telles. Viva o desejado Dia Nacional dos Jardins, petição que esperamos ser aprovada na Assembleia da República. E haja um elogio ao professor diretor de turma, Carlos Café, que na área de Cidadania e Desenvolvimento trabalhou com os seus alunos do 10º ano a ideia da celebração em 25 de maio, aniversário de Gonçalo Ribeiro Telles. Por coincidência, foi num dia 25 de maio (2015)  que se deu a apresentação de Laudato Si’, a Mãe Terra de São Francisco de Assis a inspirar a encíclica do Papa Francisco, apelo universal ao respeito pelo meio ambiente, Casa Comum de todos nós.

Causa a que Gonçalo Ribeiro Telles tinha dedicado a sua vida inteira, quando recebeu o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, Nobel da Arquitetura Paisagista. Assim o júri o distinguiu, por chamar a atenção para as questões ecológicas, conseguir legislação para o ordenamento do território, entender a política ao serviço do essencial, na vida e na sociedade.

Desde sempre Ribeiro Telles denunciou a desorganização do território, a ocupação tumultuosa do solo, a cultura industrial do eucalipto, o abandono da terra, a especulação imobiliária. Defendeu a imensidade da natureza além do espaço urbano. Experimentou a descoberta de beleza e equilíbrio entre o campo e a cidade, defendeu a harmonia entre a cultura e a natureza, e a exuberância da biodiversidade que existe em Portugal.

Professor proibido de exercer por motivos políticos, católico progressista nos anos 60, desde cedo aderiu à discussão de princípios e ideias, por isso foi sócio número 1 do Centro Nacional de Cultura em 1945, espaço possível de diálogo aberto, em tempo férreo do regime.

Pela concepção dos jardins da Fundação Gulbenkian, recebeu o Prémio Valmor em 1975. Ali desenhou a paisagem que para todos nós, portugueses, é identidade. No espaço urbano permanece o ritmo da terra, a paisagem não se perdeu, apesar de tantas vezes ofendida. Temos traçados vários do arquiteto Ribeiro Telles no jardim do Palácio de Mateus em Vila Real, no corredor verde para Lisboa, no Jardim Amália Rodrigues do Parque Eduardo VII ou nas hortas urbanas.

Pertenceu à Juventude Agrária Católica enquanto estudante na Universidade. Foi fundador do Partido Popular Monárquico e do Partido da Terra. Subsecretário de Estado do Ambiente nos três governos provisórios e Secretário de Estado do Ambiente no I Governo Constitucional. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida no governo da AD, criou a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional.

Naquele dia em que conversámos, comentou pormenores da atualidade. Bem-humorado, tinha riso fácil. Sedutor, tinha a vivacidade da inteligência.

Recordo um pouco do que então me disse:

– [A primeira causa] É estar ao serviço. Tenho a mania de estar ao serviço do meu país, da integridade, que é fonte de riqueza cultural.

– [A sua obra] Tem a nossa terra entendida como referência de uma cultura. Para o ser, tem de integrar a nossa cultura na sua imagem e no seu ser. É o que sucede com Portugal desde o Minho ao Alentejo. Este é um suporte que exige para mim uma dignidade no uso e um respeito por uma história.

– [As obras de arquitetura paisagista] Traduzem-se na política, na cultura e na estética, conjunto a que eu chamo dignidade no uso do território. Eu digo: exijo que seja assim. Porque há coisas feitas que são indignas do território.

– [Se uma árvore pode mudar uma paisagem] Quem muda é a pessoa que usa, que sustenta a paisagem. A paisagem é suporte de uma cultura, de uma economia, de uma estética, de um recreio. A árvore está lá, ela pertence a um sistema natural, tem uma existência cultural.

– [Aos 92 anos, o que viveu] Lembro-me do fim da Guerra. Lembro-me do ser próprio dessa época. O pós-guerra era sempre uma esperança de futuro. Na Alemanha do pós-guerra a força, a vontade de construir sobrepunham-se à realidade, havia festa quando uma obra ficava feita. E havia aqueles que o destruíam. E havia um caminho daí para a frente. A minha geração herda muitos dos problemas da Segunda Guerra. Nesse dia fui para a janela.  A janela já não tinha as tiras de papel que se punham por causa dos bombardeamentos. Via-se a rua.

– [Sobre as pessoas que conheceu] Impressionaram-me mais as pessoas que comigo viveram, com quem experimentei desde os valores de família até às dificuldades por que passámos. Todos temos uma história pequena à volta de nós.

– [O que passam os mais velhos aos mais novos]

O meu desejo é passar ideias, valores e histórias. Os velhos ou os anciãos transportam para os mais novos uma série de esperanças que nortearam a sua vida. Aí há a problemática política, incluindo a essência do próprio país e as histórias que vão desde os sentimentos até aos valores e à estética. Não retiro das histórias esta Santíssima Trindade, porque com ela completamos a esperança da imortalidade.

– [Podermos transformar o mundo, fazer política]

Sim. Somos pessoas. Todos nós fazemos política.

[Ter sentido de serviço] Nós temos por objetivo as raízes, os espaços e as virtudes. Por esse motivo sou monárquico e democrata e ainda cristão.

 

Leonor Xavier é escritora e jornalista

 

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