S. Paulo nos dias de hoje

| 29 Dez 2022

Caravaggio, Conversão de São Paulo

Caravaggio, Conversão de São Paulo (1604), quadro na Igreja de Santa Maria del Popolo, em Roma. 

Metamorfose Necessária – Reler S. Paulo de José Tolentino Mendonça (Quetzal, 2022) é um livro oportuno para esta quadra de Natal como leitura utilíssima. Através de Paulo, podemos entender melhor a essência da Epifania, representada metaforicamente na presença dos Magos no presépio, mas só compreensível através do fundamental encontro na Estrada de Damasco. Numa cronologia possível elaborada no livro pelo cardeal Tolentino, mercê do que Paulo diz de si nas cartas e do que Lucas refere dele nos Atos, podemos elaborar um percurso: a conversão entre os anos 35 e 37, a evasão de Damasco entre 37 e 39, o incidente em Antioquia entre 43 e 44, a primeira viagem missionária entre 45 e 48, a assembleia de Jerusalém (48-49), a segunda viagem missionária e a estada em Corinto (49-52), a terceira viagem missionária, com estada em Éfeso e três meses em Corinto (57-60), o cativeiro de Cesareia (60-64) e a morte ocorre provavelmente em Roma, entre 64 e 68.

Paulo foi, ao que se pensa, um “fabricante de tendas”, que se orgulhava de, “graças ao seu trabalho, não depender das comunidades nem do patrocínio dos ricos”. Não sabemos quantas cartas teria escrito, mas no cânone do Novo Testamento são-lhe atribuídas treze, pondo à parte a Carta aos Hebreus. Há consenso em reconhecer a autoria paulina de sete epístolas: a primeira aos Tessalonicenses, a primeira e a segunda aos Coríntios, e ainda as cartas aos Filipenses, a Filémon, aos Gálatas e aos Romanos. A estas designamo-las como autênticas, por análise literária, teológica e histórica, sendo as outras atribuídas a discípulos posteriores.

O encadeamento dos textos permite-nos ver como o apóstolo, o primeiro escritor cristão, começou de forma simples e direta e passou, com o decurso do tempo, a usar os melhores “recursos da oficina literária” de um modo mais rigoroso, “a ponto de George Steiner dizer que poucos homens, na história da comunicação humana, acreditaram tanto no poder da palavra como Paulo”. E se há coisas algo difíceis de compreender, o certo é que há uma coerência, que nos ajuda a dar sentido ao conjunto do pensamento e das mensagens. “Paulo nunca foi um pregador solitário ou um one man show. Viveu toda a vida num ritmo comunitário, cultivou uma finíssima rede de relações pessoais, tinha um conjunto de colaboradores que partilhavam o seu quotidiano e o seu pensamento, operava numa verdadeira rede social que é parcialmente reconstruível”. E podemos acrescentar ao que nos diz o autor que se tratou de uma “rede” aberta e dialogante (em contraste com o que tantas vezes encontramos em circuitos fechados).

Trata-se de uma “teologia de pregação”, que interage com a vida concreta, que determina um sentido direto, dotado de capacidade de sedução, o que levaria supostamente Séneca, numa carta ficcionada dirigida a Paulo, a pedir-lhe: “Usa por favor uma linguagem correta, empresta aos teus nobres conceitos uma bela veste, de maneira que o generoso dom que te foi concedido possa por ti dignamente dar muito fruto.” E qual a chave do ensinamento de Paulo? Estamos diante de “um pensamento móvel, que se estende por declinações muito diversas, a partir de um centro fixo: o encontro com Cristo” – e assim se realiza a “experiência mística de um Cristo que está vivo”. E o apóstolo não pensa apenas no destino dos crentes, mas reflete sobre o destino humano e a metamorfose do mundo.

Como afirma o insuspeito Alain Badiou, o pensamento universal de Paulo supera a proliferação de alteridades (o judeu, o grego, as mulheres, os homens, os escravos, os homens livres, etc.) pela afirmação de uma equivalência igualitária. E Giorgio Agamben diz-nos que o essencial em Paulo incide sobre aquilo que resta (o “resto” que permite compreender o todo), que impede as divisões sumárias e impossibilita que as partes e o todo coincidam consigo mesmos. E assim supera a contradição do primado da lei escrita, “uma vez que divide a lei em lei das obras e lei da fé, lei do pecado e lei de Deus (Rm 7, 22-23) – e assim a torna inoperante –, Paulo pode então cumprir a lei na figura do amor”.

Mais do que viajante, Paulo é peregrino. E o seu ver “não é apenas um observar com os olhos da carne; é o ser visto, é o passar a ver com os olhos da fé”. E esta construção do anúncio cristão inscreve-se na encruzilhada dos mundos judaico-semita e helenístico-romano. “Paulo metamorfoseia o mundo e as relações, ao pensar alternativas de futuro”. E a Filémon diz, com clareza, que o dono e o escravo se devem reconhecer como irmãos. Mas então de que metamorfose falamos? Não por acaso, Lucas descreve Paulo caído por terra, com uma cegueira funcional, protagonista de uma reviravolta na vida – “Aquele que já nos perseguiu anuncia agora a fé que antes destruía” (Gal. 1, 23). E o cristão é para Paulo um sujeito crente em construção, sabendo que a fé é frágil e incompleta. Como Karl Rahner dirá: “o cristão do futuro ou será místico, ou não será cristão”. Urge que possamos experimentar, no sentido criador. “Deus, com efeito, não criou o homem; Ele cria-o e continuará a criá-lo. Nesse sentido, estamos sempre em estado de ser criados e de criar (…).  Não somos simplesmente testemunhas de um passado. Cada pessoa é chamada a ser, e é já, um documento do futuro.” Eis a metamorfose necessária.

 

Guilherme d’Oliveira Martins é administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian.

 

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Falemos claro, sem personalizar ou localizar, mas pelo que acontece, quase sempre e em toda a parte, nos mesmos cargos, e nas mesmas circunstâncias. Intervenhamos numa atitude conventual, numa expressão que hoje praticamente não se usa e nem sei se se pratica, a chamada “correcção fraterna”. Quero referir-me aos últimos acontecimentos, particularmente, na Igreja; novos Bispos sagrados e novos cardeais purpurados ou investidos e também novas colocações de Párocos. (Serafim Falcão)

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