Santo António é de todos

Fernando, São Miguel (Sintra).

Tenham santa paciência, Santo António não é só de Lisboa, é de todos: foi aqui que nasceu e viveu a primeira parte da vida, e partiu para se tornar o mais popular dos santos populares, mas também é de Pádua, de Amstelveen, de Algés, de Sintra e até de São Pedro.
É visitar a história, é ir ao museu junto à Sé, é procurá-lo no Veneto e por toda a terra. Está quase em todo o lado, umas vezes com o menino à esquerda, outro à direita, a ler as Sagradas Escrituras ou só atento ao garoto, e, mais modernamente, em barro, pasta fimo ou marfinite, sentado num tronco de uma árvore ou a conduzir uma lambreta com o menino atrás. E então? Como costuma dizer a Maria Gabriel, autora de um dos tronos aqui mostrados, “haja alegria”!

E ele era alegre, excepto talvez quando não lhe davam ouvidos e trocava os homens pelas sardinhas e anchovas da costa de Arimini, a virem fora de água para o ouvir. “Oh, maravilhas do Altíssimo, oh, poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos; e, postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles ouviam” (Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes).

E aí está ele nos tronos da Gabriel, ela de São Pedro do Estoril, e do Fernando, de São Miguel, Sintra, a pregar à fauna do Adriático, mais merecedora de atenção do que os hereges moucos da Rimini de hoje.
Mas aí está também singelo e calmo, cercado de flores e corações, no trono da Maria Alice, em Amstelveen, arredores de Amesterdão; grandioso, no topo de três pedestais de prata, a velar por todos nós, como o imaginou Ricardo; modesto, acompanhado por si mesmo, nalgum momento de maior solidão, pois às vezes Deus está e noutras não se mostra, conforme a Lena Marujo; na sombra, entre manjericos, como o quis a Teresa, ou a descansar do menino, debaixo de uma orquídea, como o preferiu a Filomena, as duas de Sintra, pois o Santo não é só de Lisboa, nem só dos de Pádua, é de todos.

Ou, na sua imensa sabedoria, ele, o único doutor da Igreja de BI português, que sabia de Plínio, o Velho, de Cícero, de Séneca, de Boécio, Galeno e Aristóteles, e mais um pouco de tudo, e que viajou por quase todo o mundo de então, como o vê Maria Adelina, ou na sua grandiosa simplicidade, sem trono nenhum, num tapete de sete malmequeres, no olhar também simples da Carlota, 9 anos, de Algés.

Os tronos de Santo António são uma tradição que combina bem a homenagem e o divertimento: se nasceu com os miúdos de Lisboa a pedirem à porta de casa dinheiro para reconstrução da igreja dele, mandada abaixo pelo terramoto de 1755, ficou tanto como um carinho como um modo de arranjar “um tostãozinho” para fogos-de-artifício. Um santo triste é um triste santo, certo?

E aqui palmas para a EGEAC da Câmara de Lisboa e o Museu de Santo António que têm vindo a recuperar e a manter viva a tradição.
Nascido em 15 de Agosto de 1195, calcula-se, a poucos metros da Sé, com o nome de Fernando, mais tarde António, o nosso festejado morreu em Pádua no dia 13 de Junho de 1231, sendo canonizado onze meses depois. Quis ser missionário, mas uma providencial tempestade mandou-o para as costas da Sicília e para o Sul de França e Norte de Itália onde pregou, já franciscano, contra hereges e distraídos – com tão maus resultados que, como se disse, foi falar com os peixes na foz do Marecchia.

Hoje, além da aura de santidade, senhor da “ciência dos anjos”, no dizer de São Boaventura, e da sapiência, tem fama de casamenteiro e ainda de motor de busca de objectos perdidos. Mas onde ele é mesmo, mesmo bom, garantem os devotos daqui ao Brasil, passando por Itália e França, é a acompanhar quem já não tem ninguém ou a acudir a quem já não tem nada.
Porque na verdade o trono é só uma maneira de o ter presente – ou de ele dizer que está.

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