
Vacina contra a covid-19. Foto: Lisa Ferdinando/Wikimedia Commons
As vacinas contra a covid-19 são um assunto complicado. Muito complicado.
# Diplomacia da vacina: como alguns países usam a covid para aumentar o seu soft power (The Conversation, 22/2)
Complicado, sim, e não só por razões sanitárias, por uma questão grave de saúde pública. Claro que há a falta de vacinas, o atraso nas entregas, a polémica dos efeitos secundários, a luta pelo acesso prioritário, os “golpes” na fila de espera, a dúvida sobre maior ou menor imunização, claro que sim, que há isso tudo – e é muito. Mas há mais.
# covid-19. Como as vacinas se tornaram um instrumento de política externa. (Diário de Notícias, 27/2)
Há mais, muito mais. Há…
# A geopolítica da vacina (Diário de Notícias, 27/2).
Afinal não é só assunto de saúde, é também assunto de política, de negociação geoestratégia, de luta por influências, de compra e venda de favores, de competição de cá para lá e de lá para cá.
# China e Rússia à frente na diplomacia das vacinas (Euronews, 18/2).
# Estados Unidos, Índia, Japão e Austrália usam diplomacia da vacina contra a China (JP Brasil, 12/3).
De diplomacia. De competição. De trocas. E baldrocas.
Por exemplo, tu mudas a tua embaixada de uma cidade parta outra que me interessa mais e eu dou-te vacinas. Já aconteceu com a República Checa, com a Guatemala, com as Honduras. Mais?…
# Na diplomacia das vacinas, Israel troca imunizante por reconhecimento de Jerusalém como capital (RFI, 25/2).
Por exemplo, vizinha (que não amiga) Síria, eu arranjo-te umas vacinas (que compro na Rússia) e dou-tas para que tu, em troca, libertes uma prisioneira israelita que aí tens há tempos. (Aconteceu.)
Ou então vocês, vizinhos (que não amigos) palestinianos, recebem (finalmente!) uma quantidade de vacinas, mas em contrapartida mandam para cá uma gente nossa que aí têm na cadeia. (Aconteceu.)
# Vacina – a nova ‘moeda de troca’ da política internacional (Expresso, 5/3)
As trocas e baldrocas podem ser muitas e variadas.
No Brasil, Jair Bolsonaro faz um trato com a China para passar a poder produzir no seu território uma das vacinas; em contrapartida, “sinalizou que não deve impor restrições à empresa chinesa Huawei no leilão da frequência de internet 5G previsto para ocorrer neste ano e que pode atrair cerca de 180 bilhões de reais” (El País, 28/1).
Noutros casos, não se trata de trocas comerciais imediatas, mas de jogos de influência – tendo em vista futuros negócios, naturalmente. Veja-se a Índia a fornecer vacinas ao Nepal, ao Bangladesh ou às Maldivas, para tentar contrariar a presença da China naqueles países. E veja-se a China a fornecer vacinas a países tão diversos como o Egipto, o Paquistão ou a Guiné Equatorial, exatamente com os mesmos propósitos. E veja-se o Sri Lanka a receber vacinas tanto da Índia como da China, aproveitando-se assim do facto de ambos os países quererem ter por lá uma presença. E veja-se a Rússia a oferecer a vacina a países africanos, como Angola ou o Zimbabwe, e a disponibilizá-la até a países europeus meio rebeldes, como a Hungria. (Tudo isto aconteceu. E muito mais.)
# A diplomacia da vacina faz o pleno no mundo: com China, Rússia e Índia à cabeça, a Europa “toma consciência da sua fraqueza.” (RTBF, 2/3)
E depois também há até ofertas de pessoas, como estas:
# “As Filipinas permitirão que milhares das suas trabalhadoras de saúde, particularmente enfermeiras, vão trabalhar para o Reino Unido e para a Alemanha se esses dois países concordarem em doar vacinas covid-19.” (CNA, 24/2)
E há ainda as enormes diferenças de preço a que são vendidas as vacinas, com uns países não se importando de pagar o que for preciso, pois lhes sobra dinheiro, e outros sem saber como terão acesso aos remédios, pois lhes falta tudo. Como já antes com as máscaras, como já antes com os ventiladores, quem tem mais dinheiro e mais poder acaba sempre por poder comprar mais e melhor.
É, as vacinas contra a covid-19 são mesmo um assunto complicado. Muito complicado.
(Claro que, como tanta gente vem lembrando, uma pandemia só é combatida eficazmente se e quando for erradicada em todo o mundo. Todo. Um país sozinho pode ficar livre do vírus, mas nunca poderá respirar livremente se o vírus andar à solta noutro país qualquer, mesmo que do lado de lá do globo. O “bicho” já mostrou que sabe viajar depressa e bem. Portanto, estamos mesmo condenados a entender-nos, nós todos, mundo, casa comum. Mas que está a demorar a meter isto nas cabeças, lá isso está!…)