
Luís Filipe Vieira presta esclarecimentos sobre dívidas ao BES. Foto retirada do vídeo
“Tenho negócios, uma boa reforma, vivo bem.”
Diz ele, que deve aí uns 227 milhões de euros (duzentos e vinte e sete milhões de euros) ao Novo Banco.
“Vivo bem”.
Eu, para ser sincero, não vivo muito bem a ouvir estas histórias da carochinha debitadas a uma Comissão Parlamentar que quer tentar compreender o incompreensível e que só nos enche a todos de vergonha. A quase todos.
“Tenho negócios, uma boa reforma, vivo bem.” Este senhor não tem vergonha de nada, decerto acha que não tem nada de que se envergonhar. Nem de um palheiro que, pelos vistos, é a sua mais notória propriedade. Vive bem. Não tem 227 milhões (duzentos e vinte e sete milhões) de motivos para se sentir mal, para se sentir incomodado, para se sentir preocupado. “Como vou pagar estas minhas dívidas?”. Não sabe, não sei, não sabemos, mas não perde o sono por causa disso. “Tenho negócios, uma boa reforma, vivo bem.”
O outro senhor também não sabia. Não sabia de nada. Ele, que só deve aí uns 500 milhões de euros (consegue imaginar-se o que são quinhentos milhões de euros?…) ao Novo Banco, não se lembrava de nada. Nada. Nem sequer do nome das empresas de que é administrador. Nem do nome das fundações para que transferiu (e porquê?…) a propriedade das empresas de que é administrador. Nem do nome das off-shores onde colocou (e porquê?…) as tais empresas, ou as fundações, ou não sei quê, eu próprio também já não me lembro e confundo isto tudo, é tanta coisa junta, acontece aos melhores. Adiante. O certo é que, apesar da má memória, este outro senhor também vive benzinho, parece que ganha (diz ele) cerca de três mil euros por mês, não é grande coisa para administrador de topo, mas dá para aguentar, e se calhar ao fim do ano ainda caem uns premiozitos de gestão, um milhão ou perto disso, como costuma acontecer a empresas cheias de saúde financeira, como o Novo Banco ou a TAP. Para já não falar da EDP, claro. Por ali não se vive mal.
E há também o outro senhor que faz parte do Clube dos Grandes Devedores do NB, com uma quota, digamos assim, de mais de 300 milhões (trezentos milhões) de euros. Mas ele diz que foi uma vítima. E diz que os outros Grandes Devedores não são como ele; são uma “elite podre”, o que quer que isso queira dizer. Este senhor diz que vendeu tudo o que tinha para pagar os seus calotes – uma das primeiras coisas que vendeu foi o seu avião privado, imaginem!, o seu avião privado, gente fina é assim –, mas o dinheiro do avião não chegou, nem de longe, para resolver o assunto. Depois da falência, sobreviveu apenas com a ajuda de familiares, diz. E agora trabalha no estrangeiro, com um salário penhorado, diz. Não deve viver muito bem. Ou…?
E há, claro, o grande senhor que inaugurou estas audições imperdíveis, o senhor comendador, you know?, aquele que ficou a dever umas largas centenas de milhões a este banco e àquele e àquele, mas que perante a Comissão de Inquérito (já nos idos de 2019) declarou, solene: “Pessoalmente, eu não tenho dívidas.” A seguir não disse, mas eu acho que foi como se tivesse dito: “Pessoalmente, eu vivo bem.” Aliás, só deu uma ajuda aos bancos, essa é que foi essa, e saiu assim prejudicado. Se calhar até podia viver melhor, com a sua coleção, mais a sua fundação (isto das fundações já começa a irritar um pouco, elas nascem como cogumelos, sobretudo entre a gente que deve milhões, por que raio será?…, se calhar tenho de pensar em fazer também uma fundação…), até podia viver melhor, dizia eu, não fossem os malandros dos bancos que só queriam emprestar-lhe dinheiro, e mais dinheiro, e mais dinheiro, para ele comprar ações de outros bancos, e depois ficar tudo em papel sem valor. Malandros. E depois o homem, de seu, só tem uma garagem. Uma garagem. Mas não se deve viver mal em garagens destas. Até se deve viver bem. Aliás, disse o senhor à Comissão: “Quem foi aqui o mais prejudicado fui eu…” Coitado.
Começam a multiplicar-se no Youtube pequenos vídeos com “os melhores momentos” de A, B, C ou D – membros do “Clube dos Grandes Devedores” – nas Comissões Parlamentares de inquérito. São momentos imperdíveis. Melhores que muito filme cómico que para aí pulula. E o mais engraçado é que eles não dizem nada. Nada de nada. Valem apenas pelas perguntas das deputadas. Porque quanto a respostas, temos “não sei”, “não me lembro”, “não tenho ideia”, “a minha memória não chega a tudo”, “teria de ver os papéis”, “não sei”, “não sei”, “vou pensar e depois digo”, “não sei”, “não tenho memória”.
E também “não tenho” vergonha na cara…
(Notícia entretanto divulgada: “As declarações de António João Barão e Bernardo Moniz da Maia na comissão de inquérito ao Novo Banco vão ser enviadas para o Ministério Público, foi aprovado esta segunda-feira pelos deputados. (…) Sem votos contra nem abstenções, o presidente da comissão de inquérito afirmou que estas declarações, em audições que decorreram ambas em 30 de abril, serão enviadas para o Ministério Público.” Dinheiro Vivo, 10-5-2021. É bem possível que tudo isto dê em nada ou que abra caminho a processos que se arrastarão pela justiça durante anos e anos. Mas apresentar queixa disto é o mínimo. Ao menos por umas horas ou uns dias, estes senhores poderiam não estar a viver tão bem. Até porque só o fazem à custa do dinheiro de nós todos. Nós é que pagamos. E até estamos a viver um bocado mal.)