Sentido e valor da dualidade sexual

| 25 Nov 2022

Imagem de arquivo (2010) de um grupo de “Católicos pela igualdade”, junto ao edifício do Capitólio de St. Paul, Minnesota (EUA), de apoio à igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros. Foto © Fibonacci Blue, CC BY 2.0 , via Wikimedia Commons.

Imagem de arquivo (2010) de um grupo de “Católicos pela igualdade”, junto ao edifício do Capitólio de St. Paul, Minnesota (EUA), de apoio à igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros. Foto © Fibonacci Blue, CC BY 2.0 / Wikimedia Commons.

 

Sobre o sentido e valor da dualidade sexual, é oportuno ler o que se afirma na nota de Conferência Episcopal portuguesa A propósito da ideologia do género, de 2013 (n. 6):
A diferenciação sexual inscrita no desígnio da criação tem um sentido que a ideologia do género ignora. Reconhecê-la e valorizá-la é assegurar o limite e a insuficiência de cada um dos sexos, é aceitar que cada um deles não exprime o humano em toda a sua riqueza e plenitude. É admitir a estrutura relacional da pessoa humana e que só na relação e na comunhão (no ser para o outro) esta se realiza plenamente.

Essa comunhão constrói-se a partir da diferença. A mais básica e fundamental, que é a dos sexos, não é um obstáculo à comunhão, não é uma fonte de oposição e conflito, mas uma ocasião de enriquecimento recíproco. O homem e a mulher são chamados à comunhão porque só ela os completa e permite a continuação da espécie, através da geração de novas vidas. Faz parte da maravilha do desígnio da criação. Não é, como tal, algo a corrigir ou contrariar.

A sociedade edifica-se a partir da colaboração entre as dimensões masculina e feminina. Em primeiro lugar, na sua célula básica, a família. É esta que garante a renovação da sociedade através da geração de novas vidas e assegura o desenvolvimento harmonioso e complexo da educação das novas gerações. Por isso, nunca um ou mais pais pode substituir uma mãe e nunca uma ou mais mães podem substituir um pai.”

A riqueza da dualidade sexual reside, pois, na comunhão e enriquecimento recíproco a que faz apelo, e também na fecundidade que origina: dessa comunhão surgem novas vidas; o amor e a vida estão radical e indissociavelmente ligados. A vida não nasce de uma afirmação individual (ninguém é pai ou mãe sozinho), mas de uma relação de comunhão e de amor. O amor entre homem e mulher não se encerra em si mesmo, não é um egoísmo a dois, abre-se a novas vidas e, desse e de outros modos, à comunidade.

Encontramos a raiz desta visão na simples observação da natureza, reforçada pela revelação bíblica, desde logo a partir do relato da criação: “Homem e mulher os criou”; “Viu que era bom”; “Os dois serão uma só carne”; “Crescei e multiplicai-vos”. A riqueza da dualidade sexual e a fecundidade que dela decorre são parte de um desígnio natural e, portanto, da vontade de Deus.

A mais completa a aprofundada reflexão sobre este tema consta das catequeses de São João Paulo II sobre a teologia do corpo. Nelas se desenvolve a noção do significado esponsal do corpo humano: nesse corpo, masculino ou feminino, está inscrita uma vocação à doação recíproca. A unidade, distinção e fecundidade da união esponsal é reflexo das relações trinitárias, do Deus uno e trino.

Também a esta luz se deve encarar a noção de ecologia humana, a que se referiu pela primeira vez São João Paulo II e depois também Bento XVI e Francisco.

A este respeito, afirmou Bento XVI na encíclica Caritas in veritate (n. 51):
Se não é respeitado o direito à vida e à morte natural, se se tornam artificiais a conceção, a gestação e o nascimento do homem, se são sacrificados embriões humanos na pesquisa, a consciência comum acaba por perder o conceito de ecologia humana e, com ele, o de ecologia ambiental. É uma contradição pedir às novas gerações o respeito do ambiente natural, quando a educação e as leis não as ajudam a respeitar-se a si mesmas. O livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral.”

Na verdade, também no domínio da vida humana no seu início e termos naturais, da sexualidade, da procriação e da família, há uma ordem e harmonia (que, para os crentes, são reflexo da sabedoria e bondade de Deus) que não deve ser destruída. A quebra dessa harmonia não deixa de ter efeitos nefastos, tão ou mais nefastos do que a quebra da harmonia do ambiente físico. É contra a ecologia humana que atentam práticas como o aborto, a eutanásia, a contraceção, a maternidade de substituição, a privação deliberada das figuras paterna ou materna, ou a manipulação genética.

No seu discurso à Cúria Romana de 21 de dezembro de 2012, Bento XVI apresentou a ideologia do género como contrária à ecologia humana. Referindo-se a tal ideologia afirmou:
“O homem contesta o facto de possuir uma natureza pré-constituída pela sua corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a sua própria natureza, decidindo que esta não lhe é dada como um facto pré-constituído, mas é ele próprio quem a cria. De acordo com a narração bíblica da criação, pertence à essência da criatura humana ter sido criada por Deus como homem ou como mulher. Esta dualidade é essencial para o ser humano, como Deus o fez. É precisamente esta dualidade como ponto de partida que é contestada. Deixou de ser válido aquilo que se lê na narração da criação: “Ele os criou homem e mulher” (Gn 1, 27). Isto deixou de ser válido, para valer que não foi Ele que os criou homem e mulher; mas teria sido a sociedade a determiná-lo até agora, ao passo que agora somos nós mesmos a decidir sobre isto. Homem e mulher como realidade da criação, como natureza da pessoa humana, já não existem. O homem contesta a sua própria natureza; agora, é só espírito e vontade. A manipulação da natureza, que hoje deploramos relativamente ao meio ambiente, torna-se aqui a escolha básica do homem a respeito de si mesmo. Agora existe apenas o homem em abstrato, que em seguida escolhe para si, autonomamente, qualquer coisa como sua natureza. Homem e mulher são contestados como exigência, ditada pela criação, de haver formas da pessoa humana que se completam mutuamente. Se, porém, não há a dualidade de homem e mulher como um dado da criação, então deixa de existir também a família como realidade pré-estabelecida pela criação. Mas, em tal caso, também a prole perdeu o lugar que até agora lhe competia, e a dignidade particular que lhe é própria; Bernheim mostra como o filho, de sujeito jurídico que era com direito próprio, passe agora necessariamente a objecto, ao qual se tem direito e que, como objeto de um direito, se pode adquirir. Onde a liberdade do fazer se torna liberdade de fazer-se por si mesmo, chega-se necessariamente a negar o próprio Criador; e, consequentemente, o próprio homem como criatura de Deus, como imagem de Deus, é degradado na essência do seu ser.”

Referindo-se também à ecologia humana, afirma o Papa Francisco na encíclica Laudato Sì (n. 155):
A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente. Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda “cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela”.”

A partir desta visão do sentido e riqueza da dualidade sexual, compreende-se a doutrina da Igreja a respeito da prática homossexual, tal como é exposta no Catecismo da Igreja Católica (nºs. 2557 a 2559) em consonância com todos os documentos magisteriais sobre ética sexual. E que a tão contestada (e desobedecida) nota da Congregação para a Doutrina da Fé de 22 de fevereiro de 2021 sobre a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo mais não fez do que reafirmar. Tal prática contraria o desígnio natural e divino sobre a sexualidade. de que faz parte esse sentido e valor da dualidade sexual, tal como a abertura à vida (e a infecundidade da relação homossexual é intrínseca e estrutural, não acidental ou periódica). Não basta que uma relação sexual seja expressão de afeto, por muito profundo e digno de apreço e respeito que este seja, para que corresponda ao desígnio de Deus sobre a sexualidade. Desde sempre, em todas as épocas e em todas as culturas, considerou a doutrina da Igreja que é no contexto do casamento que deve ocorrer a relação sexual.

Esta doutrina tem, como se vê, apoio nos dados da biologia, na lei natural e na revelação bíblica. Não é fruto de uma qualquer estrutura social ou de pressupostos culturais relativos, datados e sujeitos a mudança. Também não são as ciências humanas que a contrariam, mas antes uma ideologia hoje cada vez mais influente em todos os âmbitos sociais.

Essa doutrina não é incompatível com o respeito, acolhimento e amor para com as pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo. Esse respeito traduz-se, desde logo, em não atribuir a essa atração um fator de identidade pessoal que oculta a primordial identidade como pessoa, como se nessas pessoas estivesse inscrito um destino inexorável, necessariamente conducente à prática homossexual (é esta a linha do movimento Courage, que ajuda pessoas homossexuais que procuram ser fieis à doutrina da Igreja). Afirma o Catecismo da Igreja Católica sobre essas pessoas (n.º 2559): “Pelas virtudes do autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.”

Sei bem que isto que escrevo vai contra uma corrente cada vez mais forte e estas ideias são cada vez mais silenciadas. Mas sinto um dever de consciência de continuar a proclamá-las, contra ventos e marés.

 

Pedro Vaz Patto é presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz

 

 

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