
Duas mulheres a trabalhar ao computador. Foto © LinkedIn Sales Solutions
O instrumento de trabalho que é o Documento para a Fase Continental (DEC) do Sínodo sobre a Sinodalidade da Igreja Católica apresenta um apelo muito vincado a repensar o papel das mulheres, com a particularidade de esse apelo ser um tópico que vem das mais diferentes partes do mundo e não apenas dos países ocidentais do hemisfério Norte.
A leitura é feita por Susan Bigelow Reynolds, professora de Estudos Católicos na Escola de Teologia da Universidade de Emory, nos Estados Unidos da América, num texto de análise publicado esta quarta-feira, 30 de novembro, no jornal digital La Croix International.
No artigo publicado, aquela docente deu-se como tarefa analisar o modo como o documento de trabalho aborda o papel da mulher. Mas procurou fazer esse exercício como se nada soubesse do que há para e por trás do documento, ou seja, procurando desprender-se de conhecimentos e visões construídas sobre a problemática associada ao tema. “Como se este documento fosse a única fonte de informação”, nota ela.
Para pôr as cartas na mesa, a professora Reynolds explicitou o que concluiu com exercícios análogos a este, que fez, ao longo dos anos, sobre documentos da Igreja respeitantes ao papel da mulher. O que ressalta dessa sua análise é que, para os autores desses documentos, “as mulheres são todas exatamente iguais”.
“É uma conclusão assombrosa”, considera ela. Ao longo de gerações, biliões de seres humanos que viveram as situações mais diversas, raras e extremas são objeto de um ensino por parte da hierarquia católica que “parece proceder de uma ilusão fundamental”: que as mulheres “constituem uma espécie de corpo monolítico”, com “um conjunto estreito de dons essencializados”. Esta essencialidade vê-a a autora na noção de “génio feminino”, proposta pelo Papa João Paulo II. Mas também a vê, embora de modo mais mitigado, nas considerações sobre as mulheres do Papa Francisco (ainda que admitindo que este foi evoluindo, ao longo do seu pontificado). “Em qualquer caso, conclui, o resultado é a exaltação através da condescendência”, mesmo que através de “declarações bem-intencionadas”.

Quando, em 27 de outubro deste ano, o Secretariado-Geral do Sínodo apresentou em Roma e divulgou universalmente o DEC, documento que resultou do discernimento de umas dezenas de leigos, pessoas consagradas, padres e bispos de diferentes partes do mundo, Susan Bigelow Reynolds procurou, por conseguinte, suspender o seu “pré-juízo”, para abordar o documento no seu todo e as partes sobre as mulheres da forma mais aberta que lhe foi possível.
Ao que nos diz, no artigo citado, o que viu surpreendeu-a positivamente, a ponto de o seu escrito trazer no título uma interrogação que é também uma surpresa: “Mulheres: já somos protagonistas?”
Quando chegou à subsecção do DEC intitulada “Repensando a participação das mulheres”, sentiu-se “animada”, tanto pela universalidade do apelo que encontrou para repensar a participação das mulheres na Igreja, como “pela multiplicidade de vozes e perspetivas ali representadas”.
Impressionou-a, desde logo, a assertividade do início do Documento: “O apelo a uma conversão da cultura da Igreja, para a salvação do mundo, está ligado em termos concretos à possibilidade de estabelecer uma nova cultura, com novas práticas e estruturas. Uma área crítica e urgente a este respeito diz respeito ao papel da mulher e da sua vocação, enraizada na nossa dignidade batismal comum, para participar plenamente na vida da Igreja”.
Ora, observa a articulista, a conversão começa com a confissão e, neste ponto, ela surpreendeu-se com o facto de o DEC não fugir a “verdades incómodas”: foram elas que, como diz a síntese da Terra Santa, “mais se empenharam no processo sinodal” já que, segundo o Documento, “parecem ter percebido não só que tinham mais a ganhar, mas também mais a oferecer, por serem relegadas para uma margem profética, da qual observam o que acontece na vida da Igreja”.
Do seu ponto de vista, o que lá vem publicado desmente as tais “glorificações sentimentais”, para ela recorrentes, acerca do lugar que as mulheres ocupam na Igreja. “As mulheres não oferecem uma visão única devido à [sua] humildade natural ou à [sua] capacidade materna de cuidar, mas porque as ‘margens proféticas’ são o único terreno a partir do qual podem falar”.
O relatório dos Superiores dos Institutos de Vida Consagrada, por exemplo, fala com dureza da “discriminação enfrentada pelas mulheres religiosas”: prevalente “sexismo na tomada de decisões e na linguagem da Igreja”, que leva à exclusão das mulheres “de papéis significativos na vida eclesial”; tratamento das religiosas como “mão-de-obra barata”; e tendência para “confiar funções eclesiásticas a diáconos permanentes” em vez de permitir que as mulheres partilhem a responsabilidade pelas comunidades eclesiásticas, são alguns dos aspetos denunciados na síntese dos representantes das pessoas de Vida Consagrada.
A professora Reynolds recorda o Concílio Vaticano II e a interpretação dele feita pelo teólogo Karl Rahner, segundo o qual esse acontecimento significou a consciência e afirmação de uma Igreja universal, na pluralidade de povos e culturas. A exemplo dele, também o atual Sínodo poderá vir a significar a inclusão de metade da humanidade e metade do povo de Deus ou, nas suas palavras, “o alvorecer de uma nova época para as mulheres na Igreja”.
Nesta linha, ela cita, a terminar, uma afirmação do DEC, que entende que “as mulheres querem que a Igreja seja sua aliada”, preferindo invertê-la, recolocando-a sob a forma de perguntas que deixa para a atual segunda fase do processo sinodal: “Será que a Igreja quer que as mulheres sejam suas aliadas? O que significaria para as mulheres serem reconhecidas como protagonistas na Igreja, como sujeitos plenos, diversos em todos os aspetos, com a agência a responder em liberdade e criatividade ao apelo do Evangelho?”