
Num discurso que se estendeu por perto de 30 minutos, o embaixador do Papa nos EUA, arcebispo Christophe Pierre, explicouo processo sinodal da Igreja e aplicou o espírito sinodal à atual conjuntura da Igreja e sociedade norte-americanas. Foto: Direitos reservados.
Não é comum que um núncio apostólico, ou seja, um diplomata, se torne uma figura de primeiro plano entre os bispos do país em que representa a Santa Sé. Mas, nesta semana, o arcebispo Christophe Pierre (núncio apostólico nos Estados Unidos da América) esteve em foco pelo conteúdo da sua intervenção na assembleia do episcopado daquele país.
Num discurso que se estendeu por perto de 30 minutos, o embaixador do Papa não só deu uma explicação sobre o processo sinodal da Igreja a um órgão que acolhe uma parte significativa de bispos que não têm mostrado grande entusiasmo com o desafio lançado pelo Papa Francisco, como aplicou o espírito sinodal à atual conjuntura da Igreja e sociedade norte-americanas.
Lendo com atenção o texto da intervenção, observa-se que o núncio, talvez mais do que explicar o que é ou não é um sínodo, pretendia tranquilizar os seus ouvintes de circunstância e evidenciar as potencialidades de um tal processo para o futuro da Igreja, recorrendo mais de uma vez ao recente livro de Francisco, Sonhemos Juntos.
Cita, assim, uma parte dessa obra em que o Papa observa que a sinodalidade não implica mudar “verdades tradicionais da doutrina cristã”; antes se preocupa com o modo “como o ensino pode ser vivido e aplicado nos contextos em mudança do nosso tempo”. Cita, a seguir, um autor e protagonista do Concílio Vaticano II, Yves Congar, sobre o que distingue uma reforma verdadeira da Igreja de uma reforma falsa. A reforma verdadeira, ainda que mantendo-se “fiel à Tradição viva da Igreja”, deve também envolver gestos concretos, que incluem a participação de toda a Igreja. Como sublinhou Congar, “reformas empreendidas exclusivamente de cima, sem a participação generalizada dos que se encontram na base (na periferia e a nível popular), têm pouca eficácia”.
O arcebispo passou, depois, para um terreno que constitui uma trincheira para muitos bispos: o do movimento pela vida. E começou por afirmar que a “Igreja tem de ser, incondicionalmente, a favor da vida”, não podendo abandonar a “defesa da vida humana inocente ou da pessoa vulnerável”.
Mas como agarrar esta questão do ponto de vista de uma abordagem sinodal? Christophe Pierre deixou algumas pistas. Em processo sinodal, importaria “compreender melhor por que é que as pessoas procuram interromper a gravidez”; quais são as causas profundas das escolhas contra a vida e quais são os fatores que tornam essas escolhas tão complicadas para alguns”. Com este tipo de abordagem, procurar-se-ia “começar a formar um consenso com estratégias concretas para construir a cultura da vida e a civilização do amor”, acrescentou o núncio apostólico.
Comentando esta linha de ação, o jornalista Christopher Lamb escreve esta semana no jornal britânico The Tablet que o representante do Papa Francisco nos Estados Unidos “delineou uma estratégia alternativa” relativamente à questão do aborto. “Trata-se – adiantou – de uma mudança subtil que não anula qualquer ensinamento existente. No entanto, se posta em prática, abriria à Igreja um caminho mais pastoral e menos politizado a favor da vida”.
“É tempo de parar de condenar e começar a ouvir” – é assim que o jornalista resume o espírito da intervenção do arcebispo Pierre, para quem “gestos concretos, não meras ideias, mostram o rosto materno e terno da Igreja que é verdadeiramente pró-vida”.
“Não há conclusões pré-escritas do Sínodo”, afirma o cardeal Grech
Não foi apenas da parte do núncio que os bispos dos EUA tiveram contributos, durante a assembleia de outono. Também o secretário-geral do Sínodo, cardeal Mario Grech, fez chegar a Baltimore uma mensagem em vídeo de cerca de 15 minutos, em que sublinha que o contributo da Igreja Católica neste país é fundamental para as outras igrejas e vice-versa.
Grech reconhece o muito trabalho que a Igreja norte-americana já realiza num registo sinodal, mas insta os bispos a apostarem na escuta e a incentivarem todos a entrar nesse processo.
Para justificar a importância do contributo de cada igreja para as outras igrejas e para a Igreja universal, o cardeal observou: “Contrariamente ao que muitos assumem, não há conclusões pré-escritas, tal como não há o desejo de impor uma linha de pensamento. Há, sim, a vontade de escutar o Espírito Santo, escutando-nos uns aos outros.”
Nesta linha, apelou aos bispos para que “não tenham medo de exprimir com franqueza o que irão recolher da escuta” sinodal. Até porque não haverá contributos que sejam mais valiosos do que outros”, mas antes “um intercâmbio de dons entre as igrejas”.