Na véspera da reunião da Assembleia-Geral do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, o 7MARGENS convida os seus leitores a dizerem o que esperam deste importante acontecimento. Todos são chamados a expressarem-se. Após a publicação do primeiro texto, divulgamos hoje o segundo texto recebido e publicaremos as respostas àquela interrogação à medida que nos forem chegando.
Espero que esta assembleia sinodal seja um sinal de grande abertura para continuarmos a caminhar juntos. Que seja uma etapa de onde saiam um renovado entusiasmo e novos desafios para mais um ano de encontros, reflexão, propostas e concretizações por parte de grupos de católicos em todo o mundo. Que seja um momento de espanto para crentes e não crentes: “tanta coisa os separa, tantas opiniões opostas, tantos modos diferentes de expressar a fé e, no entanto… tanta vontade, tanto gosto, tanta certeza em permanecerem juntos”.
Hoje, o desafio que se coloca à Igreja Católica é um pouco diferente daquele que ela enfrentava em vésperas do Concilio Vaticano II. Naquele tempo tratava-se de consolidar uma pirueta que já se vinha anunciando em alguns setores eclesiais: deixar de amaldiçoar a modernidade e reconciliar-se com ela; abrir as janelas de uma Igreja acantonada, que os seus medos obrigavam a ver-se como sociedade perfeita de portas trancadas para o mundo e a sociedade.
Infelizmente, como muitos historiadores abundantemente documentam, o Concílio preparou a Igreja para viver aberta à modernidade quando esta estava a dar lugar à pós-modernidade. O descompasso regressou e em muitos lugares a Igreja voltou a ser um refúgio de segurança para quantos se sentiam agredidos pelos ventos da pós-modernidade.
Hoje, porém, o repto que a Igreja Católica e este Sínodo em particular enfrentam não é o de pacificar a relação da instituição com a cultura pós-moderna. Apesar de centrada num tema – a sinodalidade – que em grande parte remete para o modo de se organizar (de “ser”, dizem os católicos) e, portanto, para questões do foro “interno”, o verdadeiro desafio que a assembleia do próximo mês de outubro enfrenta é o do urgente serviço ao mundo e às sociedades que o compõem.
Mais do que nunca, o mundo destroçado e em guerra em que vivemos e as sociedades de ferozes antagonismos e irredutíveis clivagens em que nos movemos interpelam a Igreja. Francisco, com a sua palavra, as suas opções, gestos e escolhas não se tem furtado a mostrar os caminhos de superação dos dilacerantes conflitos que nos atravessam. O Sínodo pode prestar a essas causas um grande serviço. Mais pelo modo como se dispuser a trabalhar os temas “internos” propostos pela reflexão de milhões de católicos de todo o mundo, do que através de dramáticas decisões.
Ao estimular a participação de todos os batizados, trocando uma estrutura piramidal por outra horizontal de círculos concêntricos em que a responsabilidade e a decisão partilhada são os princípios básicos, o Sínodo ajudará a contrariar a crise da democracia e a aprofundar a participação democrática.
Ao pôr termo à discriminação das mulheres, ajudará a acelerar os numerosos passos que ainda são precisos dar para uma tranquila igualdade de género.
Ao rever a sua doutrina sobre a sexualidade libertará milhões de pessoas de uma opressão absolutamente injustificável.
Ao dar-se a paz e apontar novos compromissos em favor da paz; ao impor-se comportamentos amigos da sustentabilidade do planeta; ao apresentar-se frugal, simples e frágil – será lembrado como agente de paz, ator na defesa do planeta e voz dos mais pobres.
A assembleia sinodal será tão mais significativa quanto demonstre que a reconciliação é necessária e é possível. Ao mostrar que a diferença de opinião, das formas de entender e dos modos de fazer não é razão para começar guerras nem para inviabilizar o caminhar juntos, mas é antes uma riqueza imprescindível ao avanço da humanidade, à abertura de novos horizontes e de sínteses futuras; ao mostrar que acarinha a diferença e que constrói a unidade sem anular as diferenças, a assembleia sinodal prestará grande serviço ao mundo atual, incapaz de recriar um “nós” depois de escutadas todas as dissensões.
O que está em jogo neste outubro em Roma nada tem a ver com um confronto entre progressistas e conservadores. Do que se trata é de acender “uma pequena luz bruxuleante” nos tempos sombrios que nos envolvem. Não como quem ensina, mas como quem se atreve a viver de acordo com essa luz. A forma como debaterem e as recomendações a que chegarem os participantes do Sínodo não são apenas decisivas para o futuro próximo da Igreja Católica. São também decisivas para, num mundo com medo de si próprio, alimentarem a esperança. Para darem nova esperança aos que desejam a paz, aos que sonham um planeta amigo da vida, a quantos lutam para erradicar a fome e a pobreza e a todos os que aspiram a viver em sociedades democráticas e livres de todo o tipo de abusos, na terra que os viu nascer.
Jorge Wemans