A minha vida daria um livro
Há dias, apanhei o Uber de Copacabana para a Barra Da Tijuca – para quem não conhece o percurso, posso esclarecer que demora, dependendo do trânsito, aproximadamente uma hora. O condutor, para quebrar o silêncio da demorada viagem, perguntou que exposição ou filme eu ia ver à Cidade das Artes; respondi-lhe que ia para a apresentação do meu livro na biblioteca do recinto.
Papa Francisco e Espiritanos abraçados
Há sonhos de menino que levam tempo a ganhar corpo. Este era um deles: cumprimentar o Papa e até trocar com ele algumas palavras. Aconteceu hoje, uma segunda feira que é o primeiro dia do resto da minha vida. Os Espiritanos celebram os 175 anos da fusão das duas Congregações que estão na sua origem.
Uma janela
Uma janela, na nossa casa, lembra-me sempre que o tempo não passa tão depressa como parece. As estações demoram-se nas folhas, nas suas cores ou na sua completa ausência. Esta janela lembra-me sempre uma família muito querida que vive em Lisboa e que também tem janelas-árvores. (Texto de Inês Patrício, médica, vive em Berlim com o marido de olhos de mar e uma filha solar.)
Manifestações e conflitos
Páscoa agitada por terras gaulesas
Encontrei um país a ferro e fogo e, um mês depois – na hora de partir – deixei-o ainda a fumegar mais.
Nós (alguns apontamentos sobre o Relatório)
Não será já, mas chegará, assim o espero, o momento de nos olharmos ao espelho – Igreja instituição e Igreja Povo de Deus – e dizermos com toda a verdade: isto somos nós. Podemos não gostar, mas é isto que somos.
Pensamento reflexivo e coração aberto
Estive, há dias, num seminário cujas palestras refletiam sobre a questão da orientação sexual e identidade de género. Uma senhora, na fila atrás da minha, levantou a mão para questionar o palestrante acerca da natalidade e procriação – cujo discurso se baseava em estudos factuais sobre as questões propostas. (Opinião Ana Sofia Brito, Rio de Janeiro).
Papa Francisco: 10 anos por periferias e margens
Francisco chegou a Roma há dez anos com o passaporte de Jorge Bergoglio. E, quer queiramos quer não, está a fazer uma revolução imparável na Igreja. Ninguém é igual a ninguém, mas Francisco dá toques de enorme originalidade. Nota-se uma lufada de ar fresco.
A vida aconteceu lá atrás
Uma vez fui muito jovem e tive cabelos “rasta”, ali eu sonhei viajar o mundo sendo artista de rua. Mas sonhei com toda a minha personalidade enfiada no sonho – impulsiva, impaciente, inconsequente. Nessa totalidade era tão fácil realizar sonhos…
Aprender
Nos seus cinco anos pediu, de repente, que parássemos o carro. Parámos no meio do trânsito. Saímos as duas. Ela começou a chorar. À nossa volta ruído e confusão. Caminhámos. Ela só disse que não se sentia bem. Sei que não fala ao acaso. Não quer falar ao acaso. Precisa de tempo. Por isso caminhámos as duas. — a crónica de Inês Patrício
Uma luz na Serra Leoa
Na reunião de abertura, o apelo foi claro. Voz grave, incisiva. Discurso pausado, directo. “Contamos convosco.” Disse o Ministro. O compromisso é com a mudança. Na vida de milhares de mulheres e crianças. A urgência é muita – diz-nos. É preciso acelerar. Seguem-se as palavras-chave, em cascata. Visão. Estratégia. Planeamento. Implementação. Eficiência. Eficácia. Alinhamento. Colaboração. Partilha. Resultados. Impacto. Vidas salvas. (Texto: Luís Castanheira Pinto).
Avó, mete mais um prato na mesa do céu
Esta manhã fui levar a roupa suja à lavandaria, levava fones ligados, com o podcast de poesia - é a única maneira de conseguir andar nas avenidas de Copacabana sem me deixar estrangular pela confusão - ouço poesia e gente que fala de poesia, como se...
O livro que ele não escolheu
E esse homem que lê o livro que não escolheu. Derrama a imaginação no sarcasmo do travesseiro que é degrau de livraria. Então eu sei que o livro é pai e mãe, e voz serena para embalar quem vai dormir. Só que o sono não chega porque a serenidade não cabe nas páginas de quem continua preta.
Luzes, enfeites… Natal
Luzes, arranjos florais, votos de boas festas, comidas típicas desta época – são tudo sinais externos, vistos como menores, quando comparados com o espírito que deveria ser vivido no Natal. Eu confesso que sempre gostei destas “superficialidades”. A cada ano que montamos a árvore de Natal, regresso a um tempo de meninice.
Boa educação
No programa “Fugiram de casa de seus pais”, a convidada era Rita Blanco. Desde então volto, internamente, àquele tema. A Rita Blanco defendia a educação como a coisa mais importante. Não a educação formal, a boa educação. O Miguel Esteves Cardoso, concordando, dizia que se tivéssemos boa educação, no sentido de pensar nos outros e querer que os outros se sintam bem, a maior parte dos nossos problemas estariam resolvidos.
A ecologia integral do presépio do Vaticano
O obelisco da Praça de S. Pedro já está rodeado do presépio que, desta vez, veio de Sutrio, província de Udine, região do Friuli. Inaugurado no sábado, 3 de dezembro, tem a particularidade de ser todo de madeira: desde a cabana que abriga a Sagrada Família até às várias imagens que povoam o estrado onde o presépio está montado.
Desobediência
Recentemente fui desafiada a algo que não esperava. Provavelmente deveria começar a ensinar a minha filha a prevaricar, disse-me o meu pai. Foi a palavra escolhida. O sentido era o de rebeldia, de desobediência. Eu fiquei a pensar.
Rua dos Anjos, ou: coisas do divino
Dias antes de o passarmos no Portuguese Cinema Days in Berlin, o documentário Rua dos Anjos tinha sido exibido no Porn Film Festival, e recebera uma crítica muito elogiosa de Manuel Schubert num blog do TAZ (aqui, em alemão), que o autor sintetizou assim no twitter: “”Em todos os festivais de cinema há aquele filme que nos desinstala, que faz tudo certo como nenhum outro, que nos toca, que nos faz pensar. No #Pornfilmfestival Berlin 2022, esse filme é o documentário „Rua dos Anjos“ de Maria Roxo & Renata Ferraz …”
Esse Deus dos contrastes
Os três cenários têm lugar em países por onde passei recentemente. Os cenários são reais. Lagos, Nigéria. Lusaka, Zâmbia. Adis Abeba, Etiópia. Países onde a mortalidade infantil é inaceitavelmente elevada. Onde a subnutrição é endémica. Onde a pobreza persiste num nível infra-humano. Assim mesmo. Cru. Sem temperos.
Dignidade e autonomia
Os alemães não são nem melhores nem piores que nós, mas este conceito de autonomia está profundamente enraizado e dele não prescindem.
Os queer e eu – e a gramática
A pessoa que vem ajudar quando as nossas colmeias têm algum problema mais sério tem nome de homem e anda sempre de saias (um estilo muito pessoal, fascina-me). Até agora não me provocou qualquer dúvida ou insegurança – talvez, desde já, por em alemão não ser preciso pôr um artigo antes do nome. Um dia que precise de usar um género na minha frase, pergunto-lhe delicadamente qual devo usar.
Vigília
Cai a noite. Esta noite é em Berlim. As noites são agora aqui, mas já foram em Coimbra, no Porto, em Lisboa. E estas noites acontecem em todo o mundo, disso tenho a certeza. O que faz um(a) médico(a) passar a noite à volta de um doente que sabe que, após uma primeira avaliação, é quase certo que não vai sobreviver? É quase certo.
Reconhecimento
Acredito que o reconhecimento deveria ocupar um lugar mais cimeiro na pirâmide das emoções e dos sentimentos. Os certificados, as medalhas, os prémios, etc, são objetos tangíveis, certamente específicos de determinados momentos e contextos. Mas a sensação de reconhecimento pode chegar de muitas outras formas mais ou menos subtis. Com um e-mail, uma nota de agradecimento, um presente, uma palavra que seja.
O terceiro ponto da ordem de trabalhos
A Guatemala não é um país pobre. Não quando comparado com outros países com que trabalho. Trabalhamos. Ali se observa o chamado “paradoxo da nutrição”. Investimento em massa nas últimas décadas. Governos consecutivos, ONGs e organizações internacionais. Programas armados e orientados por muitos.
Acolher sem porquês
Eu e o meu namorado vivemos na Alemanha e decidimos desde o início da guerra na Ucrânia hospedar refugiados em nossa casa. Pensámos muito: nenhum de nós tem muito tempo disponível e sabíamos que hospedar refugiados não é só ceder um quarto, é ceder paciência, muita paciência, compreensão, ajuda com documentos…
A paz perpétua
Vamos “dançar” o Requiem de Fauré, e ligá-lo à tradição mexicana do Dia de los Muertos. A doçura da abordagem de Fauré, que nos propõe a morte como passagem para o paraíso, e o reencontro festivo com aqueles que amamos e passaram para o lado de lá. Um evento para ver, ouvir, cheirar, saborear e viver em proximidade.
Páscoa na Arménia
Quando andámos a filmar o ARtMENIANS em 2014, pudemos assistir ao #rito da Páscoa da Igreja Arménia: Domingo de Ramos em Etchmiadzin (o “Vaticano” da Igreja Arménia), e Domingo de Páscoa no mosteiro de Gelarde. Recomendo tudo: as celebrações, os cânticos antiquíssimos, a vivência da fé, os cenários. A alegria das crianças no Domingo de Ramos, a festa da ressurreição em Gelarde – e uma solista a cantar numa sala subterrânea, uma das primeiras igrejas cristãs do mundo.
A Rússia de Kathie Guroff
Mais do que compreender o que é a Rússia de Kathie Guroff, creio ir percebendo aquilo que não é. A Rússia de Kathie Guroff – tal como a Ucrânia de Kathie Guroff – não é feita de bons e maus. Nem de regimes. Nem de estratégias. Nem de geopolítica. Nem tampouco de ideias-feitas, estereotipadas, sobre uma cultura.
Sobreviver a cenários de terror
A série Terror em Paris, da Netflix, recorda o ataque terrorista ocorrido em Paris, em 2015. Quando estava a ver este documentário senti-me, naturalmente, perturbado com todos os testemunhos. No entanto, o último episódio dá conta de um par de situações que são de uma enorme comicidade – o que me apanhou completamente de surpresa.
Berlinenses que acolhem refugiados ucranianos – um testemunho
Às vezes precisamos que alguém nos empurre. Foi o que aconteceu comigo no sábado passado. Quando recebi o telefonema da minha amiga J. que estava na estação central de comboios, aqui em Berlim, e precisava de arranjar casas onde alojar pessoas acabadas de chegar da Ucrânia.
diário
No dia 23 de Fevereiro, o primeiro reflexo foi de medo: no discurso imperialista de Putin tudo indica que a Ucrânia é um início. Depois será a vez dos Estados bálticos – um ataque à União Europeia. E nós, que faremos? Subitamente, viver em Berlim torna-se inquietante: se Putin decidir lançar uma bomba atómica, qual seria a cidade mais simbólica para o fazer?
Desejar a ausência dos outros
Palavra puxa palavra, começámos a falar do projecto em curso para urbanizar aquele terreno tão jeitoso para os nossos animais correrem à vontade. Querem fazer três prédios, com uma exposição permanente sobre as deportações, um “jardim dos justos” para lembrar aqueles que ajudaram judeus a escapar à implacável máquina do Holocausto, e também mais de 150 apartamentos minúsculos para estudantes.
A estética indizível do Chade
Tempestade de areia. Fico retido mais um dia em N’Djamena, a capital do Chade. Regresso ao hotel. Ao mesmo quarto onde dormi nas últimas semanas. Aproveito para escrever este texto. O hotel tem muros altos, fortificados. Arame farpado em todo o perímetro. À chegada abre-se um portão. O carro avança. O portão fecha-se atrás. Abre-se um outro, à frente. O carro avança de novo até à recepção. Cautelosamente. Esta dança de segurança é executada por homens fortemente armados.
Ser pai no inverno da Estónia
Estou a viver na Estónia há oito anos e fui pai recentemente. Vim para aqui estudar e, como acontece a muitos outros portugueses espalhados por esse mundo, apaixonei-me por uma mulher deste país, arranjei trabalho, casei e o mais recente capítulo da minha história é o nascimento do meu filho, no mês de dezembro de 2021.
As velocidades do tempo
Joaquim, Jo para os ingleses, é das pessoas mais extraordinárias que conheci em Inglaterra. É construtor civil especializado em transformar sótãos das tradicionais casas ingleses em espaços habitáveis. Levanta-se cedo e toma o pequeno-almoço, a única refeição e pausa que fará até ao jantar. De resto, alimenta-se a café.
E hoje, onde vamos?
Há pouco menos de um mês lançámo-nos em mais uma viagem de carro neste país que nos acolhe. Nove dias, cerca de dois mil quilómetros percorridos. De tudo, no entanto, destacou-se uma pergunta. Uma pergunta livre, sem agenda. Simples. Direta.
Presépios no Vaticano
Das montanhas do Peru à Praça de São Pedro
Sim, presépios. Uso o plural porque são 102. Uma centena está à sombra da colunata de Bernini. Outro está na Sala Paulo VI, feito por jovens de Pádua. O grande, vindo directamente do Peru, ocupa o centro da Praça de S. Pedro.
SNS ou Gesundheitsamt?
Muito se tem falado sobre vacinas, obrigatoriedade ou não. Como portuguesa a viver na Alemanha tento observar e perceber os processos que levam a que Portugal tenha 87% da população com duas doses da vacina contra a covid e a Alemanha tenha 69%. E a minha resposta é: SNS.
Angela Merkel
Na hora da despedida
16 anos. No seu último discurso como chanceler, Angela Merkel apontou alguns dos problemas mais graves do nosso tempo, nomeadamente os perigos que a Democracia corre, e a necessidade de lhes responder com firmeza, a importância do diálogo internacional, a importância de ver o mundo com os olhos dos outros. Um testamento político muito digno.
As prateleiras vazias
Teria eu uns 6 anos quando um dia o meu pai trouxe para casa uma pasta de chocolate Jubileu. Creio que a terá ganho num torneio de cartas, daqueles que se fazem nas aldeias, para angariar fundos para as festas da paróquia. Lembro-me bem disso porque não era nada normal termos acesso a essas lambarices. Na minha memória, o chocolate terá durado uns dias, ou semanas, porque o dividimos em pequenos pedaços. Para render e saborear.
Pronto-a-vestir – Ascensão e queda do sector da moda berlinense
O ataque aos judeus alemães, preparado e perpetrado em todo o país pelos nazis no dia 9 de Novembro de 1938, teve no centro de Berlim um acto de poderoso carácter simbólico: do mesmo modo que em 1933 queimaram livros na praça em frente à universidade, em 1938 fizeram nova fogueira, a poucas centenas de metros dessa praça, para queimar tecidos e modelos do sector da moda berlinense, que se desenvolvera imenso ao longo do século anterior devido ao trabalho pioneiro de empresas de judeus.
Margot Friedländer: Os “seres humanos que me salvaram”
Dia 12 de Outubro foi dia de “Salão Filarmónico” na Kammermusiksaal, em Berlim, e a convidada era Margot Friedländer, uma sobrevivente do Holocausto que fará 100 anos neste dia 5 de novembro. A sessão começou com Dagmar Manzel a cantar canções berlinenses dos anos 20. As canções descontraídas, divertidas, brejeiras que Margot terá ouvido em criança, no tempo da República de Weimar, pouco antes de os nazis chegarem ao poder.
Eleições
Da personalização do voto
Sempre achei confuso e difícil isto de escolher duas coisas com um só boletim de voto. Uma coisa é escolher com que partido ou com que programa de governo me identifico mais, outra coisa é escolher quem é a pessoa ou o partido que eu acho que representa melhor os interesses da minha região no parlamento. Na minha cidade natal, o Porto, aconteceu-me diversas vezes querer votar num partido com um determinado programa de governo, mas achar que o deputado X de outro partido poderia fazer a diferença no Parlamento.
O poder do trabalho em conjunto
Quando a escola é mesmo uma comunidade
Os exemplos são apenas isso. Breves exemplos das últimas semanas. Extraídos de uma vertigem avassaladora de início de um novo ano letivo. São, no entanto, ilustrações fidedignas, reais, de uma comunidade em acção. Digo comunidade. E não Administração. Ou Governo. Ou Direcção.
Crónica de viagem
Ao sabor do País de Gales
Com a época escolar terminada e as restrições do vírus a levantar, as ruas do País de Gales enchem de uma maneira que me lembra a vida de há um ano atrás. Conhecer desconhecidos já não parece meter medo e confesso que, por vezes, já me sinto estranho ao usar máscara na rua quando mais ninguém o parece fazer.
Crónica de Berlim
nazis, Israel/judeus, europeus: o que há por trás de certas caricaturas
Lá vamos nós outra vez: a tragédia Palestina/Israel agudiza-se, e recomeçam as caricaturas que comparam o que Israel faz aos palestinianos com o que os nazis fizeram aos judeus – o Holocausto em Gaza… Fico sempre incomodada com este tipo de comparação, e passo a explicar porquê.
O regresso à escola má
Custa-me imenso falar de educação. A sério. Dói-me. Magoa fundo. O mal que temos tratado a educação escolar nas últimas décadas. Colectivamente. Geração após geração. Incomoda-me a forma como é delegada para planos secundários perante a suposta urgência de temas tão mais mediáticos e populares. Quando nada me parece mais urgente.
É o vírus, estúpido!
No princípio da semana (22 março), Angela Merkel reuniu com os ministros-presidentes dos estados alemães para tomar decisões sobre o que fazer perante o actual descontrolo da situação na Alemanha. As hesitações dos políticos e os truques que alguns responsáveis regionais arranjaram para iludir as regras combinadas por todos foram fatais para a luta contra a mutação inglesa. Esta terceira vaga está a ser ainda mais rápida e avassaladora do que já se temia.
Viagem ao Sul
Hoje conto-vos acerca da nossa viagem ao Sul, na semana de Acção de Graças em pleno Novembro de 2020. Um dos aspectos interessantes de viver nos Estados Unidos é a possibilidade de, sem sair das fronteiras do país, encontrarmos de tudo um pouco: desde o inverno gélido de Washington DC aos cenários verdes e húmidos da Geórgia, passando pela secura e aridez do Mississípi.
Vacinas: Criticar sem generalizar
Alguns colegas de coro começaram a falar dos espertinhos – como o político que se ofereceu (juntamente com os seus próximos) para tomar as vacinas que se iam estragar, argumentando que assim davam um bom exemplo aos renitentes. Cada pessoa tinha um caso para contar. E eu ouvia, divertida.
Angela Merkel
Partilho o último discurso de Ano Novo de Angela Merkel como chanceler alemã. A princípio não gostava muito dela, e desgostei especialmente na época da crise do euro. A rejeição era tal que, há cerca de 15 anos, os meus filhos sentiram necessidade de tomar uma importante decisão pessoal: anunciaram que gostavam muito dos avós “apesar de eles votarem na Angela Merkel”.
Seremos capazes de entender?
Um amigo meu, médico alemão, viu um homem a sair de uma enfermaria e a fugir pelo corredor soltando gritos horrorosos, completamente fora de si. Era um sobrevivente do Holocausto, que teve uma terrível crise de pânico ao ver-se dentro de um quarto com grades nas janelas. Disse o meu amigo: “Pensava eu que sabia tudo sobre o Holocausto, mas ao ouvir os gritos daquele homem dei-me conta de que afinal ainda não tinha entendido.”
O Mississippi também é um rio
Ainda nos primeiros dias da viagem, interrogávamos à entrada de cada Estado: “Este é Trump ou Biden”? À cautela, e apesar da conversa em português, apenas entre nós, num restaurante barulhento no centro de Charleston, a minha filha mais velha referia-se a ele como “laranjinha” nas menções ao ainda Presidente dos EUA. Todos à nossa volta nos pareciam focados numa batalha de votos. De partidos. De fações.
As “arcades” de Cardiff e quase um conforto no ar
Ao fim de dois meses de variados confinamentos, novembro trouxe uma nova liberdade ao País de Gales. Cardiff é especialmente conhecida, nesta altura do ano, pela quantidade de bancas e luzes espalhadas pelas ruas estreitas da cidade, que eventualmente conduzem qualquer visitante à sua famosa feira – Winter Wonderland.
Ídolo
Não sei quem escreveu o livro do Levítico, e gostava de saber, para lhe deitar as culpas retroactivas do fundamentalismo que se abateu sobre vastas áreas da Europa no século XVI, e que levou simpáticos cristãos a destruir inúmeros objectos de arte sacra porque viam neles uma blasfémia.
A geração perdida de Aberfan
Infelizmente, para muitos galeses, outubro no seu país significa também relembrar o desastre de Aberfan. Aberfan é uma terra dos vales galeses como qualquer outra: uma série de casas e estabelecimentos que se encontram entre duas montanhas com o ocasional rio a separá-las. Tem um parque, supermercado, pub, correios e cemitério. No dia 21 de outubro de 1966, o cemitério de Aberfan acolheu mais vidas do que merecia.
Outono em Washington DC: cores quentes, cidade segregada
Vou jantar fora com um grupo de amigas, algo que parece impensável nos dias que correm, e fico deslumbrada com o ambiente que se vive nas ruas, deparo-me com inúmeros bancos de jardim que agora se transformaram em casa para alguém, algumas tendas de campismo montadas em Dupont Circle, a rotunda que define a fronteira invisível entre ricos e pobres.
Não ter medo da covid
Nesta crise da covid tenho ouvido cada vez mais falar em medo, em “manipulação pelo medo” em “não ceder à estratégia do medo”. Parece que há por aí quem acredite que os governos têm um plano secreto de instalação do totalitarismo, e a covid é apenas uma excelente desculpa para a pôr em prática.
O País de Gales sem máscara, através da janela
Enquanto, em Portugal, parte de mim desculpava o número arrasador de vítimas da covid-19 em certos países com o óbvio argumento “claro, têm mais pessoas, vão ter mais casos…”, o país que me interessa a mim, o Reino Unido, encontrava-se entre os lugares mais altos na lista de países com mais infetados. Mas não me preocupei: o argumento anterior relaxava-me.
A reunião de trabalho
A reunião de trabalho convocada pela chefe chegou sem surpresa. Mais uma entre tantas. Comparecemos todos. Através do ecrã, a expressão no rosto e o tom da voz denotavam, no entanto, uma intenção outra. Um assunto especial. Havia efectivamente um assunto especial a abordar. Abertamente. Uma autenticidade sem pudor marcou o tom da conversa. Um cuidado humilde e generoso revelado sem condicionamentos.
STOP nas nossas vidas: Parar e continuar
Ao chegar aos EUA tive que tirar a carta condução novamente. De raiz. Estudar o código. Praticar. Fazer testes. Nos EUA existe um sinal de trânsito que todos conhecemos. Porque é igual em todo o mundo. Diz “STOP”. Octogonal, fundo branco, letras brancas. Maiúsculas. Impossível não ver. Todos vemos. Nada de novo. O que me surpreendeu desde que cheguei aos EUA, é que aqui todos param num STOP. Mesmo. Não abrandam. Param. O carro imobiliza-se. As ruas desertas, sem trânsito. Um cruzamento com visibilidade total. Um bairro residencial. E o carro imobiliza-se. Não abranda. Para mesmo. E depois segue.
De Itália, cratera do vulcão covid, desafios e alertas
A covid ainda anda por aí à solta. E lança os tentáculos em direcções complicadas, tentando fazer das suas nas favelas do Rio e S. Paulo, nos musseques de Luanda e Maputo, nos slums de Nairobi e Kampala, nas periferias das megalópoles indianas,… lá, onde parece fácil chegar o fogo e não haver bombeiro que o apague! Rezemos para que tal não aconteça, para bem de todos.
Retrospectiva
Regresso algures a meados de 2019, vivíamos em Copenhaga, e recupero a sensação de missão cumprida, de alguma forma o fechar de um ciclo ao completarmos 10 anos de vida na Dinamarca e nos encontrarmos em modo de balanço das nossas vidas pessoais, profissionais e também da nossa vida interior. Recordo uma conversa com uma querida amiga, onde expressei desta forma o meu sentimento: “a nossa vida aqui é boa, confortável, organizada, segura, previsível, mas não me sinto feliz.”
O “fecho” de uma Casa Geral aberta “urbi et orbi”
Acabou o encontro dos novos Superiores Maiores dos Missionários Espiritanos vindos dos quatro cantos do mundo a Roma para “aprender” algumas ferramentas de liderança e espiritualidade. Partiram na véspera do “fechamento” do espaço aéreo. Caiu-nos em cima o estado de emergência que nos blindou em casa, com o lock down, a 9 de março.
A doença do coronavírus serve de desculpa para tudo?
À boleia da pandemia que nos aflige, vejo coisas a acontecer que não podem deixar de me espantar, pela sua aberração e desfaçatez de quem as pratica. Em meados de fevereiro, em Mullaithivu, no norte do Sri Lanka, foi descoberta uma vala comum enquanto se procedia às escavações para as fundações duma extensão do Hospital de Mankulam. Segundo os médicos legistas, os restos mortais encontrados têm mais de 20 anos.
Um refúgio na partida
De um lado vem aquela voz que nos fala da partida como descoberta. Um convite ao enamoramento pelo que não conhecemos. Pelo diferente. Um apelo aos sentidos. Alerta constante. Um banquete abundante em novidade. O nervoso miudinho por detrás do sorriso feliz. Genuinamente feliz. O prazer simples de não saber, de não conhecer…
Há futuro e uma Igreja dinâmica por terras de Cabo Verde
Durante um mês, estive com vários “monumentos” missionários vivos, em Cabo Verde que, desde 1954, quando chegou o primeiro, por lá continuam de pedra e cal. São todos Missionários Espiritanos, congregação que para ali foi em 1941, ajudando a reconstruir a Igreja nas ilhas de Santiago, Maio e Boavista.
Missionários “passadores” de cabo-verdianos e carros a atropelar gafanhotos
Durante um mês, estive com vários “monumentos” missionários vivos, em Cabo Verde que, desde 1954, quando chegou o primeiro, por lá continuam de pedra e cal. São todos Missionários Espiritanos, congregação que para ali foi em 1941, ajudando a reconstruir a Igreja nas ilhas de Santiago, Maio e Boavista.
Sankt Andreas Kirke, Copenhaga – Uma igreja nómada
Gothersgade 148, 1123 København K, Igreja de Skt. Andreas. Era este o sítio a que nos devíamos dirigir quando nos interessámos por um concerto de música clássica, de entrada gratuita, por altura do Natal de 2009. Estávamos em fase de descoberta daquela que seria a nossa casa por 10 anos – Copenhaga, Dinamarca.
Uma mulher fora do cenário, numa fila em Paris
Ultimamente, ao andar pelas ruas de Paris tenho-me visto confrontada pelos contrastes que põem em questão um princípio da doutrina social da Igreja (DSI) que sempre me questionou e que estamos longe de ver concretizado. A fotografia que ilustra este texto é exemplo disso.
Santo António, S. Judas Tadeu, Buda e as causas impossíveis
Entrei no táxi. Saltou-me à vista uma imagem de Santo António sobre o tablier e para desbloquear a conversa perguntei:
– Sabe que aquele senhor nasceu na mesma cidade que eu?
Thilak, o motorista, numa tentativa de não me desapontar respondeu rápido:
– Itália?
Guiné-Bissau: das “cicatrizes do tempo” ao renascer do povo
Este mês fui de visita à Guiné. Uma viagem de memória para quem, como eu, não tinha memórias da Guiné. Estive em Luanda ainda em criança, mas as memórias são as próprias da idade. Excepção à única em que o meu pai me bateu. Às cinco da tarde saí de casa e às dez da noite descobriram-me a assistir, divertida, ao baile no clube. Uma criança de cinco anos, branca e loura, desaparecida na Luanda dos anos 1960 não augurava coisa boa, o que gerou o pânico dos meus pais. Daí a tareia…
Dos imigrantes europeus ao P. Joaquim Alves Correia, uma universidade nos EUA
A história desta Universidade americana faz-nos recuar ao fim do século XIX. Nada melhor que percorrer o seu vastíssimo campus para saber quando tudo começou. Uma enorme placa à entrada da Reitoria explica que foi fundada pelos Missionários do Espírito Santo em 1878, incorporada no Pittsburg Catholic College em 1882 e chamada ‘Duquesne University’ em 1911. A poucos metros, mesmo na entrada da Igreja da Universidade, está a estátua do seu fundador: o padre Joseph Strub, missionário alemão.
30 anos de Alemanha: tão longe e tão perto (um testemunho)
No dia 4 de Novembro de 1989, um sábado, enquanto eu fazia as malas para me mudar para a Alemanha, na Alexanderplatz, em Berlim Leste decorria uma manifestação com um milhão de pessoas. Gritavam “nós somos o povo” contra um regime que roubava a liberdade às pessoas em nome do que entendia ser o interesse delas.
“When Love comes to town…”
Chegou o outono. E eu, que sou movida ao ritmo das estações, já trago comigo aquela melancolia dos ciclos. Chegou o tempo das rotinas que nos trazem estabilidade, mas nos retiram a espontaneidade do tempo sem tempo. E depois a vulnerabilidade do recomeço, essa de novo nudez onde tudo é possível.
Hoje não há missa
Na celebração dos 70 anos da República Popular da China (RPC), que se assinalam no próximo dia 1 de outubro, são muitas as manifestações militares, políticas, culturais e até religiosas que se têm desenvolvido desde meados de setembro. Uma das mais recentes foi o hastear da bandeira chinesa em igrejas católicas, acompanhado por orações pela pátria.
Amazónia, um pulmão a proteger
Nestas últimas semanas, a Amazónia pegou fogo nas redes sociais! “A Amazónia está a arder”! – lia-se por todo o lado, em textos acompanhados de fotos ilustrativas, algumas das quais nem tinham nada a ver com a situação, ou porque eram fotos antigas ou de outras...
A Páscoa em Moçambique, um ano antes do ciclone – e como renasce a esperança
Um padre que passou de refugiado a conselheiro geral pode ser a imagem da paixão e morte que atravessou a Beira e que mostra caminhos de Páscoa a abrir-se. Na região de Moçambique destruída há um mês pelo ciclone Idai, a onda de solidariedade está a ultrapassar todas as expectativas e a esperança está a ganhar, outra vez, os corações das populações arrasadas por esta catástrofe.
Uma gotinha do Tamisa contra o “Brexit”
Mas o meu objectivo número um para a visita neste sábado era o de participar na grande e anunciada manifestação contra o Brexit. Quando cheguei junto ao Parlamento já lá estava tudo preparado para as intervenções políticas.
Pacto de Luz
“Por cá o Inverno vai bem alto, que é o mesmo que dizer temperaturas muito baixas e neve fresca todos os dias. Mas é a escuridão que inquieta e desiquilibra, fazendo-me a cada ano por esta altura, desejar regressar ao meu tão amado Sul.”
Bruno Ganz – um sopro de eternidade e um dia
Caso alguém precise de uma prova de que Deus existe e me tem muito amor, aqui está ela: uma vez convidaram-me para contracenar com Bruno Ganz numa encenação relativamente privada da peça “Coração a Gás”, do dadaísta Tristan Tzara. Como Deus existe, e gosta muito de mim, arranjou de eu nesse dia ter um compromisso noutra cidade. Assim se pouparam dois recordes Guinness: o meu embaraço e a vergonha alheia do Bruno Ganz.
De Zanzibar a Abu Dhabi – os desafios enormes do Diálogo Inter-Religioso
De Zanzibar, na Tanzânia, a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, pelos caminhos do diálogo inter-religioso.
Como falar de Deus depois de Auschwitz?
É necessário viver a fé num olhar atento ao sofrimento do Outro. E pode ser que nesse olhar se obtenha a resposta que Auschwitz nunca deixa de pôr: “Onde estava Deus naqueles dias?” E onde é que Ele está nos nossos dias?
Manchester, ‘City’ nem sempre ‘United’ – Da Revolução Industrial ao futebol
Manchester acolheu-me na área de Ancoats, ali onde a Revolução Industrial encontrou as suas primeiras realizações, com a construção de muitas fábricas têxteis no século XIX.Eamonn Mulcahy, nascido e crescido em Manchester, tem feito sucessivas visitas guiadas a esta...
Noruega, metáfora do futuro
Este país do norte da Europa que, pelos mitos do frio e do escuro, pensava só se poder escolher por necessidade ou por loucura, é agora a minha casa desde há cinco anos.Recordo ainda assim que já o via de longe e o admirava pela sua verdadeira social-democracia e...
Catolicismo na Alemanha: transparência e reforma
Depois de tudo o que aqui se viveu em 2018, a Igreja Católica alemã só pode esperar que o ano que agora começou lhe permita navegar em águas mais serenas e deixar-lhe o sossego necessário para se dedicar às reformas internas que uma boa parte das dioceses já iniciou e...
9 de Novembro. O que há numa data? E num nome?
A queda do muro de Berlim (em 1989), que deu origem ao processo de reunificação da Alemanha dividida após a Segunda Guerra Mundial, seria a melhor das razões para fazer do dia 9 de Novembro o feriado nacional alemão. Mas o 9 de Novembro está também marcado pela...