
De todas as mortes registadas em 2021, 15% ocorreram entre crianças com menos de 14 anos. Foto © CMI.
O mais recente relatório da ONUSIDA, divulgado esta terça-feira, 29 de novembro, é perentório: “o mundo continua a falhar à infância” na resposta contra a doença. No final de 2021, 800 mil crianças com VIH não recebiam qualquer tratamento. Entre os cinco e os 14 anos, apenas 40% tiveram acesso a medicamentos para a supressão viral. A boa notícia é que as mortes por sida caíram 5,79% face a 2020, mas a taxa de mortalidade observada entre as crianças é particularmente alarmante.
De acordo com o relatório, divulgado a dois dias de ser assinalado o Dia Mundial de Luta Contra a Sida (1 de dezembro), 15% de todas as mortes registadas em 2021 ocorreram entre crianças com menos de 14 anos, apesar de estas representarem 4% do total de pessoas a viver com o VIH no mundo.
Outro relatório global, publicado pela Unicef na segunda-feira, 28 de novembro, confirma que o cenário não é animador entre os mais novos, revelando que mais de 300 crianças e jovens morrem diariamente por causas relacionadas com a sida, totalizando cerca de 110 mil só em 2021.
Nos países prioritários em matéria de VIH identificados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, a cobertura do tratamento antirretroviral entre crianças era de 56% em 2020, mas caiu para 54% em 2021.
Portugal é um dos países da Europa Ocidental com mais novos casos
No nosso país, segundo dados do Relatório Infeção por VIH em Portugal 2022 divulgados também esta terça-feira pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), a tendência decrescente de novos casos de infeção por VIH, já verificada desde o ano 2000, manteve-se nos anos 2020 e 2021, período em que foram diagnosticados 1.803 novos casos de infeção por VIH, quatro deles em crianças. Se compararmos a evolução de 2012 para 2021, verifica-se uma redução de 44% no número de novos casos de infeção pelo vírus.
Apesar de uma clara tendência decrescente, o relatório salienta que Portugal continua a ser um dos países da Europa Ocidental com taxas mais elevadas de novos casos de infeção, particularmente numa população mais jovem, sendo que 63,6% dos infetados tem entre 25 e 49 anos.
No mundo, 38,4 milhões de pessoas tinham sida no final do ano passado, indica o documento disponibilizado pelo Programa das Nações Unidas de Combate ao VIH. Este número representa 1,5% a mais do que em 2020, quando a doença afetava cerca de 37,8 milhões de pessoas. Por região, a África Oriental e Austral responde por quase metade do total de casos de sida no mundo: 20,6 milhões.
“O único caminho eficaz para acabar com a sida é feminista”

Winnie Byanyima, diretora executiva da ONUSIDA. Foto © ONUSIDA.
Intitulado “Desigualdades Perigosas”, o relatório da ONUSIDA avança que são precisamente “as desigualdades que estão a impedir que se ponha fim à sida”. “Com a tendência atual, o mundo será incapaz de cumprir os objetivos mundiais acordados em matéria de sida”, pode ler-se no documento, que revela o impacto das desigualdades de género, das desigualdades que enfrentam os “grupos de população-chave” e das desigualdades entre crianças e adultos, e destaca ainda como “o agravamento das imitações financeiras faz agora com que seja mais difícil abordar essas desigualdades”.
“O mundo nunca poderá vencer a sida se continuarmos a reforçar o patriarcado”, afirma Winnie Byanyima, diretora executiva da ONUSIDA, e exemplifica: “Em áreas com uma elevada incidência de VIH, as mulheres submetidas a violência dentro do casal têm mais 50% de possibilidades de contrair VIH. Em 33 países entre 2015 e 2021, só 41% das mulheres casadas entre os 15 e os 24 anos podiam tomar as suas próprias decisões sobre saúde sexual”. Neste sentido, “o único caminho eficaz para acabar com a sida, atingir as metas de desenvolvimento sustentável e garantir saúde, direitos e prosperidade partilhada é um caminho feminista”, defende.
Os efeitos das desigualdades de género nos riscos de contrair uma infeção por VIH são especialmente pronunciados na África Subsaariana, onde as mulheres representaram 63% das novas infecções em 2021.
Nesta região, jovens adolescentes e mulheres jovens (entre os 15 e 24 anos) têm três vezes mais probabilidades de contrair o VIH do que adolescentes e homens jovens da mesma faixa etária. Mas, avança a ONU, permitir que as meninas permaneçam na escola até concluírem o ensino médio reduz a sua vulnerabilidade à infecção em até 50%. Quando isso é reforçado com um pacote de apoio à capacitação, os riscos para as meninas são ainda mais reduzidos.
O papel das Igrejas

No dia 1 de dezembro, o CMI promove uma oração ecuménica pelos doentes de SIDA, Foto © Albin Hiller / CMI.
“Sabemos o que temos que fazer para acabar com as desigualdades”, afirma Byanyima. “Temos que garantir que todas as nossas meninas possam ir à escola, estejam seguras e fortes. Devemos abordar questões relacionadas com a violência de gÉnero. Temos que dar o nosso apoio às organizações de mulheres. Promover masculinidades saudáveis: substituir comportamentos nocivos que agravam os riscos para todos. Garantir que os serviços para crianças a viver com VIH cheguem até elas e atendam as suas necessidades, a fim de fechar a lacuna de tratamento para acabarmos de vez com a sida infantil. Descriminalizar pessoas em relacionamentos homossexuais, profissionais do sexo e consumidores de drogas e investir em serviços comunitários que possibilitem a sua inclusão, pois isso ajudará a derrubar as barreiras dos serviços e a cuidar de milhões de pessoas.”
Para o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), é essencial que os líderes religiosos e as suas comunidades se empenhem mais em “trazer a questão da sida de volta às agendas” e se envolvam com os Governos, escritórios locais da ONUSIDA, instituições de saúde, e outros parceiros, para dar um maior contributo na erradicação da doença.
Num webinar que reuniu no passado dia 24 de novembro participantes de diversas partes do mundo, da Jamaica à Indonésia, passando pela Índia e República Dominicana, Gracia Ross, executiva do programa de Iniciativas Ecuménicas relacionadas com o VIH e sida do CMI, defendeu que “o setor da fé tem que estar do lado das pessoas que vivem com VIH e do lado daqueles que vivem à margem. Existem muitas questões nas quais podemos colaborar para criar uma resposta abrangente e integral.”
Durante a sua intervenção no webinar, que o 7MARGENS acompanhou, Ross sublinhou que “as igrejas são instituições influentes porque estão profundamente enraizadas em comunidades ao redor do mundo. Elas podem ser uma força de transformação – trazendo cura, esperança e acompanhamento para todas as pessoas afetadas pelo VIH”. E insistiu: “Queremos que o setor religioso e as comunidades conversem e se concentrem nas ações”.
O Conselho Mundial de Igrejas começou por promover a “competência em VIH” nas diversas Igrejas presentes em África, mas já expandiu este programa a outras regiões, nomeadamente a países como as Filipinas e a Ucrânia, onde as próprias Igrejas solicitaram que a instituição partilhasse as suas experiências e conhecimentos.
Esta quinta-feira, 1 de dezembro, promove uma nova reunião online, onde promete fazer “uma atualização da resposta ao VIH por parte do Conselho Mundial de Igrejas e dos seus parceiros ecuménicos em todo o mundo, observando as estratégias implementadas e o caminho a seguir”. A participação é gratuita, mediante inscrição no site do CMI.
No mesmo dia, o CMI, do qual fazem parte 352 igrejas cristãs em 120 países, desafia todos a juntar-se a uma oração ecuménica pelos doentes de sida, em particular “aqueles que morreram sem acesso a medicamentos e cuidados oportunos, devido ao estigma e à discriminação”. A oração decorrerá no Centro Ecuménico de Genebra (Suíça) e poderá também ser acompanhada online.