
Papa Francisco em oração no Momento de Reflexão que deu início ao Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, em Outubro 2021. Foto © Vatican Media.
Não se pretendia ter um retrato da situação no país, quando 130 pessoas se juntaram na noite desta segunda-feira, 14, interpeladas pela pergunta do 7MARGENS “E como estamos de Sínodo?”. O que se partilhou permitiu perceber que alguma coisa mexe, por detrás do aparente silêncio da Igreja Católica em Portugal em torno do Sínodo sobre a sinodalidade.
O encontro, moderado pelo diretor deste jornal, António Marujo, abriu com intervenções de duas convidadas: Cátia Tuna, professora da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, e Ângela Barreto Xavier, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. A maior parte da sessão foi, porém, preenchida com os testemunhos e depoimentos de participantes envolvidos em iniciativas sinodais, nesta primeira fase, que decorre a nível das dioceses.
Na sua comunicação, Cátia Tuna fez-se acompanhar de “vozes imprevistas” de quatro pessoas, que, na sociedade e na Igreja Católica, dificilmente teriam voz. Na sua simplicidade acutilante, elas disseram no que é que estão gratas à Igreja e o que entendem que esta poderia fazer melhor. Foi uma forma de mostrar que mais do que “objeto de discursos”, é importante que os pobres sejam sujeitos dos seus próprios discursos, contanto que haja quem os queira escutar.
Por sua vez, Ângela Xavier testemunhou sobre a “urgência” que sentiu em pôr-se em campo e envolver-se na dinâmica sinodal, na Comunidade da Capela do Rato, em Lisboa. Disse-se insatisfeita relativamente à Igreja como um todo, sobretudo nesta zona ocidental do planeta, observando que a pandemia e o escândalo dos abusos sexuais só vieram agravar a descrença na instituição e o afastamento de muitos. Neste contexto, o Sínodo, que tem sido acolhido de braços abertos na comunidade de que faz parte, pode ser um caminho para tornar a Igreja mais significativa para a vida das pessoas. Mas é preciso que ela não fique anquilosada no passado, aprenda com as mudanças que foi fazendo ao longo da história, e que se abra à plena integração dos leigos nos mecanismos de decisão, à ordenação de mulheres e ao celibato opcional do clero.
“Tempo para o culto mas não para a formação dos leigos”

No período do encontro em que se alargou a partilha ao conjunto dos participantes, surgiram relatos e reflexões muito diversas, com vários pontos de convergência. Em alguns casos, destacaram-se não apenas experiências bem sucedidas, mas também dificuldades e obstáculos. Na impossibilidade de pormenorizar cada caso, sublinham-se pontos relevantes dessa partilha.
Na Covilhã, por exemplo, os membros da Liga Operária Católica começaram a reunir em grupos sinodais logo a seguir ao lançamento do Sínodo, em 17 de outubro passado. Alguns dos membros estão também inseridos em dinâmicas análogas do arciprestado ou vigararia. Mas têm sentido uma acentuada dificuldade de adotar na vida da Igreja práticas de participação, por parte de bispo, padres e leigos. E não deixaram de chamar a atenção para este paradoxo: “Há tempo para todos os atos de culto, mas não há tempo para a formação de leigos.”
Em Matosinhos, uma paroquiana que pertence igualmente àquele movimento da Ação Católica e ao Graal, falou de algumas conclusões do grupo sinodal em que tem participado. Os seus membros sentiram que os grupos, serviços e movimentos presentes na paróquia não comunicam entre si, ponto que outros foram assinalando também, ao longo do serão. Um outro aspeto do itinerário percorrido: a comunidade paroquial está ainda muito fechada, havendo pouca comunicação entre os seus colaboradores mais diretos e os residentes na área da paróquia. Acham, por isso, que o caminho poderia passar por organizar grupos de duas pessoas que fossem à procura de quem chega de novo àquela zona, em gesto de atenção e acolhimento.
Já há locais onde o processo da escuta terminou e se apuraram as conclusões. É o que acontece numa paróquia de Lisboa, que definiu como objetivos do processo sinodal, a prosseguir, a contribuição para uma Igreja aberta, renovada e com uma nova linguagem, capaz de olhar e pensar o centro a partir da periferia; evangelizar o mundo do trabalho, tendo especialmente em conta as condições de vida e laborais dos mais jovens (preocupação que se estende ao que esperam da Jornada Mundial da Juventude que “não pode ser só folclore”); e finalmente, a aposta na educação e na formação (por exemplo: aprofundamento da doutrina social da Igreja).
Afastamento dos jovens ou afastamento da Igreja?

As realidades do mundo dos jovens estiveram em foco através das intervenções de dois jovens do CAB, Centro Académico de Braga, ligado à comunidade inaciana. Organizados em sete grupos com uma média de seis pessoas por grupo (“para que todos tenham oportunidade de se exprimir”), iniciaram já um pouco tarde o seu caminho. Foi sublinhado como alguns dos jovens se sentiam felizes por serem chamados a participar. Queixaram-se alguns da visão moralizante que transparece em muitos discursos eclesiásticos, assim como da linguagem com que se deparam na Igreja. Uma dificuldade particularmente sentida é a de “chegar àqueles que se afastaram dos ambientes e práticas eclesiais”.
Um destes jovens do CAB referiu que, como catequista numa paróquia bracarense, tem tentado desenvolver alguma atenção ao Sínodo, em consonância com a restante equipa de catequistas do 6º ano, propondo às crianças que conversem com os seus pais sobre o que gostariam que a Igreja fosse. O mesmo jovem está ainda a tentar introduzir a mesma questão entre membros da comunidade LGBT com quem desenvolve atividades.
Esta questão do afastamento das pessoas, e sobretudo dos jovens, da Igreja foi colocada por outros participantes, podendo ser um problema dos que se afastam, que importaria ser indagado, mas também da própria Igreja. Foi nessa perspetiva que uma professora membro do Graal colocou as coisas: “Não é tanto as pessoas afastarem-se da Igreja; a Igreja é que se distancia das pessoas, quando não cumpre a dimensão sinodal, que decorre do Evangelho.”
O pároco de Esmoriz (Ovar) disse-se muito entusiasmado com o Sínodo, ainda que tenha reconhecido que vai ser necessária persistência e luta, para prosseguir nesta direção. Para ele, que tem a funcionar desde o início uma comissão sinodal, é mais importante o processo – ou seja, este modo de estar em (e fazer) Igreja, do que os resultados, já que é pelo processo que se vai aprender a ouvir e a gostar de falar uns com os outros. Uma questão com que costuma desafiar os cristãos é esta: como servidores, porque será que estamos satisfeitos com a Igreja como ela é? Porque será que não arriscamos a largar algumas coisas para fazer outras?
Estes são apenas alguns registos das partilhas do encontro sinodal. Houve esperança e alegria de alguns, que encontram neste sínodo uma oportunidade e até um “lugar de resistência para sermos ou irmos sendo Igreja”; mas também receios e ceticismo de outros. Houve quem sublinhasse a importância de “libertar a palavra” e de aprender a reconhecer as diferenças, a partir da partilha das vivências e desejos de cada pessoa ou de cada grupo. Houve, enfim, um setubalense, veterano de antigos combates, com 95 anos, que apelou a que se olhe para além dos horizontes das organizações religiosas, que se “oiça o grito dos povos” e, sobretudo, “que se viva o que Jesus ensinou”.
“Como estamos de Sínodo?”. Aqui estão alguns sinais. Uma resposta mais completa surgirá dos relatos que a partir do final deste mês irão chegar aos coordenadores diocesanos. Deles sairão as sínteses para a elaboração de um documento no âmbito nacional. Mas o Sínodo, como o Papa tem destacado e muitas pessoas vão sublinhando, é um processo e não acaba aí. Aí apenas começa.