
“Este relatório diz-nos em termos científicos frios o que a natureza nos tem dito durante todo o ano, através de inundações mortais, tempestades e incêndios violentos.” Foto © WFP / Arete Ozavogu Abdul.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, lançou nesta quinta-feira o Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2022. O documento mostra que a comunidade internacional está ainda muito longe das metas para a estabilização do aquecimento global, e evidencia a enorme discrepância entre aquilo com que os países se comprometem e o que seria necessário. Conclusão: “só uma transformação radical das nossas economias e sociedades pode salvar-nos de acelerar o desastre climático”, alerta a diretora executiva do programa, Inger Andersen.
A falta de progressos na redução de emissões de CO2 “deixa o mundo em direção a um aumento de temperatura muito acima do Acordo de Paris” (que estipulava que aquele ficasse abaixo de 2°C, de preferência 1,5°C). Para cumprir as metas, “o mundo precisa de reduzir os gases de efeito estufa em níveis sem precedentes nos próximos oito anos”, refere o relatório.
“Este relatório diz-nos em termos científicos frios o que a natureza nos tem dito durante todo o ano, através de inundações mortais, tempestades e incêndios violentos: temos que parar de encher a nossa atmosfera com gases de efeito de estufa, e parar de fazê-lo rapidamente”, afirmou Inger Andersen.
A menos de duas semanas da abertura da conferência climática da ONU COP27 no Egito, o relatório da ONU revela que, para manter o aquecimento global em 1,5°C, as emissões devem cair 45% em relação às previstas nas políticas atuais até 2030. Para a meta de 2°C, é necessário um corte de 30%.
Para tal, é necessária “uma transformação em larga escala, rápida e sistémica” em alguns setores-chave, como a eletricidade, indústria, transportes e construção, onde a “tecnologia de carbono zero” tem de avançar o mais depressa possível.
Responsáveis por cerca de um terço das emissões de gases com efeito de estufa, os sistemas alimentares precisam de ter como foco a proteção de ecossistemas naturais, mudanças na dieta da população, melhorias na produção de alimentos ao nível agrícola e descarbonização das cadeias de fornecimento de alimentos.
As ações nestas áreas podem reduzir as emissões previstas do sistema alimentar para 2050 para cerca de um terço dos níveis atuais. Mas, se as práticas atuais forem mantidas, as emissões poderão chegar quase ao dobro.
Por fim, mas não menos importante, é necessária uma “transformação do sistema financeiro”, afirma o relatório. “A maioria dos agentes financeiros, apesar das intenções declaradas, tem demonstrado ações limitadas na mitigação climática devido a interesses de curto prazo, objetivos conflituantes e a não reconhecer adequadamente os riscos climáticos”, pode ler-se.
De acordo com o documento, “governos e o setor financeiro precisarão de seguir na direção de uma transformação do sistema e das suas estruturas e processos, envolvendo bancos centrais, bancos comerciais, investidores institucionais e outros agentes financeiros”.
Resta pouco tempo

Os três principais gases com efeito de estufa atingiram novos recordes em 2021. Foto © Unsplash / Johannes Plenio.
“É óbvio que se o mundo, e a Europa em particular, tivessem investido fortemente em energia renovável nos últimos 20 anos, não estaríamos a enfrentar a crise energética que estamos a viver e os preços do petróleo e do gás não seriam tão altos”, sublinhou o secretário-geral da ONU, António Guterres, numa entrevista à estação televisiva britânica BBC, esta quarta-feira.
“Temos que aprender com o passado. Os investimentos em energias renováveis são absolutamente vitais”, acrescentou, apelando a uma tributação sobre os lucros extraordinários do setor de combustíveis fósseis. Limitar o aquecimento global a mais 1,5 graus centígrados em comparação com a era pré-industrial “ainda é possível”, realçou. “Mas estamos prestes a perder essa possibilidade”.
Nesse mesmo dia, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), revelava que a incapacidade de mudança está a levar o planeta “a um aquecimento de pelo menos 2,5 º C, um nível considerado catastrófico”. A temperatura média global situa-se atualmente em mais de 1,1°C acima do nível pré-industrial de 1850-1900.
Simultaneamente, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alertava para o facto de os três principais gases com efeito de estufa terem atingido novos recordes em 2021. Os níveis de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentaram 149%, 262% e 124% respetivamente quando comparados com os níveis pré-industriais. “A razão para o aumento excecional não é clara, mas parece ser resultado de processos biológicos e induzidos pelo homem”, avança a OMM.
Em 2021, durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP26, em Glasgow, Escócia, todos os países concordaram em rever e fortalecer os seus planos climáticos. Do total de 193 nações, apenas 24 apresentaram planos atualizados às Nações Unidas.
Este desempenho é considerado “dececionante”. O responsável do IPCC, Simon Stiell, deixa o alerta: “as decisões e ações do governo devem refletir o nível de urgência, a gravidade das ameaças que enfrentamos e a brevidade do tempo que nos resta para evitar as consequências devastadoras das mudanças climáticas descontroladas”.