
Foto © Mukund Nair on Unsplash
A série Terror em Paris, da Netflix, recorda o ataque terrorista ocorrido em Paris, em 2015. A narrativa é construída em grande parte através dos relatos de sobreviventes feitos reféns dentro da sala de espectáculos Bataclan. É uma reconstituição poderosíssima, que nos leva a sentir barulhos, cheiros, suores… um pouco do pânico que toda aquela situação gerou. Quando estava a ver este documentário senti-me, naturalmente, perturbado com todos os testemunhos. No entanto, o terceiro e último episódio dá conta de um par de situações que são de uma enorme comicidade – o que me apanhou completamente de surpresa.
Alguns dos reféns ficaram fechados com os terroristas, que aparentemente não tinham um plano claro sobre o que fazer. A certa altura, contam que pediram, pela janela, para os polícias enviarem walkie talkies, porque queriam negociar. Ao que os reféns teriam respondido que isso já não se usava, que era muito antiquado, e que tinham os smartphones. Então, pedem os telemóveis dos reféns. De repente, um dos terroristas, com armas e colete de explosivos, tem na mão um telefone de capa colorida, com uma baleia verde sorridente.
Ainda no seguimento desta situação com os telemóveis, precisam de dar o número de telefone à polícia para lhes poderem ligar. Mas o polícia que repete o número do outro lado da barricada tem um sotaque fortíssimo do sul de França. Por isso, de cada vez que ele fala quase gera uma gargalhada nos reféns. E o número tem de ser repetido umas 10 ou 20 vezes, porque a polícia de intervenção usa equipamento que corta o som ambiente. Conta um dos reféns que ficaram muito perto de se “escangalharem a rir”. Prestes a serem chacinados, a situação não podia ser mais surreal.
Recordei este documentário porque, há dias, um amigo partilhava comigo um artigo sobre o humor na tragédia, a propósito da guerra na Ucrânia que, infelizmente, se arrasta há já várias semanas. Não há motivos para rir, sobretudo para todos aqueles que têm sofrido mais diretamente as consequências deste ataque atroz. Ainda assim, uma das formas de resistência de quem assiste à distância é a força dos cartoons e memes para ridicularizar a decisão de Putin. Mas esta utilização de cartoons aconteceu noutras guerras, nomeadamente na Segunda Guerra Mundial. Vale a pena fazer uma pesquisa para ver alguns deles. Como se imagina, os ditadores não terão sentido de humor e nem sabem rir-se de si próprios.
Para quem, como eu, cresceu em Portugal, a ideia de guerra sempre foi uma coisa longínqua. O mais próximo que estive de um cenário de batalha foi ter trabalhado em Coventry, uma cidade que foi destruída por aviões nazis em Novembro de 1940. Já passaram várias décadas, mas as marcas continuam lá. Hoje conhecida como Cidade da Paz e da Reconciliação, Coventry preserva o efeito das bombas na sua catedral antiga que mantém apenas parte das paredes, sem telhado a cobrir. Esta lembrança do que a guerra faz às cidades é uma memória importante. Agora imagine-se o que fará às pessoas, sobretudo às mais vulneráveis.
Luís Pereira, pai de dois filhos, reside em Inglaterra desde 2012, depois de ter concluído o doutoramento em educação para os media na Universidade do Minho. Desempenha funções na área da pedagogia e da educação digital.