[Crónicas da Guiné – 5]

Sol Mansi, a rádio que nasceu da guerra ao serviço da Paz

| 15 Fev 2023

Anabela B. Ramalho, Rádio Sol Mansi, Guiné-Bissau

Estúdio da rádio católica Sol Mansi, da Guiné-Bissau: “amanhecer o dia” e promover a paz. Foto © José Alves Jana.

 

Significa “amanhecer o dia”, é a rádio católica da Guiné-Bissau e a mais ouvida no país, segundo um estudo encomendado pela delegação da ONU na Guiné-Bissau. As portas da Sol Mansi, dada a ausência do diretor em Portugal, foram-nos abertas por Anabela Bull Ramalho, diretora-adjunta. Explica-nos que nasceu da guerra a boa ideia que deu origem à rádio. O padre Davide Sciocco, missionário italiano em Mansoa, deu-se conta de que a rádio era um instrumento muito usado para a propaganda política pelas várias forças em conflito na guerra civil de 1998/99 e pensou: “Porque não usá-la ao serviço da paz, da reconciliação e do desenvolvimento?”.

Davide Sciocco pôs mãos à obra e fundou, em 2001, a Sol Mansi, uma pequena rádio local de curto alcance [que na passada segunda-feira, 14, assinalou o Dia Mundial da Rádio, como tantas outras emissoras]. Mas que logo se mostrou muito importante. A população sentia “entusiasmo e orgulho” por ter uma rádio e para isso contribuiu também o facto de a produção se apoiar no contributo de voluntários locais, mais de 120. Era a rádio da população, feita pela população e, por isso, muito ouvida no curto território que conseguia cobrir. Anabela Ramalho vem desse primeiro tempo.

Desde o início, a Sol Mansi assumiu-se como espaço de união, pois acolheu a colaboração tanto de cristãos, católicos e evangélicos, como de muçulmanos (numa proporção de metade/metade), chegando a fazer debates conjuntos.

Anabela B. Ramalho, Rádio Sol Mansi, Guiné-Bissau

Redação da Sol Mansi: “O objetivo é contribuir para a formação integral da pessoa humana, assente na paz, na reconciliação, no diálogo entre as religiões.” Foto © José Alves Jana.

 

O sucesso alcançado levou a que em 2008 tivesse crescido o suficiente para se tornar a rádio nacional da Igreja Católica, agora com três estúdios – Bissau, Mansoa e Bafatá – e três retransmissores que lhe permitem cobrir todo o território. Tem 15 jornalistas e uma rede de 50 correspondentes em todo o país, que “são os ouvidos e olhos” da rádio e trazem à antena a voz dos que costumam não ter voz: “Não só sobre assuntos religiosos, das paróquias, mas também sociais, sobretudo sobre direitos humanos, problemas das mulheres, práticas nefastas… Assim temos notícias de todo o país”. Aposta na qualidade deste serviço, por isso todos os anos reúne em Mansoa, durante duas semanas, esses correspondentes para formação, da qual participam também colaboradores de outras rádios não católicas. É mais um contributo para a qualidade da comunicação social no país.

Logo em 2009, a Rádio Sol Mansi, católica, e a Rádio Corânica de Mansoa, muçulmana, assinaram um protocolo de cooperação na formação e na produção de programas. Em resultado, a rádio católica passou a transmitir um programa islâmico e a rádio islâmica um programa católico, exemplo “talvez único no mundo”. Não admira que seja uma rádio premiada e reconhecida além fronteiras.

Anabela B. Ramalho, Rádio Sol Mansi, Guiné-Bissau

Anabela Ramalho, directora-adjunta: “Passamos as notícias de forma isenta e bem documentados. Não fazemos questão de ser os primeiros a dar a notícia.”  Foto © José Alves Jana.

 

Apesar de ser uma rádio da Igreja Católica, o diretor é pela primeira vez um leigo, nomeado pelo bispo, que é o presidente do conselho de administração. Mas “os programas não são apenas religiosos, são de todo o tipo, a programação é transversal”. Como rádio católica, “o objetivo é contribuir para a formação integral da pessoa humana, assente na paz, na reconciliação, no diálogo entre as religiões e no respeito pela diversidade étnica”. A diversidade étnica aparece “como algo formativo”. E quanto à diversidade religiosa, a rádio tem, para esse fim, colaboradores das várias religiões, mesmo da religião tradicional, e dá espaço na antena às diversas crenças. A matriz de espaço de união entre as várias etnias e as várias religiões continua.

A Rádio Sol Mansi não esquece, porém, a sua origem. “Contribuímos para a divulgação da Doutrina Social da Igreja”, explica Anabela Ramalho, sublinhando que “a Igreja Católica tem contribuído muito para a sociedade guineense”.

A Guiné-Bissau não é um país fácil para quem trabalha na comunicação social. Podemos dizer, pelo que ouvimos e pelas notícias que nos chegam, que ser jornalista é ali uma profissão de risco. As relações com o poder não são nada fáceis. Também na rádio católica? “Passamos as notícias de forma isenta e bem documentados. Não fazemos questão de ser os primeiros a dar a notícia.” Pelo que nos diz, isso tem dado à Sol Mansi algum descanso. Mas… “Por vezes ficamos tensos ao dar uma notícia, mesmo bem documentados, para salvar a nossa pele, não nos sentimos seguros.” Esse esforço faz com que a população confie na Sol Mansi. “Nesta sociedade, a comunicação oral é muito importante. Não temos uma paz absoluta, por isso os ouvintes escutam a Rádio Sol Mansi. Se ainda não noticiámos, as pessoas dizem ‘a Sol Mansi ainda não deu’ e esperam para saber o que se passou.” E, em jeito de síntese, Anabela Ramalho afirma: “O nosso compromisso é com o povo”.

 

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