
O Papa Francisco na Presidência da República. Foto: ©️ Sebastiao Roxo / JMJ Lisboa 2023
Foi num tom vigoroso e inspirado que o Papa Francisco, ainda a acabar de chegar, abriu a série de intervenções que fará nestes dias em Portugal, lembrando à União Europeia as suas particulares responsabilidades na promoção da paz e do bem-estar entre os povos. E Lisboa, nessa matéria, pode sugerir aos seus parceiros da UE “uma mudança de ritmo”, já que foi na capital portuguesa que foi assinado o Tratado da Reforma da União Europeia, em 2007, que se orienta por aqueles valores.
Intervindo em resposta a breves palavras de boas-vindas do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no encontro com as autoridades, a sociedade civil e o corpo diplomático, no Centro Cultural de Belém, esta quarta-feira, 2 de agosto, o Papa deliciou os participantes com citações de Camões, Pessoa, Sophia, Daniel Faria e Saramago, e alusões a Lisboa como “cidade de encontro que abraça vários povos e culturas” e como “cidade do oceano”, que “apela à importância do todo, a pensar as fronteiras como áreas de contacto e não como fronteiras que separam”.
Então, Lisboa, enquanto capital mais ocidental da Europa continental, pode ser a reafirmação dessa “necessidade de abrir caminhos de encontro mais alargados”, como Portugal já faz, segundo o Papa, sobretudo com países de outros continentes que partilham a mesma língua, e está a fazer agora, com a JMJ.
Concretizando, Francisco interrogou: “para onde navegas, [União Europeia], se não ofereces caminhos de paz, formas criativas de pôr fim à guerra na Ucrânia e aos muitos conflitos que mancham o mundo de sangue? E, mais uma vez, alargando o campo: que rumo segues, Ocidente?”
Desafiando Portugal a espicaçar os seus parceiros da União, Francisco considerou que tal caminho poderia tronar o mais jovem o “velho continente”. Porque, defendeu, o mundo precisa da “verdadeira Europa”, uma Europa que assuma – na esteira do “pensar em grande” dos seus pais fundadores – o seu papel de “construtor de pontes e de pacificador na sua parte oriental, no Mediterrâneo, em África e no Médio Oriente”.
Anotando que hoje se investe mais em armamento do que no futuro das crianças, o pontífice acrescentou que, “no oceano da história, estamos a navegar numa conjuntura tempestuosa”, sendo que “faltam rotas corajosas para a paz”. E deixou esta visão de futuro:
“Sonho com uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para extinguir focos de guerra e acender luzes de esperança; uma Europa que saiba reencontrar a sua alma juvenil, sonhando com a grandeza do todo e indo para além das necessidades do imediato; uma Europa que inclua os povos e as pessoas com a sua própria cultura, sem perseguir teorias e colonizações ideológicas”.
Noutro passo do seu discurso, Francisco tomou o oceano como fonte de vida, para voltar às perguntas: “para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos velhos, com os muros de arame farpado, com os massacres no mar e com os berços vazios? (…). Para onde navegais se, perante o mal de viver, ofereceis remédios apressados e errados, como o acesso fácil à morte, uma solução de comodidade que parece doce, mas que na realidade é mais amarga do que as águas do mar? E penso em tantas leis sofisticadas sobre a eutanásia”.
Perante este quadro de problemáticas e desafios, o Papa peregrino salientou que a JMJ é um encontro de jovens de todo o mundo, que “cultivam desejos de unidade, de paz e de fraternidade” e “uma oportunidade para construir juntos”, reavivando “o desejo de criar novidade, de se fazer ao mar e navegar juntos em direção ao futuro”.
Três áreas de “construção da esperança” que podem contar com o contributo de todos foram apontadas pelo bispo de Roma:
– O ambiente – um problema global que, apesar do muito que já está a fazer-se, “continua a ser gravíssimo”, dando o exemplo dos oceanos, “grandes reservatórios de vida” em vias de serem transformados em “lixeiras de plástico”;
– O futuro – são muitos os fatores que, segundo o Papa, desencorajam os jovens: a falta de trabalho, o ritmo frenético em que estão imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade de encontrar alojamento e, “mais preocupante ainda, o medo de constituir família e de trazer filhos ao mundo”. Haveria que encontrar políticas que contrariem a desnatalidade e o declínio da vontade de viver e dêm às pessoas “o poder de esperar”, e que corrijam os desequilíbrios económicos de um mercado que produz riqueza, mas não a distribui;
– A fraternidade – que os cristãos aprendem com Jesus Cristo; neste âmbito, deparamos com “uma globalização que nos aproxima, mas não nos dá proximidade fraterna”; “todos somos chamados a cultivar o sentido de comunidade, a começar pela procura dos que vivem ao nosso lado”, disse o Papa, ilustrando com uma frese de José Saramago: “o que dá verdadeiro sentido ao encontro é a procura, e é preciso percorrer um longo caminho para chegar ao que está próximo” (Todos os Nomes, 1997).