
Bispo José Ornelas durante a audição parlamentar sobre os abusos na Igreja. Foto © Agência EcclesiaHM.
“O segredo da Confissão é tão velho como a Igreja e não vai mudar, isso posso garantir”, afirmou o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, durante a audição parlamentar a propósito do tema dos abusos sexuais na Igreja, que decorreu na tarde desta terça-feira, 2 de maio. Horas antes, o coordenador da extinta Comissão Independente, Pedro Strecht, havia defendido precisamente o contrário, “quando há questões que se sobrepõem”.
O pedopsiquiatra foi o primeiro a ser ouvido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tendo referido que o levantamento deste tipo de segredo está previsto, também, “noutras estruturas profissionais, incluindo a dos próprios médicos”. Já o juiz conselheiro jubilado Laborinho Lúcio, antigo ministro da Justiça e também membro da ex-Comissão, reconheceu a existência de “obstáculos enormes do ponto de vista do Direito Canónico e, desde logo para já, neste momento, através da própria Concordata”.
Recorde-se que o artigo 5 da Concordata de 2004 determina que “os eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério”.
“Não estamos acima da lei e vamos cumprir a lei, mas nem tudo entra no campo jurídico”, referiu o bispo José Ornelas, sublinhando que a Confissão implica um arrependimento dos atos cometidos e que compete ao confessor convencer as pessoas de que é “seu dever” denunciar os factos às autoridades próprias.
O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, que esteve presente a requerimento do grupo parlamentar do Chega, reiterou que este sigilo sacramental, para os católicos, é “absoluto”. O confessor que violar diretamente esse sigilo incorre, de forma automática, em pena de excomunhão, de acordo com o Direito Canónico; a mesma pena é reservada a quem captar por meios técnicos o que for dito entre penitente e confessor.
Questionado sobre eventuais indemnizações às vítimas, o presidente da CEP respondeu o que já havia dito anteriormente: devem ser decididas caso o caso. Para José Ornelas, o importante é que “ninguém fique sem tratamento”.
Aos deputados, o bispo garantiu que, depois deste estudo na Igreja, a sociedade portuguesa não é a mesma. “O caso Casa Pia foi importante para despertar, mas este foi mais importante e o ter acontecido na Igreja foi importante porque para todos a forma de resolvê-lo e a resposta que estamos a dar é importante para mudar a mentalidade e a cultura”, referiu.
Da parte da socióloga Ana Nunes de Almeida, que também integrou a Comissão e interveio na audição parlamentar, ficou um desafio concreto para a Assembleia da República: “solicitar um inquérito nacional aos abusos sexuais às crianças na sociedade portuguesa, como fizeram os franceses, para se poder ter a medida do que é que isto representa em termos de incidência nacional”. Ana Nunes de Almeida reconheceu que “isto envolve dinheiro, envolve vontade, envolve muita competência”, mas “nada que se compare aos muitos milhares de euros que andam por aí a voar, muitos milhares de milhões de euros que andam por aí a voar em outros setores”.