
Sultana Khaya mostrando marcas da violência. Foto: Direitos reservados.
Doze organizações portuguesas da sociedade civil que intervêm no âmbito da igualdade entre mulheres e homens escreveram ao primeiro-ministro de Marrocos, Aziz Akhannouch, manifestando a sua preocupação e indignação com a persistente violação dos direitos humanos no Sara Ocidental ocupado. Em concreto, a carta refere a situação da família Sid Brahim Khaya, residente na cidade sarauí de Bojador, em particular das irmãs Sultana e Luara, e da sua mãe, com 84 anos.
“Há mais de um ano que a família está de facto sob residência fixa, permanentemente cercada por membros das forças de segurança marroquinas e alvo de intimidações diárias, sem nenhuma justificação, nem explicação”, lê-se na carta, enviada ao 7MARGENS, e escrita a propósito do Dia Internacional dos Direitos Humanos, que se assinalçou sexta-feira, 10 de Dezembro.
“Para além de não poderem sair de casa, também são impedidas de receber visitas e repetem-se entradas forçadas na residência”, acrescentam as organizações signatárias. Durante elas, acusa a carta, os agentes marroquinos agridem as mulheres, violam-nas, “injectam substâncias desconhecidas nos seus corpos, destroem mobílias, bens alimentares e água, e espalham produtos com um cheiro insuportável por todo o lado”. Os últimos episódios deste género aconteceram nos dias 8 e 15 de Novembro e 4 de Dezembro.
O jornal espanhol El Salto conta que Sultana, 41 anos, nasceu em Bojador, na costa norte do Sara Ocidental, onde vive. Activista dos direitos humanos, tem estado envolvida na luta pela autodeterminação do território. Em 2010, depois de ter estado em Marraquexe a estudar francês, foi uma das fundadoras da Liga Sarauí para a Defesa dos Direitos Humanos e Contra o Espoliação dos Recursos Naturais, que actualmente preside.
Durante o tempo em que esteve em Marraquexe, Sultana participou numa manifestação de apoio a sarauís reprimidos pelas autoridades marroquinas, conta ainda El Salto. Durante a manifestação, dois polícias bateram-lhe no olho direito e ela acabou por perdê-lo. Por causa disso, Sultana tem de ir regularmente a Barcelona e Alicante para consultas e substituição da prótese que teve de colocar.
Há pouco mais de um ano, dia 19 de Novembro de 2020, regressou a Bojador, depois de algum tempo em Espanha. O olho esquerdo, saudável, também ficou inchado, a 12 de Novembro, quando um dos atacantes a terá atingido com um sapato.
A conversa da jornalista do El Salto com Sultana é intermitente, porque a ligação à Internet é muito instável. Sultana pede desculpa pelo facto, apesar de a sua irmã Luara estar a partilhar dados. Os telefones, conta a activista, são confiscados regularmente e os aparelhos e cartões substituídos. Ou, em alternativa, as comubicações são bloqueadas. “Não sei dizer quantas vezes mudei de número este ano”, diz ela.
À noite, os agentes marroquinos batem nas janelas e portas para as manter acordadas. Só conseguem adormecer já de madrugada ou manhã cedo. A mãe é a única autorizada a sair de casa para compara comida. “Luara e eu não temos medo de morrer, vamos morrer um dia, mas estamos preocupadas com a situação da nossa mãe”, diz ela à jornalista Karla Ferrera Sánchez. Desde que esta situação começou, a mãe tem sido também atacada por tentar defender as suas filhas.
Os agentes “ameaçam rotineiramente matar e violar as irmãs Khaya”, diz Stephanie Herrmann, representante internacional da família, citada também no El Salto. “Usaram a violência sexual contra Sultana e Luara tanto para as punir pelas suas opiniões políticas como para as forçar ao silêncio”, diz ela. “Os agentes torturaram e violaram ambas as irmãs em 12 de Maio de 2021. Sultana publicou um artigo de opinião na CNN Global explicando corajosamente os detalhes desta violência”. A 15 de Novembro, Sultana foi violada pela segunda vez e Luara foi agredida sexualmente, acrescenta a própria.
Apesar do sofrimento e da violência a que são sujeitas, a reportagem do El Salto dá conta da alegria e firmeza das duas irmãs durante a entrevista, em relação à resistência pacífica de que estão convictas. O mesmo diz do seu povo: “A nossa luta tem sido digna desde o seu início”, acrescenta.
Um “ciclo infernal”

Na carta, as organizações portuguesas dirigem-se a Aziz Akhannouch dizendo que o primeiro-ministro marroquino sabe que o caso de Sultana e da sua família é apenas uma ‘ponta do icebergue’ das violações dos direitos humanos no Sara Ocidental “ilegalmente ocupado por Marrocos”. “Muitos outros defensores dos direitos humanos sarauís, homens e mulheres, continuam a ser ameaçados, agredidos, torturados, presos e condenados em julgamentos sem quaisquer garantias de justiça, em todo o território. Não há liberdade de expressão, nem de associação, porque não há liberdade, simplesmente”, lê-se no texto.
A carta acrecsenta que “este ciclo infernal de ocupação colonial/violação dos direitos humanos só terminará quando o povo sarauí tiver a possibilidade de decidir o seu próprio futuro”. Enquanto assim não for, sarauís, marroquinos “e toda a região passam por sofrimentos e humilhações que seriam evitáveis”.
No final, a carta exorta o primeiro-ministro de Marrocos a que, “a curtíssimo prazo, dê ordens para que a família Khaya possa viver com tranquilidade” e a que faça “todos os esforços para que o Reino de Marrocos participe activamente no novo ciclo de negociações directas patrocinado pela ONU”. E acrescenta: “Marrocos só verá plenamente reconhecido o seu papel no concerto das nações quando for um actor de paz e cooperação na região, respeitador de todos os povos e países que a compõem.
A carta é assinada pela Akto – Direitos Humanos e Democracia, Amonet – Associação Portuguesa de Mulheres Cientistas, APEM (Associação Portuguesa de Estudos sobre as Mulheres), APMJ (Associação Portuguesa de Mulheres Juristas), Casa da Esquina – Associação Cultural, Espaços – Projetos Alternativos de Mulheres e Homens, Graal (movimento internacional de mulheres cristãs), MMM (Marcha Mundial das Mulheres), Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade, Mulher Século XXI – Associação de Desenvolvimento e Apoio às mulheres e UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) e UMAR Coimbra.